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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

O ESPÓLIO DE LAMPIÃO.

 Por Beto Rueda

Naquela fria manhã, no dia 28 de julho de 1938, na grota de Angico, Sergipe, terminou o reinado de Lampião, o maior dos cangaceiros.

Atacados pela volante comandada pelo tenente João Bezerra, ele, sua companheira Maria e mais nove cabras perderam a vida.

As cabeças foram cortadas, os corpos deixados ali, aos urubus.

Segundo o Regimento Policial Militar, assinado pelo comandante, coronel T. Camargo Nascimento foram encontrados com os seguintes pertences:

Lampião:

- CALÇA E TÚNICA - calça caqui e túnica de brim alvorada com galões de sutache branco. Botões em ouro e prata.

- BORNAIS - um jogo bordado a máquina, com linha de várias cores e perfeito acabamento. Um fecho com dois botões de ouro e prata e outro com apenas um de prata. No suspensório nove botões de prata e ainda uma caixa de folha de flandres, coberta no mesmo pano dos bornais. Mais um bornal de brim azul mescla, bastante usado, próprio para carregar mantimentos, do ano de 1937 e as seguintes iniciais: "C.V.F.S.L.

- CHAPÉU - de couro, tipo sertanejo, em alto relevo em suas abas, com seis signos de Salomão; barbicacho de couro, com 46 centímetros de comprimento e ornado em ambos os lados com cinquenta e cinco peças de ouro, de confecção variada.

Testeira - com 4cm. de largura e 22cm. de comprimento, onde estão afixadas as seguintes moedas e medalhas: duas com a gravação "Deus te Guie", duas "Liras Esterlinas", uma "Moeda Brasileira" de ouro com a efígie de "Petrus II", de 1855, e ainda duas brasileiras de ouro, respectivamente de 1776 e 1802.

barbicacho traseiro de couro, com as mesmas dimensões da testeira e ornado com as seguintes peças de ouro: duas inscrições com a palavra "Amor" e uma com a mesma inscrição e um pequeno brilhante e quatro outros desenhos diferentes.

- ÓCULOS - um com vidros escuros e aros de ouro.

- LENÇO - de seda vermelha com bordados simples em três ângulos. No quarto, apenas um risco.

- LUVAS - um par, de pano bordado.

- BOTÕES - para colarinho e punhos.

- PLATINA - uma fazenda azul com três galões.

- CARTÕES DE VISITA - com variadas inscrições, como - "Saudade", "Recordação", "Lembrança" e "Amizade". Em alguns um "P" com inicial e em outros "C.L".

- ANÉIS - um de pedra verde, outro de ouro, com as iniciais na parte exterior: "C.V.L." e um terceiro de identidade, gravado o nome "Santinha".

- ALIANÇA - uma de ouro, com as inscrição "Capitão Lampeão", na parte interna.

- ALPERCATAS - número 40, tipo sertaneja, de bom acabamento e bordada com ilhós coloridos.

- PALMILHA PARA ALPERCATAS - com metade pé de anjo.

- APITO - dourado inglês, da marca "The Acme".

- COBERTORES - de Chita, forrados.

- MOSQUETÃO - modelo Mauzer 1908, de uso do Exército Brasileiro, em perfeito estado de conservação, número 314, série B, bandoleira enfeitada com 7 escudos de prata e gravado uma estrela; uma moeda de prata do Império, no valor de mil réis e vinte e cinco ilhoses brancos, reforçado.

- CARTUCHEIRA - De couro, com enfeites de costumes da caatinga e capacidade para armazenar cento e vinte cartuchos de fuzil e mosquetão, com um apito de metal amarelo preso a uma corrente de prata com um orifício a altura do peito esquerdo, originado por bala de fuzil.

- PISTOLA PARABELLUM - 9 mm., número 97, ano de fabricação 1918, com bainha de verniz preto, demonstrando bastante uso.

- PUNHAL - De folha de aço, com 67 centímetros de dimensão, com cabo e terço de níquel, adornado o cabo com três anéis de ouro, notando-se na lâmina uma mossa produzida naturalmente por bala; bainha toda de níquel, com forro interno de couro na parte superior, estrago produzido por bala.

- ORAÇÕES - um pacote contendo várias.

Pertences encontrados com Maria Bonita:

- Luvas de fazenda, vestidos, chales finos, moedas dos anos de 1776, 1802 e 1855, de procedência nacional, alianças, medalhas de ouro com imagens de santo no verso e no reverso, medalhões "Deus te Guie", última moda na época e outras peças de ouro.

Sobre os despojos, nos conta o pesquisador Joel Reis:

"O jornalista Melchiades da Rocha teve influência direta no manejo dessas peças, inclusive, cabendo a ele a responsabilidade de “trazer os referidos objetos. Inicialmente, após terem chegado a Maceió, trazidas do esconderijo Angico, as peças ficaram expostas no Rio de Janeiro em um esforço de “proporcionar à população carioca a excelente oportunidade de tão interessante exposição”. Até o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema (1900-1985), reforçou junto ao governo alagoano o pedido de envio dos “trophéos” para o Rio, justificando a aquisição dos “objetos encontrados entre os despojos do grupo do cangaceiro Lampião e que apresentam interesse do ponto de vista da Etnografia e da arte popular”.

Os objetos encontrados servem até hoje de grande importância para o estudo do tema cangaço. Baseado no relatório oficial, fica a pergunta: qual o destino do dinheiro e a grande quantidade de ouro que os cangaceiros carregavam?

REFERÊNCIAS:

OLIVEIRA, Aglae Lima de. Lampião Cangaço e Nordeste. Rio de Janeiro: Editora O Cruzeiro, 1970.

MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.

ARAÚJO, Antônio Amaury Corrêa. Assim Morreu Lampião. São Paulo: Editora Traço, 2013.

IRMÃO, José Bezerra Lima. Lampião: a raposa das caatingas. Salvador: Editora JM e Gráfica, 2014.

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