*Texto de Claudio Bojunga para o jornal “O ESTADO DE SÃO PAULO” – 31/07/73
O cangaceiro Zabelê - https://tokdehistoria.com.br/2014/09/12/cangaceiros-atras-das-grades-fim-da-ilusao/
Um velho
entrevado, torto, de 73 anos, tossindo, mal vestido, deve estar muito doente.
Só os olhos são ágeis como os olhos de um menino: correm em torno da mesa,
encara rapidamente as pessoas para depois se fixar na janela à esquerda, na
porta aberta à direita; os olhos de Zabelê, mais de 40 anos depois, conservam a
vigilância dos tempos do cangaço. E como se, a qualquer momento, um macaco
fosse pular à sua frente ou às suas costas para enchê-lo de bala.
Zabelê, ou Isaias Vieira, um homem totalmente apavorado. É um exemplo dos cangaceiros que, depois da luta, ficaram por aqui mesmo, no Nordeste. Há muitos em todo o sertão, de Alagoas ao Ceará, todos escondidos sob nomes falsos. E eles sabem que não temem fantasmas. A vingança, no sertão, é elaborada com paciência chinesa. É possível, perfeitamente possível que, a qualquer momento, amanhã talvez, um outro velho entrevado descarregue seu revólver sobre o velho Zabelê. Afinal, Zabelê nem sabe quantos matou em um ano de cangaço. Era coiteiro de Lampião desde 1923, na região do Pajeú, até que o coito se tornou evidente demais, e perigoso. Olhando de um lado para outro enquanto fala, o velho conta:
- Lampião: tá
descoberto que eu compro coisinha procê. Tô enroscado. Se não sentá praça vou
acabar entre as pernas do tenente.
Lampião pensou
um pouco. Não era qualquer coiteiro que podia “sentar praça” no cangaço. Zabelê
insistiu:
- Tô
desmantelado. Sou pai de família, tó desmantelado.
- Desmantelado
você já nasceu.
E dito isso,
Lampião aceitava um novo “soldado”. Porque era preciso estar mesmo muito
“desmantelado” na vida para topar a parada. Zabelê tinha mulher, quatro filhos
e muito azar.
Começou a
brigar em 1926 e um ano depois estava preso. Participou de um combate
importante, o de Serra Grande, naquele mesmo sertão. Como todo ex-cangaceiro,
diz que, naquela batalha, morreram uns 30 macacos. Cangaceiro, nenhum. O mesmo
truque usado pelos policiais da época. Vários dizem que em Serra Grande
morreram um ou dois soldados. O coronel Higino José Belarmino, famoso entre
outras coisas por não mentir, nem que a verdade possa “prejudicar” a imagem da
Volante, diz que morreram dez soldados em Serra Grande. Cangaceiros, ele não
sabe, ninguém sabe.
O apelido do cangaceiro Isaias Vieira originou-se deste pássaro o zabelê
Os cangaceiros
sempre carregavam os seus mortos e feridos e os eternizavam, batizando um cabra
novo com o nome do preso ou do morto: assim, este que apavorado conversa com a
gente, é o primeiro Zabelê de uma série. Um toque de misticismo, nem tanto para
confundir a polícia, mas o povo. O cangaceiro não morre. Zabelê está preso?
Como, olha ele aqui.
Apesar do
pavor, Zabelê I ainda ousa revelar, com seu raciocínio lógico de sertanejo, que
tudo não se resume a troca de tiros entre grupos ou requintes de crueldade. Até
Zabelê, personagem de mínima importância dentro daquela fase da História do
Brasil, sabe o que significa corrupção.
-Todo mundo
ajeitava. O senhor pode ser naquela época o presidente da nação, ajeitava
também. Naquela época só quem não ajeitava era Deus que não aparecia.
Ele quer dizer
que grande parte das armas do cangaço foi vendida pela própria polícia que
importantes políticos da época, hoje venerandos e com estátua (algumas
equestres) no meio das praças, estiveram envolvidos gravemente, pairando sua
honra sobre os tiroteios que eles próprios manipulavam.
Zabelê:
apavorado, velho, doente, pobre e atualizadíssimo.
*Créditos para
Antônio Corrêa Sobrinho
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2014/02/zabele.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário