*Rangel Alves da Costa
Dói até imaginar uma vida assim: sozinha e na solidão. Mas que se diga, ante de seguir adiante, que ser sozinha não significa solidão, e que a solidão não pressupõe que a pessoa esteja sozinha. A pessoa pode viver sozinha sem conviver com a solidão. Por outro lado, a solidão pode estar presente mesmo que a pessoa esteja rodeada de multidão.
Dói até imaginar uma vida assim: sozinha e na solidão. Mas que se diga, ante de seguir adiante, que ser sozinha não significa solidão, e que a solidão não pressupõe que a pessoa esteja sozinha. A pessoa pode viver sozinha sem conviver com a solidão. Por outro lado, a solidão pode estar presente mesmo que a pessoa esteja rodeada de multidão. Contudo, aqui me refiro a pessoa que não apenas vive sozinha como convive com a solidão. Sabe é que anoitecer e amanhecer sozinha, sem ninguém para uma palavra, sem qualquer vizinhança, sem um bom dia ou boa tarde? Sabe o que ouvir somente a própria voz se quiser sentir a presença de alguém? Sabe o que o dividir a cama com ninguém, dividir a mesa com ninguém, fazer uma comida para ninguém mais saborear, se enfeitar e colocar flor nos cabelos para ninguém apreciar? Dia e noite assim. Vida vivida sozinha. Sonho sonhado sozinho. E o que vem à mente, o que move o pensamento, a esperança, a expectativa, o desejo, a vontade que sempre surge de fazer algo? Talvez, contudo, seja ter a sensação que nada passa, nada muda, nada se move na vida. Hoje igual amanhã, o ontem com a mesma feição do presente. E tanto faz ao abrir a porta. Apenas o vento, a ventania, a folha seca, os distantes horizontes. Pode ficar nua, andar nua, correr sem roupa, deitar desnuda no meio do tempo. Quem chegaria para dizer que é bela, que merece ser amada, beijada, tida como mulher? Morte e vida num mesmo sentido. A morte em vida, a vida como jazigo aberto. Gritar, quem vai ouvir? Chamar, pedir, implorar, quem vai ouvir? Parece ouvir vozes que chegam. Mas as vozes nunca chegam. O vento canta, a ventania faz festa. Mas suas vozes se dispersam no instante seguinte. Se ao menos ali tivesse um mar, se ao menos por ali passasse um rio, mas nada disso passa ou existe. Se ao menos algum forasteiro, errante ou caminhante por ali passasse, talvez um toque na porta despertasse outra vida. Mas ninguém vem e ninguém vai, ninguém passa por ali. A lua é grande demais para ser avistada sozinha. O sol é grande demais para ser sentido sozinho. O logo adiante é muito longe, distante demais, as montanhas ao longe parecem visões de outro mundo. Chorar, pra que? Sofrer, pra que? Morrer, pra que? Aliás, morrer assim tão sozinha é um morrer de nada. Nenhuma lágrima, nenhum sofrimento, nem uma reza ou sentinela, nenhuma vela acesa. Apenas um corpo morto, sozinho, solitário, entregue ao tempo. Pó que somente um algum dia será novamente semeado sobre a terra. Havia um cachorro, também havia um gato. Havia um umbuzeiro e um mamoeiro, como também havia uma galinha que ciscava sem parar. Toda noite um vaga-lume aparecia para acender seu candeeiro. As estrelas pareciam se aproximar para fazer festa ao redor. Mas nada mais existe. Talvez a solidão fosse tamanha que sequer o bicho não suportou e sumiu. Restou um grilo. Contudo, como ela nunca reclamou daquele cricricri agonizante, também o grilo silenciou de morte e morreu. Ela queria um caderno e um lápis para escrever suas memórias de solidão. Contudo, a última folha de papel existente foi levada exatamente pelo vento. Um poema molhado em lágrimas e secando ao varal, então a ventania chegou, leu, achou bonito demais e então resolver levar debaixo de suas asas. Do radinho de pilha nem os escombros. Não há concha deitada na areia para a ela revelar e ouvir segredos. Fantasmas não chegam à porta para tocar na madeira. O umbral da janela já não conhece uma borboleta, um pássaro em voo de repouso, uma andorinha desapressada. Os ninhos petrificaram por entre as galhagens nuas que se estendem nos matos do arredor. Por isso que nenhum madrigal passarinheiro, nenhum canto de chegada ou partida. Mesmo assim ela nunca saiu dali, daquele vazio e de certeza de sozinha amargar a solidão. Bebe desse veneno em silêncio, parece se alimentar apenas desse fel dilacerante que lhe desce nas entranhas e lhe recobre em véu. Um dia falou sozinha. Até que ouviu o que disse. Mas depois falou novamente e já não ouviu. Pensou estar enlouquecendo. Tentou costurar seu passado pela agulha do presente, mas entristeceu ainda mais com os poucos retalhos a costurar. Mas hoje decidiu fechar a porta e ir embora, viver outra vida noutro lugar. Porém temeu saber apenas seguir e não ter aonde chegar. Também já não sabia mais se era pessoa, se era mulher, se ainda possuía algum brilho no olhar. Então fechou a porta e chorou. E a porta continua fechada. E é apenas isso o que se sabe dela.
Escritor
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