Por José Romero Araújo Cardoso
Entende-se por conurbação como a contínua, progressiva ou lenta conexão urbana
interligando cidades, sendo mais constante em importantes pólos que concentram
de forma efetiva o grande capital. Encontramos exemplos disso, respectivamente
correspondentes aos mundos desenvolvido e subdesenvolvido, nas megalópoles que
foram sendo estruturadas entre Boston e Washington (EUA) e Rio de Janeiro e São
Paulo (Brasil).
Fenômeno interessante vem sendo registrado no sul do Ceará, região fertilíssima
que perfaz verdadeiro oásis, no qual se intercalam espécies vegetais
características de quatro biomas (Mata Atlântica – Caatinga – Floresta
equatorial Amazônica – Cerrado), na qual o Juazeiro do Norte se destaca como o
mais importante centro, constituindo-se na segunda cidade do Estado do Ceará em
população e importância econômica, status não muito tempo desfrutado por
Sobral.
Surgida entre Crato e Barbalha, a atualmente importante cidade cearense de
Juazeiro do Norte fôra outrora, no século XIX, pousio de tropeiros que iam e vinham
pelas trilhas tortuosas das quebradas do sertão central, palmilhando a extensa
zona que tinha Aracati como destino dos velhos almocreves que marcaram toda uma
fase econômica no sertão nordestino. O Joazeiro, onde descansavam os
importantes agentes econômicos sertanejos, os quais eram os responsáveis da
condução do transporte de cargas, em um passado não tão remoto, foi abrigando
ao seu derredor pessoas de várias procedências, já existindo, no ano de 1872,
modesta capela dedicada a Nossa Senhora das Dores.
Integrante do espólio do Padre Pedro Ribeiro, o pequeno lugarejo do Joazeiro
era composto de setenta e duas casas humílimas quando da chegada daquele que se
tornaria o principal personagem da história do lugar. Acompanhado da mãe e das
irmãs, vindos do Crato, Padre Cícero Romão Batista encontrou na localidade
farta matéria-prima a fim de trabalhar vocação sacerdotal, tornando-se
respeitado em razão da forma como efetivou reversão da penosa realidade moral
do Joazeiro, verificada quando de sua fixação, a qual se revelaria definitiva e
profundamente marcante para a expressão espaço-temporal do mais importante
município que integra a conurbação Cra-Ju-Bar.
Protagonizando “milagre” quando ministrou comunhão a uma beata de nome Maria de
Araújo, em missa celebrada na capela de Nossa Senhora das Dores, no início do
mês de março de 1888, Padre Cícero, sem perceber de imediato, dava início a
complexo processo de crescimento e conquista de importância político-econômica
contínua, avassaladora e impressionante do mísero lugarejo, cuja população
ainda era formada em boa parte por gente extremamente sofrida, excluída
inflexivelmente da estrutura abastada e exclusiva formada a partir das práticas
fomentadas a partir do final do século XVII pela “nata” da sociedade sertaneja
agro-pastoril, responsável pelo implemento colonizador das perigosas porções
interioranas, principalmente as do semi-árido nordestino.
Mitos antes mesmo da morte do velho vigário, no ano de 1934, o ícone Padre
Cícero e o culto à sua figura assumiram proporções inacreditáveis, crescendo de
forma impressionante nas décadas seguintes. Representam, em nossa época, uns
dos mais importantes elementos culturais que singularizam o nordeste
brasileiro.
Romarias contínuas, ano após ano, foram implementando fixação populacional em
Juazeiro do Norte, a qual foi sendo direcionada em rumo dos vizinhos municípios
do Crato e de Barbalha. Com significativo percentual de alagoanos e
descendentes, tendo em vista que, de forma interessante, ecos do “milagre da
hóstia” ressoaram impressionantemente em Alagoas, as manifestações da
religiosidade popular nordestina refletem-se sobre os territórios dos três
municípios caririenses, através da crescente massa de romeiros que decide ficar
morando na terra em que o Padim Ciço deixou as marcas de seus calçados.
Molas propulsoras da dinâmica economia Juazeirense, os romeiros transgridem
enraizadas tradições e disputas que marcaram as relações históricas entre os
centros urbanos que integram a conurbação caririense conhecida por Cra-Ju-Bar.
Lócus de disputas políticas acirradas, as quais marcaram indelevelmente as
primeiras décadas do século XX, Juazeiro do Norte e Crato, principais cidades
que integram o intrigante e interessante fenômeno urbano que singulariza a
geografia urbana do sul do estado do Ceará, interconectam-se como fossem
metáfora, referente às formas assumidas pelas exigências do capital, pois se
faz necessária explicação sobre impossível processo em tempos pretéritos, a
qual é compreendida através da divisão radical entre os dois núcleos,
registrada pela história quando da mais impressionante demonstração de força
efetivada pela articulação inusitada do messianismo com o coronelismo, cujo
ponto culminante foi a guerra de 1914.
Rabelistas e Aciolistas, sendo que os primeiros, quando da guerra de 1914, se
concentraram no Crato, enquanto os segundos ocupavam as trincheiras defensivas
no Juazeiro do Padim Ciço, digladiaram-se em feroz luta armada que culminou na
ocupação de Fortaleza pelos romeiros do Padre Cícero, comandados pelo caudilho
Floro Bartolomeu da Costa, os quais retiraram à força, do comando no governo do
estado do Ceará, Marcos Franco Rabelo, militar que representou a experiência
salvacionista na terra de Iracema, cuja prática política foi enfatizada na
gestão Hermes da Fonseca enquanto medida severa contra o eterno predomínio de
tradicionais oligarquias que enfeudaram todas as regiões brasileiras durante
maior parte da denominada república velha.
Em Barbalha, terra da matriarca Bárbara de Alencar, a ênfase à conurbação
caririense segue sem se chocar de forma significativa com a história e a
memória locais. Espaço e tempo, em ambos núcleos urbanos, estando Barbalha
localizada a cerca de 15 km do segundo município do estado do Ceará, enquanto o
Crato dista 16 km da terra do Padim Ciço, frisam às categorias harmonia efetiva
da primeira cidade, acima mencionada, com o Juazeiro do Norte, em razão que não
houve confrontos sérios como os que marcaram profundamente as relações
sócio-culturais entre a terra que o Padre Cícero elegeu para efetivar-se e a
que ele nasceu, velho burgo caririense comandado, por longo período, pelo
“Coronel” Antônio Luís Alves Pequeno, padrinho e protetor do vigário
Joazeirense.
A conurbação compreendida pelo eixo urbano formado pelos municípios cearenses
do Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, se constitui em um dos mais curiosos
fenômenos apresentados na paisagem e no espaço da geografia urbana estruturada
pela ação do homem em território brasileiro, pois tal efetivação exige que
explicações complexas articulem holística expressão de interdisciplinaridade
enquanto fundamento às análises científicas concisas acerca da dimensão
assumida pela importante estrutura geográfica que continuamente se efetiva, ano
após ano, alicerçada indubitavelmente nas práticas culturais que permeiam a
preservação e permanência das tradições populares nordestinas quanto ao culto
devotado ao Padre Cícero, célebre figura de sua época, a qual tornou-se
expressão tentacular e multifacetada da complexidade e dos desdobramentos do
movimento que liderou e o tornou figura de proa da única manifestação
messiânica brasileira que conquistou sucesso e respeito entre os donos do
poder, os quais, experts na arte de ludibriar, há tempos imemoriais manipulam
complexas estruturas que garantem a reprodução da hegemonia e da dominação.
Espaços nos quais se localizam no presente importantes atividades econômicas,
responsáveis pelo fomento à lógica do capital, o eixo Crato-Juazeiro-Barbalha
se caracteriza pela variedade das estruturas antrópicas apresentadas em suas
paisagens artificiais, sejam no âmbito econômico-financeiro-industrial ou
sócio-cultural, além das manifestações contraditórias do espaço, definidas pela
forma como as relações sociais de produção são fomentadas. O fenômeno urbano que
singulariza o cariri cearense desperta interesse pela forma ímpar como se
concretiza, principalmente entre os geógrafos, em razão de permitir necessária
compreensão da totalidade geo-histórica que embasa o polivalente e valioso
objeto de estudo daqueles que enxergam o nordeste como fonte inesgotável de
implemento a estudos científicos sobre a região que se singulariza pela
proeminência de problemas e urgentes necessidades de se enfatizar proposta para
soluções de dolorosos dramas sociais que persistem, tornando indignas as
condições de vida da maioria, na qual se encontram diversas famílias de
romeiros, entregues à própria sorte em espaços extremamente desconfortáveis,
nos quais a carência impera, personificando, dessa forma, dramática injustiça
social que desafia as lutas por melhores condições de vida para os excluídos da
riqueza produzida na rica região polarizada pela “Meca Nordestina”.
José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial e
em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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