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quarta-feira, 10 de maio de 2017

ZÉ LINS SABIA O QUE DIZIA... SOBRE LAMPIÃO

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

Um simpático amigo e patrício, oficial do Exército, me escreve uma carta para me censurar pelas minhas afirmações em conferência proferida na Faculdade de Direito, a propósito de cangaceirismo. Adianta o meu patrício que é forçar os fatos atribuir gênio militar a um bandido que sempre agiu como bandido.


Se tivesse ouvido a minha conferência não teria escrito a carta o tenente-coronel Mindelo, porque eu pus o problema na sua mais cria e real condição. Não fiz romantismo com Lampião; apenas procurei localizá-lo no tempo e no espaço, para poder expor com fatos a sua terrível e nefasta presença. Afirmei o que ouvi de vários oficiais da Força Pública da Paraíba e Pernambuco: em Lampião havia uma fabulosa capacidade de conduzir-se em combate, uma tremenda improvisação na tática que criava para os combates e retiradas. E mais ainda o sistema de informações que ele inventou, através de seus “coiteiros”, as tais “serpentes de asas”, como os viam os cantadores sertanejos. Negar a sagacidade, a astúcia, a coragem, em Lampião, não seria possível. Tomando-o como chefe, teremos que chegar à evidência de que não foi um homem comum. A sua ferocidade diabólica, a implantar o terror, a sua capacidade de resistência às caçadas de seus perseguidores não poderão ser consideradas somente como um caso simples de criminoso vulgar. Havia no nordestino de coração de pedra uma natureza de chefe à prova de fogo. Conduzido ao crime, deu-se no crime com peixe dentro d’água. Cometeu as maiores atrocidades já registradas no Nordeste. Foi sempre cruel e nunca se bateu pelos pequenos. Nunca houve homem menos romântico; foi sempre um realista sádico, agindo com uma cabeça de diabo. Isto de toma-lo como um vingador de inocentes não tem procedência. Foi exclusivamente um bandido com gênio militar, com a engenharia dos combates traçados no cérebro. Sobre ele muito me falou o coronel Ramalho, da Força Pública da Paraíba, ferido em mais de um combate com o seu grupo: “E ele sabia brigar como ninguém”.

Aí é que está o mal-entendido do amigo coronel Mindelo, em olhar o homem exclusivamente pela sua miséria moral. Houve misérias morais em atos de Napoleão e de Alexandre. Para os alemães e para os persas da época estes dois gênios militares não passariam de monstros. E ainda hoje todos nós falamos de Átila como se fosse ele um Lampião em ponto grande. Os grandes cabos de guerra são gênios que chegaram à grandeza pela arte militar. Se tivesse ficado na Córsega, talvez que Napoleão não passasse de um terrível guerrilheiro perdido nos rochedos. A escola de guerra deu ao seu gênio a universalidade. O que havia em Lampião era o crime. Nunca esteve ele em posição de exprimir qualquer reivindicação do povo. O que havia de errado na sociedade, ele ainda mais agravou pela sua violência inclemente. Mas negar-lhe o poder da inteligência para armar as suas ciladas e derrotar os seus inimigos, seria simplificar por demais as coisas.

Jornal O GLOBO – 25/11/1953 (Matutina, Geral, página 03)

O curioso é que este artigo de José Lins do Rego foi publicado exatamente 24 anos depois da triunfal entrada de Lampião à cidade de Capela, momento em que o cangaceiro-mor portou-se de forma pacífica e educada, permitindo-se, até, ser testado por moradores.

Fonte: facebook
Página: Antonio Corrêa Sobrinho
Grupo: Lampião, Cangaço e Nordeste
Link: https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/permalink/642609522614662/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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