Por Luiz Serra
Jornal
PÁGINA 3 de Camboriú, com meu fraterno e agradecimento pela abordagem analítica
do tema Sertão Cangaço e a nossa referência com elementos Históricos.
O SERTÃO EM
CHAMAS
Enéas Athanazio
Enéas Athanazio
O cangaço foi
um fenômeno brasileiro sem similar na história ou no mundo. Salteadores de
estrada e assaltantes de vilas existiram em toda parte, e ainda existem hoje,
mas jamais com as características do cangaço. Esse tipo de banditismo tinha
regras e organização próprias, com hierarquia, divisão em subgrupos submetidos
ao comando de pessoas de estrita confiança do chefe e com suas áreas de atuação
delimitadas. Em situações de emergência ou em ataques mais importantes, todos
se reuniam sob um comando único, do chefe maior. Também dominavam táticas e
estratégias para escapar das perseguições das chamadas volantes policiais que
os perseguiam, além de conhecer com perfeição as regiões onde atuavam,
inclusive aperfeiçoando métodos de sobrevivência em lugares semidesertos e
hostis à vida humana, onde era difícil penetrar e viver. Mantinham com muito
cuidado uma rede de protetores e informantes que forneciam armas, munições,
víveres e roupas, bem como permitiam que se refugiassem no recôndito de suas
grandes propriedades rurais. Chamavam-se coiteiros, muitos deles registrados
pela crônica cangaceira. Esses coiteiros viviam em permanente perigo; quando
descobertos pelas volantes sofriam severas punições e, quando suspeitos de
traição, eram eliminados sem perdão. Até nas vestimentas o cangaço mantinha
fisionomia própria: portavam chapéus com as abas dobradas na testa, adornados
com moedas, medalhas e enfeites, usavam meias ou perneiras protetoras e
calçavam alpercatas de couro. Além da cartucheira bem munida, transportavam
junto ao corpo os embornais em que levavam os objetos de valor, dinheiro e
papéis. As alças se cruzavam no peito, como uma canga, daí advindo o nome
cangaceiro. Gostavam de perfumes e os usavam com profusão. Como viviam na
caatinga seca e poeirenta, não podiam se banhar com frequência, compensando a
inhaca com o uso de loções aromáticas. Isso produzia um cheiro especial,
conhecido pelos integrantes das volantes como cheiro de cangaceiro.
O cangaço teve
início no Século XIX e se estendeu até 1938, considerado o ano de sua extinção.
Muitos chefes de bandos cangaceiros se notabilizaram ao longo do tempo, desde o
Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Sinhô Pereira, Antônio Silvino e, mais ainda,
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Quase todos foram homens frios e
cruéis. Aterrorizavam as pessoas dos povoados, vilas, fazendas e até mesmo
cidades onde apareciam, praticando as maiores atrocidades. Saqueavam o
comércio, incendiavam as casas e plantações, sequestravam pessoas em troca de
resgate, estupravam, torturavam e matavam quem se atrevesse a enfrentá-los. Não
perdoavam os policiais, a quem chamavam de macacos, e maltratavam as
autoridades que lhes caíssem nas garras. Houve o caso de um juiz de direito que
foi montado e esporeado como cavalo na presença de populares horrorizados. O
cangaceiro Zé Baiano portava um ferro de marcar animais com suas iniciais,
usando-o para ferrar o rosto de mulheres. Para compensar tudo isso, às vezes
distribuíam moedas aos mais pobres, conquistando a simpatia do povo humilde que
via neles uma espécie de Robin Hood caboclo, que tirava dos ricos para dar aos
pobres. Alguns cangaceiros desfrutavam de grande prestígio e simpatia.
Apesar do
tempo decorrido, o cangaço continua instigando os pesquisadores e a
bibliografia a respeito não cessa de crescer. Entre os mais recentes
lançamentos está o extraordinário livro “O sertão anárquico de Lampião”, de
autoria de Luiz Serra (Outubro Edições – Belo Horizonte – 2016). Escrito em
linguagem elegante e contendo interessantes fotos, o autor faz uma abordagem
histórica e sociológica do fenômeno, mostrando como o meio anárquico e a
ausência do poder estatal permitiram o surgimento e a sobrevivência do cangaço
por tanto tempo, mesmo perseguido sem cansaço pelas forças policiais de todos
os Estados nordestinos. Segundo revela, desde longa data, o sertão fervilhava
de combatentes engajados em variados movimentos sediciosos. Entre eles, recorda
a Guerra de Canudos, a chamada sedição de Juazeiro, em que o Padre Cícero Romão
Batista chegou a derrubar o governador do Estado, a Coluna Prestes, que
ameaçava o poder dos “coronéis”, a chamada República de Princesa, em que o
“coronel” José Pereira Lima declarou a independência de seu município,
desafiando o poder estadual e, por fim, o assassinato de João Pessoa, em
Recife, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, fato que teria
sido o estopim para a deflagração da Revolução de 1930. Todos esses
acontecimentos, contemporâneos ou em sequência, contribuíram para a formação do
cadinho revolucionário que permitiu a criação de bandos cangaceiros que agiram
por longos anos. Só a carreira de Lampião durou vinte anos.
Todos esses
aspectos são estudados em minúcia, com base em extensa pesquisa, inclusive in
loco, entrevistando testemunhas e conhecedores do assunto, de maneira a
transmitir ao leitor um painel rico e completo sobre o curioso fenômeno. O
livro de Luiz Serra se integra a partir de agora entre as obras indispensáveis
ao perfeito conhecimento do tema.
Escrito por
Enéas Athanázio, 30/01/2017 às 11h29 | e.atha@terra.com.br
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