Por José Bezerra
Lima Irmão
Excerto do
capítulo 181 de Lampião – a Raposa das Caatingas.
José Bezerra é
pesquisador do cangaço e de tudo o que diz respeito à história do Nordeste
envolvendo as figuras fantásticas de Padre Cícero, Antônio Conselheiro, José
Lourenço, Severino Tavares e Quinzeiro, e os trágicos episódios de Canudos,
Caldeirão, Pau-de-Colher, Serra do Rodeador e Pedra Bonita do Reino Encantado
ou Pedra do Reino. É autor do livro Lampião – a Raposa das Caatingas, uma
biografia completa do Rei do Cangaço.
http://araposadascaatingas.blogspot.com.br
Na manhã de 20
de julho de 1934, aconteceu uma coisa terrível na Cidade Santa do Juazeiro:
morreu o Padre Cícero Romão Batista.
Mais de
quarenta mil pessoas haviam passado a noite em vigília. Quando se
espalhou a dolorosa notícia – “Padim Ciço morreu!!!” –, teve início um
espetáculo assombroso. As pessoas choravam, abraçadas umas às outras, rezando
ou gritando como loucas, acotovelando-se, atropelando-se, esmagando-se na ânsia
de chegar à casa do reverendo – as ruas não tinham como conter tanta gente.
A situação
agravou-se quando os telegramas chegaram às cidades próximas. Logo, caminhões e
mais caminhões superlotados começaram a despejar romeiros que vinham ao
sepultamento do Pai dos Pobres. Uma verdadeira onda humana tomou a Rua São
José, onde morava o Padre Cícero, invadindo todos os espaços, rompendo
obstáculos, derrubando portas, passando por cima de tudo. O delegado de
Juazeiro, vendo que a polícia era impotente diante da multidão sem controle,
lavou as mãos com uma desculpa razoável:
"– O Padre
Cícero era do povo e continua a ser do povo".
O caixão
mortuário foi colocado numa janela, quase em posição vertical, num estrado de
madeira, e durante o dia inteiro ficou ali, aberto, para que o corpo fosse
visto pela multidão. Enquanto isso, milhares de pessoas continuavam a chegar a
Juazeiro, a pé, a cavalo, de caminhão, de automóvel. Às quatro horas da tarde,
ouviu-se um ronco nos céus, como um trovão prolongado – eram aviões do Exército
que chegavam de Fortaleza com um barulho ensurdecedor, lançando-se de ponta
para baixo em voos rasantes, passando a poucos metros do telhado da casa do
Padre Cícero.
Àquela altura,
a colmeia humana já ultrapassava a casa dos 60 mil. Ninguém se lembrava de
comer ou beber. Não havia sequer uma casa de comércio aberta. O prefeito
decretou luto oficial por três dias. Nas cidades vizinhas aconteceu o mesmo. A
Bandeira do Brasil foi hasteada nas repartições públicas e em várias casas, com
uma faixa negra, de luto.
A multidão
passou a noite em frente à casa do Padre, rezando, chorando, lastimando-se.
No dia
seguinte, às 7 horas, 9 padres, liderados pelo monsenhor Shoter, deram início
ao cortejo, descendo com o féretro pela Rua São José em direção à Praça da
Matriz, onde foi feita a encomendação do corpo pelo monsenhor Pedro Esmeraldo
da Silva Gonçalves, acolitado pelos demais sacerdotes, representantes do clero
que tanto criticara e combatera o injustiçado Santo do Juazeiro. Por volta das
10 horas, reiniciou-se o cortejo, levando o corpo para a capela de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro. Vencendo os guardas que tentavam proteger o
féretro, a multidão apossou-se do caixão, e foi assim que o Padre Cícero chegou
à sua última morada – o caixão, suspenso nos braços do povo, parecia flutuar no
céu como uma pluma.
O Padre Cícero
foi sepultado em frente ao altar da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
– que ele chamava de Capelinha do Socorro.
Quando Lampião
soube que o Padrinho havia morrido, ficou paralisado. Virgínio e Luís Pedro
choraram. Lampião mandou comprar faixas de crepe, e durante oito dias todos os
cangaceiros usaram uma tarja preta no braço, em sinal de luto. Como todo
nordestino, ele não podia compreender como era possível que o Padrinho tivesse
morrido, pois o Padre Cícero era considerado imortal, um santo, uma entidade
divina.
E
de fato o Padre Cícero é imortal. E
é um santo. Representa um oásis de
esperança na seca espiritual do mundo sertanejo, somente equiparável ao
Padre-Mestre Ibiapina.
Pessoas ignorantes
e pesquisadores unilaterais ou apressados em suas conclusões, desconhecedores
da História, que interpretam os fatos do passado com a visão do presente,
pintam de negro sua alma cândida e simples.
Tinha
defeitos? Tinha, porque era humano, mas seus defeitos eram
uma revelação de sua ingenuidade e boa-fé, e não de maldade, coisa que o seu
coração desconhecia.
Como disse
muito apropriadamente Frederico Bezerra Maciel,
“Padre Cícero é
o Santo por excelência dos humildes, que nele
depositam sua fé, esperanças, dele recebem o consolo,
a segurança e a força da resignação cristã”.
Padre Cícero no caixão
O Padre Cícero
é o Santo Padroeiro da Nação dos Nordestinos – canonizado pelo povo.
http://sacolinhapedagogica.blogspot.com.br/2014/12/a-morte-do-padre-cicero-por-jose.html
Ilustrado por José Mendes Pereira
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Observem uma coisa Mendes e Dr. Bezerra Lima: Mesmo sendo cangaceiros, havia na vida deles um certo grau de religiosidade, ao ponto de usarem luto por oito dias na morte do Padre Cícero.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha
História bem ilustrada e detalhada. Parabéns!!!!
ResponderExcluirEm nome de José Bezerra Lima irmão eu agradeço os seus parabéns, graNder Valmir Ferreira dos Santos
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