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terça-feira, 5 de maio de 2020

QUEM JÁ SONHOU COM LAMPIÃO?

Por Antonio Corrêa Sobrinho
Ed Wanderley Andrade e Antônio Corrêa Sobrinho

Não é de hoje que leio, releio, reflito, medito, penso, pondero, sobre o cangaço e assuntos afins, compartilho ideias com amigos do Face, até um livrinho sobre o tema eu já fiz, uma compilação de textos jornalísticos, que chamei de “O Fim de Virgulino Lampião – O Que Disseram os Jornais Sergipanos”; sem dizer que, de uns tempos pra cá, tenho reunido, em relativa profusão, em PDF, artigos publicados na imprensa sobre o tema. E não foram poucas às vezes que, no sertão sergipano, andei, como ainda hoje faço, embora sempre a trabalho, por estradas, fazendas, povoados, cidades, em lugares como Canindé do São Francisco, Poço Redondo, Porto da Folha, Glória, Aquidabã, Pinhão, Frei Paulo, Ribeirópolis, Capela, Dores, etc.; para mim, caminhos e lugares fartos de simbolismos, significados, visto que visitados pelo mais famoso dos cangaceiros, um dos personagens civis mais destacados da história mundial, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e sua plêiade de célebres bandoleiros, um Zé Baiano, Zé Sereno, Volta Seca, Luis Pedro, Corisco e outros.

Pois, apesar disso tudo, de todo este meu envolvimento com o cangaço, o banditismo fenomenal que imperou e marcou o sertão nordestino até a metade do século passado, e que, ainda hoje, muito fascina, pelas imagens e representações que dele emanaram, nunca sonhei com Lampião, nem com Maria Bonita, nem com qualquer outro cangaceiro.

Eu até gostaria de travar, em sonho, conversa com essa gente pobre e desvalida, seca e faminta, de preferência juntamente com policiais volantes, como um Lucena, João Bezerra, um Manuel Neto, Zé Rufino, e suas tropas. Para dizê-los da guerra fratricida que travaram, enquanto os verdadeiros facínoras sorriam, de longe, fartos de bens e prazeres, em salas, salões, gabinetes, das suas grandes mansões, distantes dos adustos sertões.

E não é que meu colega, o pernambucano, Ed Wanderley Andrade, comigo na foto, meu prezado amigo, apreciador também da história e da cultura nordestinas, ele mais ainda, porque traz consigo a genética cangaceira dos Cacheados - sonhou com Lampião.


Me disse ele, ontem, quando incursionávamos numa diligência fiscal, pelas estradas da velha Itabaiana, terra-berço dos meus amigos Antônio Samarone e Robério Santos, e depois descendo pelos caminhos da valorosa Lagarto, do também amigo Kiko Monteiro, que um dia sonhou com Lampião.

Contou-me que, no sonho, eu e ele estávamos inspecionando a zona rural sertaneja, ali, pelas bandas de Poço Redondo, quando fomos abordados pelos cangaceiros; no exato momento em que, lentamente, percorríamos uma esburacada estrada de acesso para uma das fazendas a serem fiscalizadas, bem no coração da terra querida do meu outro amigo Rangel Alves da Costa. De pronto, perguntei ao colega - agora, fora do sonho -, quem eram os cangaceiros que estavam com Lampião, e ele me disse não recordar dos outros asseclas, que só lembra que esteve em sonho com Lampião.

Disse Ed que, mesmo estando em sonho, o que lhe poderia fazê-lo afoito e corajoso, diante de tantos homens de cara e feições endurecidas, de aspecto rude, ferozes, fortemente armados e em situação clara de ataque, paramos imediatamente a viatura do Órgão, que logo foi cercada pelos asseclas, com armas apontadas em nossa direção. Um porém urge que se diga, eles ficaram extremamente admirados com o carro que nos conduzia - uma Amarok do ano, plotada com o emblema da República e do Serviço Público Federal, coisa que eles nunca tinham visto, um carro tão contrastante com as fobicas Ford do seu tempo. O bom do sonho é que nele cabe tudo, até mesmo a conjugação de tempos.

Determinaram que descêssemos imediatamente.

Diz Ed que saímos da viatura calmamente, e que não fomos molestados pelos cangaceiros, que nos levaram à presença de Lampião, que já se aproximava de nós. Cumprimentamos o rei do cangaço com um enfático: "pois não, capitão!". Lampião, bem equipado de armas e todo paramentado, como os demais companheiros, antes de dizer coisa, olhou vagarosamente para os nossos coletes, que, cheios de penduricalhos de metal, brilhava com a ajuda do sol; tocou-os, puxou-os de leve, perguntando se era de prata, em razão do cinza da cor; depois subiu o olhar, observou que não usávamos chapéu; ainda perplexo, admirou outra vez a caminhonete; fez um hum, passou a mão no queixo. Depois voltou-se pra nós dois e indagou quem éramos e o que fazíamos na região. Respondemos ser auditores-fiscais do trabalho, e que estávamos ali verificando, nas propriedades rurais, a situação trabalhista dos empregados, fazendo-as cumprir as leis trabalhistas de proteção, saúde e segurança no trabalho. Afirmou Ed que Lampião fez um gesto afirmativo, quando dissemos que estávamos ali protegendo vaqueiros, profissão que ele um dia na tenra idade exerceu. Mas nada admirou tanto Lampião do que a caminhonete do Ministério do Trabalho.

"Vocês vão com a gente", asseverou Lampião.

Meu colega Ed Wanderley tem alma de cangaceiro; eu não.

Num momento da sua narrativa do sonho, perguntei-lhe: Camarada Ed, como estávamos diante de tão grave e iminente perigo? "Tranquilo, confiantes, sem temores", disse ele. "Era um sonho, Antônio, não um pesadelo", completou, sorrindo.

Voltemos ao sonho.

Não demorou muito, estávamos trocando tiros com uma força volante. Disse Ed que já se achou no sonho portando um fuzil, e que a cada tiro que dava, olhava pra Lampião, ele que combatia ao seu lado, e lhe sorria com um sorriso leve, de aprovação, de confiança. E mais, que, num certo instante, quando acertou mortalmente um da volante, voltou-se novamente para o famanaz bandoleiro, como que pra dizê-lo: "tá vendo, Capitão, somos dos seus, conte e confie na gente!".

Foi quando, nesta parte da narrativa, perguntei a Ed sobre mim. Se na hora da refrega, do pega pra capar, de bala pra lá, de bala pra cá, eu também tiroteava, olhava pra Lampião? E o filho da mãe, sorrindo, disse que só lembra de mim no sonho, escondido atrás de umas pedras.

É verdade, mesmo nos sonhos dos outros, não sou valente, mas precavido.

Que sonho bom Ed teve!
Antonio Corrêa Sobrinho


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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