Por Antonio Corrêa Sobrinho
NOTAS E
COMENTÁRIOS
Em terras
pobres, onde a miséria e a falta de instrução campeiam; onde a aridez do solo e
a inclemência do clima se aliam à falta de comunicações e à deficiência de
mercado, para desalentar o homem e descoroçoá-lo no esforço produtor, surge,
num regresso a instintos primitivos, a praga do banditismo. Não é fato que
sociólogos, mesmo improvisados, possam desconhecer, porque dele abundam
exemplos nas páginas da história. Na história alheia e na nossa própria também.
O incentivo do desespero, da necessidade, da fome, conduz indivíduos, em quem os instintos predominam sobre os freios da moral, e em quem a coragem sobrepuja o medo da polícia, a desrespeitar a propriedade alheia e, além da propriedade, a mesma vida dos semelhantes mais fracos, dos vizinhos mais ricos. O bom sucesso da primeira empresa lança a semente do hábito e constitui exemplo e estimula outras iniciativas do mesmo gênero. E assim, ao fim de poucos anos, se a repressão não foi imediata e eficaz, uma zona, uma região, uma província inteira às vezes se transforma em teatro de aventuras de salteadores audazes e bandidos ferozes.
Cumpre ao Estado, na sua função policial que exerce a par da sua função providencial, corrigir essa situação anômala e pôr um paradeiro às depredações dos cidadãos malfeitores.
Para isso dispõe da polícia. Quando o problema é grave, dispõe das forças militares; pode organizar escoltas especiais a quem muito em segredo dá ordens terminantes para capturar os bandidos “vivos ou mortos”.
Antigamente, nos tempos ominosos de El-Rey, Nosso Senhor, nas eras semibárbaras do absolutismo, ainda havia um recurso extremo: punha-se a cabeça do salteador a prêmio. Dizem as crônicas que esse recurso também foi usado contra criminosos políticos.
Mas isto ocorria nas épocas remotas. Parecia que semelhante recurso, necessário ao primitivismo dos feudos medievais, tinha ficado enterrado no passado judiciário com a tortura, a inquisição, a fogueira, o esquartejamento, a roda e outros aparelhos engenhosos da justiça antiga.
Pois não ficou. Ou pelo menos ressuscitou agora.
O cangaço
parece ser um mal endêmico dos sertões nordestinos. É o que afirmam muitos dos
nossos sociólogos.
A revolução herdou do velho regime um problema: Lampião. E todos, os que temos memória, nos recordamos de como foi anunciado, com afirmativas categóricas, que esse problema teria imediata, pronta e radical solução. Esbouçou-se a organização de expedições potentes, bem armadas e resolutas, que exterminariam o mal que envergonha a nossa civilização. Heróis, que vinham da campanha vencedora, aprestavam-se cheios de zelo, para comandar aquelas expedições e ensaiavam-se para repetir a frase clássica de César. Foram celebradas convenções entre Estados limítrofes para uma ação fulminante de conjunto das respectivas milícias.
Três anos são passados. E o problema ainda está no mesmo pé. Lampião continua a dominar a caatinga e a semear o pavor. As soluções propostas ou não foram executadas ou não deram resultado.
Foi preciso procurar outra solução. E essa foi encontrada no aparelhamento empoeirado da justiça medieval. Estão publicamente postas a prêmio as cabeças de Lampião e dos seus sequazes. É o que nos conta um telegrama, publicado nos jornais de hoje e no qual se lê textualmente:
“O ‘Eco’, que se publica em Juazeiro, transcreve a lista dos prêmios que a polícia oferece pela cabeça dos bandidos, que é a seguinte: Lampião, 50 contos; Corisco, 10. E os demais de 1 a 5 contos por cabeça.”
Leram bem? É a lista dos prêmios que “a polícia oferece”.
Ora isto, senhores, sucede no ano da graça de 1933, na terra de Ruy Barbosa.
____
Mais tarde,
quando se enumerarem as inovações (que não são muitas, aliás) que a revolução
introduziu nos costumes do Brasil, há de se citar esta: deu valor às cabeças
dos salteadores...
“O Estado de S. Paulo” - 31/10/1933
“O Estado de S. Paulo” - 31/10/1933
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa
Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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