Por Honório de Medeiros
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* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Em dias do início do mês de junho do ano da graça de 1927, pelas terras do Rio Grande do Norte que confrontam com as da Paraíba, lá no alto Sertão desses estados, mais precisamente aquelas que ficam entre as cidades de Uiraúna, PB, e Luis Gomes, RN, vindos de Aurora, no Ceará, da Região do Cariri Novos de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles, os cangaceiros, entraram no território potiguar.
Texto original no livro História de Cangaceiros e Coronéis, do autor
Era uma horda selvagem com aproximadamente cinquenta a setenta homens, para o mais ou para menos, imundos e bestiais, a cavalo, fortemente armados, portando rifles, fuzis, revólveres, pistolas, punhais longos e curtos, e farta munição. Vinham ébrios, ferozes, e sedentos de violência, sem qualquer outro propósito – assim supõe o senso comum - que não a rapinagem, pura e simples.
E assim entraram.
Durante os oitocentos quilômetros e quatro dias que durou a epopeia, saindo e voltando à Aurora, Ceará, após alcançarem Mossoró, desenharam, com a ponta dos cascos dos cavalos ou a face externa das alpargatas com as quais pisavam o chão potiguar, como que um movimento em pinça cujos contornos lembram o de uma flor de mofumbo, sendo as laterais as margens da Serra de Luis Gomes e do Martins, por um lado, e, pelo outro, aquelas do serrame do Pereiro, limites com o Jaguaribe, Ceará adentro.
Espalharam o terror por onde passaram.
Humilharam, surraram, feriram, extorquiram, sequestraram, furtaram, roubaram, mataram...
Em toda a história do cangaço, complexa e específica por si mesma, nada há igual. Mesmo quanto à história do banditismo rural universal o feito chama a atenção.
Não foi um ataque qualquer a um arruado, vila ou povoação. Nem mesmo a uma cidade pequena.
Foi um ataque a uma cidade de grande porte para os padrões da época, bem dizer litorânea, a segunda maior do Rio Grande do Norte, com quatro igrejas, três jornais, agência do Banco do Brasil, população que rivalizava com a da capital do Estado, um comércio rico e pujante, funcionando como centro para o qual convergiam paraibanos, norte-rio-grandenses e cearenses, e, por intermédio do porto de Areia Branca, ao qual se chegava pelo Rio Mossoró ou Apodi, caso necessário, o Brasil todo.
Mossoró não acreditava que tal ataque pudesse se concretizar. O Governo do Estado do Rio Grande do Norte também não. Era inconcebível. O Brasil, representado por sua capital, o Rio de Janeiro, quedou perplexo.
Tanto anos depois seria possível acrescentar algo novo quanto às causas que levaram Lampião a empreender esse ataque?
De antemão, que se diga: não é consenso haver mistério quanto às causas do ataque de Lampião a Mossoró.
Ao contrário. Excetuando-se algumas vozes isoladas aqui e ali, faladas aos sussurros em Mossoró e outros recantos desse mundaréu de Deus Nosso Senhor, é prática corrente atribuir-se à ganância de Lampião, Isaías Arruda e Massilon – este com papel secundário, a existência do episódio ([1]).
Entretanto, ao estudarmos com atenção redobrada, até mesmo com obstinação, o acervo do qual dispõem os pesquisadores atualmente, constatamos a existência de dúvidas, perplexidades, contradições, mistérios que insistem em aparecer desafiando o passar dos anos e a natural inércia originada das versões consumadas pelo tempo e descuido dos homens.
Levando-se em consideração essas questões, após tê-las colhido e estudado, assim é que, a seguir, dando-lhes um tratamento mais racional e factual possível, buscando a isenção necessária à qual se deve ater quem busca encontrar a melhor explicação entre várias concorrentes – tal é o método que nos impõe a ciência, são elas elencadas, analisadas e colocadas à disposição do leitor, para que este possa fazer seu próprio julgamento ou, se não for o caso, meramente ser colocado a par de suas existências.
Há, portanto, e basicamente, quatro hipóteses acerca das causas do ataque de Lampião a Mossoró:
(i) teria resultado da ganância do Coronel Isaías Arruda e de Lampião, no que foram secundados por Massilon;
(ii) resultou unicamente da ganância de Massilon;
(iii) foi consequência da paixão de Massilon por Julieta, filha de Rodolpho Fernandes;
(iv) decorreu de um plano político.
Qual dessas hipóteses é a verdadeira?
O tempo dirá?
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[1] Notável exceção é o pesquisador Marcos Pinto, voz solitária e tonitruante, autor de DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DE APODY, natural de Apodi, RN, e integrante da
Academia Apodiense de Letras-AAPOL, mas residente há muitos anos em Mossoró.
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