Por Rangel Alves
da Costa*
Ninguém é tão
indigno de conquistar que não possa ter algo além do pão e do amanhã. Seria
apenas conformismo existencial e mera subsistência o empobrecido contentamento
de ter apenas o alimento da sobrevivência e a expectativa de continuar vivendo.
Indubitavelmente
que todos merecem ter algo além do pão e do amanhã. O ser humano é muito
diferente do bicho que apenas berra quando lhe falta a medida de palma ou
capim; distancia-se muito do animal que se contenta apenas com um punhado de
milho.
Não se fala em
fartura, mas em apenas ter. E ter o suficiente para não viver como bicho
regrado, diminuído demais ou na miserabilidade. Nada mais indigno ao ser humano
que ter de implorar um pedaço de pão, um resto de comida, uma caneca d’água
salobra e barrenta para beber.
Logicamente
que situações extremas existem onde qualquer esmola ou pedaço de pouco será de
grande serventia. Mas é uma questão de vida ou morte, da submissão ao quase
nada ou o perecimento por falta de alimento. Ainda assim não condizente com a
vida e a dignidade humana.
Cata grão na
areia aquele que não tem pedaço de pão; come restos apodrecidos aquele que não
possui qualquer outro alimento; se farta de bolachão de barro aquele que está
desprovido de bolacha de trigo; bebe lama quase esturricada aquele que não
consegue avistar uma fonte.
Um retrato
emoldurado na miséria africana, porém encontrado em todos os quadrantes do
mundo. Populações ainda existem que sobrevivem apenas pelo próprio dom da
existência. Vivem numa miséria tal que somente o milagre da sobrevivência para
dar explicações.
Aqui, ali,
tudo igual. No Nordeste faminto, no sertão sedento, na imensidão de sofrimento
e abandono. E não há esmola oficial que acabe de vez com o padecimento de tanta
gente. É menino comendo calango, é jovem comendo palma, é família sem panela no
fogo e de barriga vazia.
Impossível que
todos vivessem com comida farta na mesa, com o remédio sempre ao alcance, com a
água de beber na geladeira e outras bonanças. Mas inadmissível que tantos
tenham de amanhecer e anoitecer como se bichos esquecidos fossem, que sintam o
vazio por dentro e nada tenham para enganar a fome.
A miséria e a
pobreza continuarão existindo, vez que não é somente o alimento que afasta
populações da condição de miserabilidade. E continuarão existindo pela
diferenças sociais impostas, pelo abandono a que são relegadas, pelo descaso
como são tratadas. Não adianta ter a comida e continuar carente de respeito e
dignidade.
Ter algo além
do pão e do amanhã não significa viver de promessas e de esperanças. Do mesmo
modo, não significa ter na dispensa o alimento para o dia seguinte. Tudo isso
deveria ser visto apenas como normalidade da vida, como o mínimo aceitável a
cada indivíduo na sua existência.
Ter algo além
do pão e do amanhã pressupõe dignidade, respeito, tratamento igualitário,
garantia de prevalência dos direitos e garantias fundamentais do ser humano.
Mas pressupõe, acima de tudo, que o indivíduo afaste de si o sorriso forçado
pela esmola recebida e verdadeiramente cante a alegria da felicidade.
Isto mesmo,
ter algo além do pão e do amanhã pressupõe a existência da felicidade em cada
um. E o homem se mostra feliz toda vez que encontra oportunidades na vida, se
sente respeitado e valorizado, é reconhecido como útil na sociedade onde vive,
não é visto como mais um que caminha em direção aos lixões.
Quem dera que
todos tivessem algo além do pão e do amanhã. Quem dera que todos tivessem a
dignidade da sobrevivência sem temer o amanhã. E ter cada manhã como um campo
fértil para semear e colher os grãos da felicidade.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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