Por Jerdivan Nóbrega de Araújo
O rio Piancó é o Tejo que passa na mina aldeia, mesmo o Tejo não passando na minha aldeia.
Eu não conheço um filho de Pombal que não tenha deixado em alguma curva do velho Piancó, enterrado para sempre, o seu cansado coração.
Sempre que eu encontro filhos ou agregados da terrinha em outras brenhas desse imenso Brasil, a primeira pergunta que escuto é: ainda existe aquele rio em Pombal?
Essa pergunta nos remonta à muitas histórias vividas naquelas águas correntes e frias, onde muitos corações afloram a cada curva, e a cada cheia.
Hoje, visitando páginas da net encontrei o texto abaixo transcrito, e de autoria de Luiz Berto, mas, que muito bem poderia ter sido escrito por um filho de Pombal que, como eu, deixou o seu coração enterrado nas curvas do velho Rio Piancó. Ei-lo;
"...é incrível esse coração terno e arrebatado que pede para ser enterrado na curva do rio. Eis aqui o outro mistério da frase, pois nada de mais poético e encantador que uma curva. E, ainda por cima, uma curva de rio. Doce e apaixonado coração que exige não menos que a sinuosidade de uma corrente, possivelmente silenciosa, de onde fitará para sempre, em seu repouso, uma beleza que só mesmo um coração sensível e terno pode divisar.”
Acredito que só os nascidos ou criados às margens de um rio de interior são capazes de perceber as sutilezas que se escondem atrás do correr das águas num leito que a natureza levou milhões de anos para moldar. E, pensando nisso, me dei conta de que meu próprio coração está firmemente enraizado, não apenas em uma curva, mas em toda a extensão do rio que banha nossa cidade.
Fui enterrando-o aos poucos, desde que nasci, nos remansos barrentos de suas margens, até que chegou o dia em que me dei conta de que, por mais longe que fosse um pedaço de mim estaria para sempre fincado nesse misterioso chão que me serviu de berço.
O meu coração, como o coração de todos que se encantam com a magia dessa terra que recebeu um rio de presente, e de um rio que deu vida a essa cidade.
Ao contrário do índio norte-americano, poupo aos pósteros o trabalho de enterrar meu coração numa curva que dê boa vista para a paisagem e tranquilidade para um bom repouso...
O que eu lamento é ter que sempre responder aos filhos de Pombal que o nosso rio Piancó não mais existe. Nós, não sem muito esforço, conseguimos matá-lo e entregar os seus restos mortais as novas gerações que, até tentaram ressuscitá-lo sem muito êxito.
Resgato da minha memória os acordes perdidos do bandolim de Bideca e violão de João Espalha, fazendo dueto com as correntezas do Piancó, bem ali na “Panela”.
Volta e meia a minha mente já esquecida traz aos meus ouvidos o grito dos vendedores de água e suas tropas de jumentos. Zé Capitula e Godô, Pedro Jágues ou Daniel, que cruzavam as ruas levando a água limpa e azulada para abastecer os potes das residências para matar a sede do nosso povo.
Vejo os fantasmas dos matutos do Rosário sentados às margens do rio, lavando seus pés calejados e os moleques jogando bola nos bancos de areia, disputando espaço com as lavadeiras de roupas, e os bêbados tomando cachaça ás sombras das ingazeiras.
É por estas e outras lembranças perdidas e achadas que eu já enterrei nas curvas do rio Piancó, bem a assombra de uma oiticiqueira, onde eu possa ver o meu pai passar para a “Outra Banda” o meu sofrido coração.
Bideca e Chico de Dôra em momento antológico às margens do rio Piancó
José Ribeiro no rio Piancó
José Ribeiro no rio Piancó
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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