Por Rangel Alves
da Costa*
Ainda
meninote, assim que amanheceu entrei num dos quartos de casa e aí encontrei,
sentada numa cama, uma mocinha cabisbaixa e um tanto envergonhada. Não a
conhecia, nunca a tinha avistado nem como visita nem como amiga da família.
Então resolvi perguntar a Dona Peta, minha mãe, de quem se tratava.
“É uma moça
que Dero roubou e trouxe para esconder aqui, até que seu pai converse com a
família dela e resolva a situação”. Era realmente costume que os rapazes
roubassem as moças quando os pais delas não aceitavam de bom gosto o namoro ou
não aprovavam de jeito nenhum o romance matuto.
Ante o
problema surgido, com pretensões de casório, então o rapaz planejava retirá-la
de casa às escondidas, na calada da noite. Dizia-se, assim, que ia roubar a
escolhida do coração. Para evitar qualquer desconfiança e o plano fosse por
água abaixo, a mocinha juntava somente umas poucas roupas numa bolsinha e
fingia que ia dormir. Em hora acertada, ela saia pé ante pé, cuidadosa como uma
pluma, e se dirigia até a porta dos fundos. Num canto ou no outro lado carca, o
cabra estava aflito esperando.
Assim
aconteceu diversas vezes. Roubava-se a moça e amanhecia à porta de um líder
político ou pessoa de renome, contando a situação e pedindo guarida até que a
fornalha dos embrutecimentos se transformasse em cinzas. Pedia guarida ao
político, principalmente prefeito, por duas razões principais. O pai da mocinha
ia pensar duas vezes em invadir a casa e retirar à força a filha. E também
porque a liderança possuía poder de influência para resolver a situação da
maneira menos conflituosa possível.
Mas não foram
poucas as vezes que a mocinha, por conta própria, resolveu deixar o apaixonado
chupando dedo e voltar para casa. E não havia que se falar em desonra, pois
àquela época só se chegava ao bem-bom depois de juntado os panos ou colocado
aliança no dedo. Assim, virgem a mocinha havia sido roubada e virginal
retornava ao lar familiar, e sempre sabendo que não estava livre de tomar uma
boa surra para deixar de ser desavergonhada.
“Ora quem já
se viu uma moça de famia fugino de casa no meio da noite e com um cabra que num
vale um tostão furado”, dizia o pai, antes de pegar a taca de couro e dar umas
boas relepadas na filha. E ela, na firmeza sertaneja, apenas sentia o corpo ser
lanhado, porém sem dar o gosto de um ai ou uma lágrima sequer. Depois a mãe
acorria para chorar todas as dores que a filha havia se negado a chorar. Sempre
assim com as mães.
Casar
desvirginada era coisa raríssima naqueles tempos. Ao menos para as moças que
viviam sob as rédeas familiares, e que eram muitas. Namorar só se fosse na casa
dos pais, em duas cadeiras de mesa, um tanto separadas, com os dois sentadinhos
comportadamente. Nada de beijo, de abraço, de passar a mão pela perna.
Impossível qualquer proximidade maior, pois a mãe sempre sentada, costurando ou
fazendo renda, bem defronte aos dois. Por isso que quando se noticiava uma
“gravidez de moça virgem” o mundo parecia que ia acabar. Era falatório pra mais
de ano.
Certamente que
havia aquelas mais desavergonhadas que namoravam nos escondidos, por detrás dos
muros, nas beiradas do riachinho, até mesmo por dentro do mato ou nas
proximidades do cemitério. Mas a vigilância dos pais produziu consequências
hoje impossíveis de acontecer. Num tempo de honra, de respeito, o rapaz viajava
em busca de dias melhores no sul do país e deixava sua namorada ou noiva
esperando. Passava um, dois anos, e ela virtuosamente o aguardando como uma
Penélope a seu Aquiles.
Hoje os tempos
são outros, muito diferentes, desavergonhados, pecaminosos e adulterinos.
Muitos não namoram mais, apenas “ficam” ou se se conhecem por dentro, outros se
banqueteiam das promiscuidades e devassidões. Traição de casais nem se fala,
pois mais parecendo modismo. E o que resta mesmo é recordar de um tempo onde a
moça se vestia de luto eterno quando o compromissado se despedia da vida sem
tê-la levado ao altar.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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