Por Sálvio
Siqueira
Naquele tempo,
tempo do cangaço lampiônico, as considerações entre aqueles que participaram
dos bandos cangaceiros resumia-se em acordos e poderes. Não havia, de fato, uma
determinação de alguém dar sua vida pela do outro. A confiança era somente
entre quantias em dinheiro e favores recíprocos. Por isso que os líderes, ou
mesmo o cangaceiro mor, sempre tinha, dentre seus algozes, aqueles que deveriam
ser mais ‘chegados’, mesmo por que a traição e a covardia andam juntas e em
todo lugar desde os primórdios da vida humana no planeta terra.
Quando Lampião
consegue levar seus ‘meninos’ as terras dominadas pelo coronel Izaías Arruda,
no reduto cearense, esse lhe apronta uma das maiores arapucas que já se tenha
ouvido falar. Tudo estava certo para que a cabroeira fosse almoçar na casa sede
da fazenda, no momento em que se dirigiam para ela, Virgolino resolve acampar
debaixo de algumas árvores na beira da várzea, onde havia um canavial. O
coronel, sabendo do fracassado ataque a Mossoró, RN, e tendo sido um dos mentores
do plano, tinha que dar sumiço naquele que sabia de tudo... Em Lampião, o “Rei
do Cangaço”.
Pois bem, o
coronel, outrora grande coiteiro, ordena que se coloque veneno na comida da
cabroeira. Em seguida, manda que se coloque fogo no canavial, formando assim
uma barreira de fogo intransponível, por fim distribui seus jagunços, que não
eram poucos, juntamente com o contingente de uma Força Volante cearense
cercando o restante do local, para que aqueles que escapassem do veneno e do
fogo fossem abatidos pelas balas dos homens dispostos em lugares estratégicos.
Nessa emboscada o bando de Lampião sofre a maior de suas baixas. Morreram
alguns envenenados, outros, com o veneno a lhes cortarem as entranhas caem
sobre as chamas vigorosas do fogo na palha da cana e outros foram abatidos
pelas armas. Dentre os mais distintos pesquisadores/historiadores não há uma
narrativa ‘cristalina’ de como Lampião conseguiu escapar com vida de tamanha
armadinha, além de salvar a vida de alguns de seus subordinados.
No longo e
árduo caminho, com certeza tendo o “Rei do Cangaço” vinha queimando vários e
vários milhares de neurônios procurando encontrar, ou tentando achar, respostas
para o que aconteceu em território dominado pelo aliado cearense. Por que o
coronel que o chamou e o incumbiu da missão sobre Mossoró estava a ponto de
acabar com sua vida? Por que aquele que lhe fornecera abrigo, munição e armas
acabara por lhe armar tamanha arapuca? Mais um, dentre os grandes ‘coronéis’
coiteiros caem fora do ‘negócio’ armando para ele. Primeiro havia sido o
coronel José Pereira, de Princesa Isabel, PB, que vendo a maneira como os
homens de Lampião haviam se portado na cidade de Souza, PB, enquanto Virgolino
se restabelecia de um ferimento no pé direito, em território dominado pelo
coronel, manda que um exército de jagunços seja lançado sobre a cabroeira para
extermina-la. Com esse ato Zé Pereira consegue, ou pensava conseguir, eliminar
dois coelhos com um só disparo: acabar com a suspeita de ser acoitador de
Lampião e não saldar a dívida com ele, que, segundo o próprio Virgolino, não
era pouca. Agora o grande coronel Izaias Arruda também o trai e quase acaba com
a vida dele.
Já em terras
pernambucanas, a horda perambula e avança aos solavancos rumo ao território
onde encontrariam abrigo nos município de Triunfo, Vila Bela e Floresta. A
cabroeira estava pra lá de desanimada, sobre tudo por ainda estarem com eles
alguns companheiros feridos e/ou envenenados. Dentre os envenenados havia o
‘cabra’ “Mão Foveira”, sertanejo Domingos dos Anjos, que pede permissão ao
chefe para ficar na estrada por estar sentindo muitas dores no abdome. Em vez
de dar permissão, Virgolino manobra a alavanca do mosquetão e eleva a arma ao
ombro dizendo que só o deixaria se fosse morto. Apesar de também ser
cangaceiro, “Mão Foveira” pede pela vida, no que, naquele momento não parecia
ser com o que Lampião concordava. Insistindo em não deixar com vida seu
assecla, o cangaceiro mor é colocado à prova pelo restante dos homens. Todos
tomam o partido do companheiro envenenado e falam em sua defesa. A pressão é
alta e Lampião sabia que se matasse “Mão Foveira” naquele instante, seria morto
pelos outros. Não tinha outra saída, tinha que deixa-lo na beira da estrada com
suas dores a espera da morte.
As contrações
dolorosas na altura do intestino delgado se intensificam e o cangaceiro, lá
deixado no meio do nada, prossegue esperando sua hora chegar. Mais tarde,
quando o sol já havia pendido para o poente um cidadão da família Pereira, o
sertanejo Zuza Conrado vem viajando por aquela estrada e encontra o homem
agonizante, o carrega par sua própria casa. Lá chagando, foi até a ‘panela’
onde estava o leite das vacas, e o faz beber bastante. “Mão Foveira” começa a
sentir-se melhor. As dores quase que acabam por completo. Restabelecido e tendo
feito um detalhado relato ao seu salvado, esse o leva até Vila Bela onde é
colocado no xilindró. Naquela época os cangaceiros presos eram transferidos
para os grandes presídios nas capitais dos Estados. Dentre outras coisas, para
evitar um ataque do restante do bando e soltá-los.
Na região de
Floresta do Navio havia uma família com cinco irmãos: Francisco Miguel do
Nascimento, Pedro Miguel do Nascimento, Domingos Miguel do Nascimento, João
Miguel do Nascimento e José Miguel do Nascimento. Todos dessa família viviam do
trabalho nos roçados e vaquejando gado dentro das brenhas da caatinga. Eram
conhecidos nas redondezas como “os Miguel”. O jovem Francisco Miguel do
Nascimento, que era um dos bons vaqueiros daquela região, cai em desgraça e a
saída para continuar vivendo foi entrar para o cangaço e ir viver da espingarda
junto a Virgolino. Daí por diante seu nome passa a ser o cangaceiro “Passo
Preto”.
Seus irmãos em vez de seguirem essa ‘trilha escura’, tomam outra, totalmente
oposta. Entram na Força Pública e vão dar combate ao banditismo rural que
assolava o Sertão do Pajeú das Flores.
Segundo o
pesquisador/historiador/ex volante, tenente João Gomes de Lira, no seu “Lampião
– Memórias de um Soldado de Volante” – 1ª edição, pg 389, de 1990, nos combates
em que os irmãos estavam a se digladiarem, o cangaceiro “Passo Preto”, dono de
poderosa voz, começava a chamar pelo nome dos irmãos começando uma prosa, mesmo
naquelas condições, tentando relembrarem passagem de suas vidas quando jovens.
O saudoso tenente da Briosa pernambucana nos diz ainda que: antes de partir
para dentro da Mata Branca, em busca de abrigo, “Passo Preto” soltava um longo
e penoso aboio se despedindo dos irmãos.
Pedro e
Domingos foram promovidos a cabo da PMPE por merecimento. Já o irmão Francisco,
o cangaceiro “Passo Preto”, depois de uma vida sangrenta no cangaço, se entrega
e vai cumprir sua pena na Detenção de Fernando de Noronha. Liberto, Francisco
Miguel, depois de perambular por vários lugares, pega o rumo do distrito de
Nazaré do Pico, município de Floresta, PE, onde procura o capitão da PM
Euclides Flor e lhe solicita trabalho. O capitão Euclides Flor lhe dar emprego
e ele passa a conviver e trabalhar junto as pessoas de quem tanto fugiu e o
perseguiu. Porém, se sentia seguro e protegido... Nas quebradas do Pajeú das
Flores.
Fonte “Lampião
– Memórias de um Soldado de Volante” – LIRA, João Gomes de. 1ª edição. Recife,
1990
Foto TOK de HISTÓRIA
Foto TOK de HISTÓRIA
https://www.facebook.com/groups/545584095605711/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário