*Rangel Alves da Costa
Cão sem dono. Gato de rua. Andorinha de qualquer verão. Pássaro de qualquer telhado. Bicho perdido. Um estranho no ninho, pássaro sozinho. É bom ser e viver assim de vez quando.
É que no meio do mundo o mundo se abre amais, é avistado melhor, não há direção nem norte, não há comprometimento nem de chegar nem de partir. Meio de mundo que é vida e liberdade.
Barco sozinho ao mar. Farol aceso a qualquer embarcação. Folha seca que vai voando e voando até chegar a qualquer lugar. Sopro de vento, apenas, apenas soprando. É bom ser e estar assim de vez em quando.
Somente no meio do mundo, assim como vagante, assim como andarilho, assim como errante, é que se tem aos pés o verdadeiro mundo. Não há o disfarce da casa nem a fila que espera à frente. Por isso que é bom estar assim de vez em quando.
Gota de chuva que cai sobre as águas e logo se dilui em nova vida. Fio de seda que o vento leva do casulo para o distante além. Fumaça perdida, subida, sumida. Horizontes que vão adiante do olhar. Que bom ser assim de vez em quando.
De vez quando no meio do mundo. Depois da porta apenas a estrada, o caminho, a curva adiante, o mundo como destino. Somente se aprende o mundo vivendo o que seja mundo, e não entre quatro paredes.
Areia solta ante a ventania. Estrela cadente caindo e caindo. Fera desgarrada da mata. Pássaro depois que a porta da gaiola é aberta. Janela aberta no vai e vem de qualquer querer. Um eco que se perde no espaço. Assim é melhor viver.
No meio do mundo o mundo é maior. Nada é limitado, nada é indicado, nada é imposto, nada é direcionado. Apenas o mundo, e pronto. Mesmo descalço, mesmo descamisado, o que se busca é o meio do mundo.
Um olhar que se perde além. Uma saudade sem rosto e sem nome. Uma vontade inusitada de fazer qualquer coisa. O pensamento que viaja sem direção. Uma estrada que vai e se longa, e vai e se perde na curva. Como é bom viver numa estrada assim.
A liberdade é o que sempre se busca. O homem não nasceu para viver nem entre muros nem entre paredes. As estradas e os caminhos existem são para serem percorridos. E somente conhecendo adiante é que se conhece mais. Daí ser tão boa essa libertação.
Gota d’água que vai caindo, jorrando e jorrando, seguindo e seguindo. Planta que nasce e vai crescendo até se perder entre as nuvens. As nuvens que sempre passam e sempre parecem as mesmas nuvens. Como é bom viver sensações assim.
Sensação de liberdade, de paz, de soltura, de livre-arbítrio, de alvedrio. Feito pássaro de asas ávidas para alçar voo, a todo instante o homem sonha com a sua viagem de Ícaro, com os seus espaços, com os seus mundos mais além. E só assim ganha forças para seguir.
O desejo incontido de fazer. A necessidade imperiosa de realizar. A vontade imensa de concretizar. Essa intencionalidade tão humana de ser apenas o que. Essa propensão humana de ser além e de estar além. Eis o ânimo da vida humana.
Para que documentos, para que números e números, retratos e fotografias, nomes e sobrenomes, se o homem é apenas ele mesmo? Então deixai o homem ser o que é no seu mundo, na liberdade que deseja seguir na estrada. Assim é que se expressa sua libertação.
A borboleta. O colibri. A abelha. O beija-flor. A folha. O pó. A poeira. Tudo segue seu instante a qualquer instante. E por que não o homem? O que ao homem foi impedido de ser pássaro, de ser brisa, de ser folha, de ser nuvem, de ser o que desejar?
Então que siga. O meio do mundo não é somente para as duras lições da vida. Não é só para amargar sofrimentos. O meio do mundo é caderno aberto, é folha esperando para que seja escrita a liberdade.
Escritor
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