Há 85 anos,
Adhemar Albuquerque filmava o primeiro curtametragem do cinema cearense. O
filme Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará, que estreou em outubro de
1924, no Cinema Moderno, foi escolhido pela Associação Cearense de Cinema e
Vídeo como marco do início da produção cinematográfica do Estado. – Firmino
Holanda (2009).
Adhemar
Albuquerque
Podemos
afirmar que a produção cinematográfica do Ceará iniciou-se em 1924, com um
curta-metragem dirigido por Adhemar Bezerra Albuquerque. Mas lembremos que
antes dessa realização ocorreram poucas outras, como nos dão conta os esparsos
registros da imprensa de Fortaleza. Tais películas foram rodadas por anônimos
cinegrafistas da década anterior. Poderiam ser trabalhos de diretores
visitantes, vindos de cidades mais desenvolvidas nessa prática. Talvez fossem
eles “cavadores”, tão comuns naqueles tempos pioneiros, notadamente no sudeste
do Brasil – ou seja, seriam profissionais que se aventuravam “cavando” algum
financiamento junto às elites, de centros urbanos ou do interior, para manterem
suas atividades.
O pesquisador
Ary Bezerra Leite registra dois daqueles filmes cearenses predecessores da
citada investida cinematográfica de Adhemar Albuquerque. “No dia 1° de abril de
1910, o Cinema Rio Branco exibia o documentário A Procissão dos Passos, com
destaque na publicidade para o fato de ser este o 1° filme rodado no Ceará.
Além dessa informação, não temos nenhum outro esclarecimento. Desconhecemos
quem o teria feito, se algum conterrâneo ou algum cineasta visitante que aqui
tenha aportado. Um segundo filme produzido em nossa terra, igualmente sem
créditos de seus realizadores, foi “Ceará Jornal”, exibido no Riche, no dia 26
de fevereiro de 1919”.
Um outro
título, entre as mais antigas referências a filmes potencialmente cearenses, é
o media-metragem “O Ceará no Centenário da Independência“ (1922). Poderia ser
esta uma produção local, mas nada nos dá tanta certeza. Talvez o nosso mais
remoto filme, que fisicamente resistiu ao tempo, seja aquele conhecido pelo
título Fortaleza de 1920. Também de autor anônimo, foi resgatado por Paulo
Salles, que o incluiu num documentário seu sobre a capital cearense da década
de 1970. Naquela velha fita se faz um passeio pela paisagem urbana, por seus
pontos mais progressistas e turísticos (Passeio Público, Praça do Ferreira,
comércio central etc). Trata-se de um retrato de nossa belle époque. Temos uma
sucessão de travellings suaves, provavelmente colhidos por câmera posicionada
dentro de um bonde. Curiosamente, nesse filme, sobre uma cidade litorânea, o
mar se faz ausente. Quanto ao ano assinalado no título, é mais prudente nele
reconhecer uma alusão geral à década e não precisamente àquele ano de 1920.
Mas, voltando
ao tema inicial, para esse ano de 2009, a Associação Cearense de Cinema e Vídeo
(ACCV) instituiu uma data comemorativa alusiva ao surgimento do cinema em nosso
Estado. Ficou assim estabelecido que a exibição daquele filme realizado por
Adhemar Albuquerque seria esse marco. O título desse curta-metragem, que não se
preservou, era “Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará”. Estreando no dia
15 de outubro de 1924, no Cinema Moderno, sala no centro de Fortaleza,
tratava-se de um documentário sobre as partidas entre os times Ceará, América,
Guarany e Maranhenses, ocorridas na cidade.
Adhemar
Albuquerque (1892-1975), que em 1934 registraria sua empresa Aba Film (de
cinema e fotografia), é reconhecido como pioneiro das realizações
cinematográficas no Ceará. Aqueles remotos e imprecisos registros jornalísticos
das primeiras imagens filmadas no Estado não revelam a existência de produtoras
do ramo instaladas em seu território. Daí, a celebração dos 85 anos de produção
cinematográfica cearense não ocorre unicamente em função do registro de um
primeiro filme aqui realizado. Está valendo também o propósito empresarial e a
continuidade de sua investida nesse setor. Adhemar Albuquerque, um funcionário
da agência do Bank of London, em Fortaleza, desde 1924 fazia filmes. Eram
curtos registros documentais, rodados conforme as solicitações do pequeno
mercado local. Seu maior cliente, a partir dos anos 1930, seria a Inspetoria
Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), instituição para a qual sua empresa
documentava suas atividades de açudagem, irrigação etc.
Um dos filhos
de Adhemar, o futuramente renomado fotógrafo retratista e publicitário Chico
Albuquerque, tornou-se seu operador de câmera mais constante. Antônio, outro
filho de Adhemar, também era fotógrafo e se recorda dessa pioneira empresa do
pai, que pelo visto tinha um caráter bem familiar. “A primeira câmera que ele
comprou foi uma Debrie, fabricada na França. Depois ele comprou uma Bell &
Howell. Eu era garoto naquele tempo e ajudava ele a processar os filmes.
Copiava e fazia editagem dos filmes, também em casa. Os filmes eram mudos. Depois
fez alguns filmes que foram sonorizados com descrição, narração”.
A Aba Film
captava momentos da vida de Fortaleza ainda muito provinciana (as visitas do
ator Raul Roulien ou dos Presidentes da República Getúlio Vargas e Washington
Luís; os bailes e desfiles cívicos) e também aspectos de cidades do interior do
Estado. No último caso, destacam-se imagens de Juazeiro do Norte e de Padre
Cícero Romão. Mas, na história de empresa, que em cinema atuou até o início dos
anos 1940, o grande momento, com polêmica repercussão nacional, foi o da
produção das únicas imagens de Lampião junto a seu bando de cangaceiros.
Em 1925,
Adhemar Albuquerque lançou o curta “O Juazeiro do Padre Cícero e Aspectos do
Ceará”. Nessa década, Padre Cícero e sua cidade foram vistos em alguns pequenos
documentários. É provável que um desses filmes tenha sido o da Comissão Rondon,
infelizmente perdido, intitulado “Inspeção no Nordeste” (ou “Inspeção das Obras
Contra as Secas”), de 1922. Em 1925, foi lançado “O Nordeste Brasileiro”,
produzido pela IFOCS, onde Padre Cícero é visto em cena. Como a Aba Film fez
registros para tal órgão federal, não seria improvável ser esta uma realização
sua.
Nas cenas
preservadas e mais famosas do taumaturgo de Juazeiro do Norte, ele é visto
inaugurando sua própria estátua numa praça daquele município. O fato se deu a
11 de janeiro de 1925. Seu parceiro político, o deputado federal Floro
Bartolomeu, arquitetou a homenagem. No momento, crescia em Juazeiro a oposição
dos “filhos da terra” contra os adventícios que cercavam o padre (e prefeito)
daquela cidade. Vindo da Bahia, o médico Floro, eleito deputado sob as asas
desse líder religioso, seria um desses forasteiros indesejados por certos
grupos locais. Portanto, exaltar a figura de Padre Cícero, com discursos, desfile
de cadetes da Escola de Aprendizes de Marinheiros de Fortaleza, banda de música
etc., fazia parte da estratégia daquele deputado. E isso merecia ser visto em
película, na tela grande.
Em setembro de
1925, quando se acirrava a oposição municipal, os correligionários do Partido
Conservador, ao qual pertenciam Floro e o Padre Cícero, armaram a visita do
Presidente Estadual, dr. Moreira da Rocha, a Juazeiro do Norte. Foi a apoteose,
contando com todo o secretariado do governo, deputados aliados etc. Entre jornalistas
e fotógrafos, distinguia-se também um cinegrafista. Seu trabalho resultou num
documentário produzido pela Aba Film, mais tarde exibido sob o título O Juazeiro
do Padre Cícero e Aspectos do Ceará. Suas cenas posteriormente foram reunidas a
outras, em nova montagem, onde se via a citada inauguração da estátua,
compondo-se um documentário sonorizado feito após a morte do chefe
religioso,ocorrida em 1934. No filme exalta-se o progresso da cidade. Essa
compilação, Padre Cícero, o Patriarca de Juazeiro, foi assinada por Alexandre
Wulfes, cineasta de outro estado, que adquirira material fílmico produzido pela
empresa de Adhemar Albuquerque.
Outros títulos
produzidos por Adhemar em 1926 demonstram uma temática variada: “A Festa no
Iracema”, sobre um baile em elegante clube de Fortaleza; “A Parada Militar de 7
de Setembro”; “A Indústria do Sal no Ceará”; e “A Visita do Dr.Washington Luís
ao Ceará”. Em 1928, duas reportagens curtas da Aba Film apontam sua relação
aproximada com o poder oficial do Estado, na época governado por José Carlos de
Matos Peixoto: O Banquete Oferecido pela Colônia Cearense, no Rio, ao Dr.Matos
Peixoto e A Visita de S. Excia. Dr. Matos Peixoto ao cais do Porto, no Rio.
Por outro
lado, quando já registrada comercialmente, a empresa Aba Film também produziu o
atípico documentário de Benjamim Abrahão, ex secretário de Padre Cícero, sobre
o bando cangaceiro de Virgulino Ferreira, o famigerado Lampião. Considerado
esse filme um atentado “contra os foros da nacionalidade”, seu copião seria apreendido
pelo Departamento Nacional de Propaganda, em abril de 1937. Eram tempos
inapropriados para a circulação de imagens desfavoráveis à ordem pública
idealizada pelo poder central. Presidindo o País desde a chamada Revolução de
1930, logo Getúlio Vargas daria o golpe instituindo a ditadura do Estado Novo,
em novembro do mesmo ano.
Quando Vargas
revisitou Fortaleza (1940), a Aba Film novamente o filmou, dessa vez, em cores
(embora Antônio Albuquerque nos garantisse que eles não trabalhassem com filme
colorido…). A película , de 35mm, traz intertítulos com a marca dessa empresa.
Na fita, vemos o ditador chegando de avião, sendo recebido por alunas da Escola
Normal, desfilando em carro aberto para a multidão ordeira; ao lado do
interventor estadual Menezes Pimentel; visitando o departamento de piscicultura
do Dnocs; em solenidade cívica no Parque da Liberdade (Cidade da Criança),
centro de Fortaleza; num banquete a black-tie, no Ideal Clube; etc.
Insistimos na
descrição dessas cenas para que se perceba fundamentalmente o que vem a ser um
registro do tipo ritual do poder , termo cunhado pelo estudioso Paulo Emílio
Sales Gomes. Trata-se, portanto, de um registro mudo, mas eloquente ideologicamente, a partir de suas imagens. O povo, no seu devido lugar, é a
massa compondo o panode- fundo para as autoridades que lhe impõem a sua ordem.
No mais, predominam os salamaleques que caracterizam o “Poder & Cia.” A
produção brasileira documental, no início do século XX, era um desfile
infindável de governantes, embaixadores, nobres, bispos, militares,
industriais. Para confirmar essa regra, a Aba Film preparou sua exceção, que
foi o citado registro de Benjamim Abrahão sobre o cangaço nordestino. Quanto ao
cinema de ficção, outra exceção nesse panorama documental da empresa, foi a sua
participação na produção carioca “Jangada”. Dirigido por Raul Roulien, esse
longa-metragem foi rodado em Fortaleza nos idos de 1947. Dois anos depois,
prestes a ser concluído, esse trabalho se perdeu num incêndio no Rio de
Janeiro.
Firmino
Holanda é professor e pesquisador de cinema da Universidade Federal do Ceará. O
texto acima escrito por Firmino baseia-se em matérias escritas suas registradas
em jornais, revistas e em livro (“Ceará de Corpo e Alma”, 2002). Sobre a
produção cinematográfica cearense, o autor escreveu um livro ainda inédito. A
citação de Antônio Albuquerque é retirada de “Cinema Cearense: Alguma História”
(1989), documentário dirigido por Firmino Holanda. A citação de Ary Bezerra
Leite provém de seu “Fortaleza e a Era do Cinema, Volume I “(1995), sobre as
salas de exibição da cidade, livro que contém ainda informações extras a
respeito de Adhemar Albuquerque.
http://cinemacearense.com.br/nota/1288
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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