Francisco
Miguel de Moura*
Comecemos pelo nome ARMORIAL e a definição do movimento artístico-cultural: “A
Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum, principal, a
ligação com o espírito mágico dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste
(Literatura de Cordel) com a música de viola e rabeca ou pífano que acompanha
os seus cantares, e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o
espírito e a forma das artes e espetáculos populares com esse mesmo romanceiro
relacionados” (in ‘Jornal da Semana”, de 20-5-1975). Mas o Movimento foi um
pouco tardiamente definido, em seus princípios, pois já existia desde que,
oficialmente, em 18 de outubro de 1970, tendo à frente o Prof. Ariano Suassuna,
já acompanhado por um grupo de escritores e artistas, e o apoio do Departamento
de Extensão Cultural da Pró-Reitoria da Universidade Federal de Pernambuco, foi
publicamente proclamado. Marcando o lançamento ARMORIAL, houve na mesma
Universidade: a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas,
no Palácio de São Pedro, no centro da cidade. Dentre os escritores e nomes
importantes da cultura nordestina que o apoiaram no primeiro momento, estavam o
Antônio Madureira, Francisco Brennand, Raimundo Carrero, Gilvan Samico e Géber
Accioly.
Está
claro que, ao iniciar esse movimento cultural, Ariano Suassuna teve por
objetivo valorizar a cultura popular do Nordeste. Mas há de acreditar-se que
ele já pensava em termos mais amplos, visto que falara da “PRETENSÃO DE
MOSTRAR E REALIZAR UMA ARTE BRASILEIRA BÁSICA A PARTIR DAS NOSSAS RAÍZES, PARA
ESTENDER-SE A TODO O PAÍS”.
Segundo
Suassuna, “a palavra armorial é tomada no sentido do conjunto de insígnias,
brasões, estandartes e bandeiras de um povo, e a heráldica (parassematografia),
é uma arte muito mais popular do que qualquer outra”. Dessa forma, o nome que
escolheu não tem nada de moderno nem “modernoso”. Ao contrário, leva-nos
a pensar as raízes e costumes históricos, ancestrais, de um povo, de uma nação.
E foi este o seu desejo: começar das raízes e chegar ao atual, numa ligação que
se estendesse (e se estendeu, pelo menos em termos de Nordeste), à pintura, à
música, à literatura e demais outras: cerâmica, dança, escultura, tapeçaria,
arquitetura, teatro, gravura, chegando até o cinema. Resumindo: universalizar,
pela arte, a expressão dos sentimentos que permanecem na tradição da sociedade,
do povo, tudo aquilo que é bom e belo. Quem quiser diga que isto é estilizar,
modernizar, criar novo estilo, recrear. É tudo ao mesmo tempo, sem esquecer a
tradição, porque o que fica da tradição, nas manifestações artísticas, quem
melhor sabe traduzir o melhor para a sociedade.
No seu
pensar, sentir e saber altamente criativos, Suassuna deu grande importância aos
folhetos do romanceiro popular nordestino, a chamada Literatura de Cordel, por
achar que neles se encontra a fonte de uma arte e uma literatura que expressam
as aspirações e o espírito do povo brasileiro, além de reunir três formas de
arte: as narrativas de sua poesia, a xilogravura que ilustra suas capas e a
música, através do canto dos seus versos, acompanhada por viola ou rabeca.
Suassuna apontou também como importantes para o MOVIMENTO ARMORIAL, “os
espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens
míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, animais
misteriosos”. E cita “o boi” e o “cavalo marinho”. Por fim, não foi
esquecido o mamulengo - teatro de bonecos nordestino - também como fonte de
inspiração, visto que essa espécie de dramaturgia é um modo singular de encenação
e representação bem brasileiro, espalhado por pequenos grupos e até por
artistas individuais e seus familiares, dedicados inclusive à diversão
infantil.
Pego,
agora, a importante deixa do Suassuna e lembro que, quando eu era menino,
acompanhava o “reisado” - na parte do Piauí já perto do limites com o Ceará,
como é Picos – representação não tão semelhante ao “bumba-meu-boi”, mas com ele
confundido. O “reisado” é diferente. É feito à noite e o grupo teatral sai de
casa em casa com seus apetrechos, músicas, cantos e artistas para alegrar o
povo do lugar. As figuras do tal teatro popular das partes do Nordeste mais
seco são: o boi, a burrinha, o avestruz, a ema, o lobisomem, as damas, todas
comandadas pelos caretas, normalmente três. Começa no Dia de Reis, ou seja, em
6 de janeiro. Essa brincadeira acontece à noite e vai até alta madrugada,
quando não até o dia seguinte.
Para
finalizar, com uma pequena comparação dos movimentos literários brasileiros
passados e presentes, Wilson Martins, grande historiador e crítico, em seus
“Pontos de vista”, disse: “O Modernismo acabou algum tempo depois da Semana de
1922. Daí por diante tudo é Modernidade e se traduz por movimentos: - movimento
da poesia concreta, da poesia práxis”, do romance de 30, etc. Para mim, os
movimentos representam grupos que se estendem mais ou menos por algum espaço e
tempo limitados. Não sei se com o Movimento Armorial vai acontecer o mesmo. Ou
se é uma escola literária para muito tempo. Acredito na última hipótese e o
interpreto como uma espécie de volta ao Romantismo, pela ingenuidade visceral,
pela sentimentalidade de tentar unir as artes através dos usos e costumes do
povo. Porém é diferente no sentido em que os artistas já aprenderam a lição de
que o clássico nunca morre, a literatura e as artes devem ser sempre
estilizadas, provenha o seu sumo do Romantismo ou do Realismo, as duas escolas
literárias que se rivalizam e as únicas existentes, conforme concordam a
maioria dos críticos. E eu me confesso um deles. Assim, nem toda literatura de
cordel é boa arte, nem toda arte popular terá longa vida se não entranhar-se
por um terceiro caminho. É preciso que o poeta ou o prosador tenha um mínimo de
consciência da técnica da escrita, do verso, da palavra, do ritmo, do som, do
tom, da luz e do movimento. E isto deve ocorrer em todas as artes. O
MOVIMENTO ARMORIAL, que começou com uma obra tão profunda e bem elaborada como
a de Ariano Suassuna, “O romance da Pedra do Reino”, tende a
refinar-se, tornar-se clássico, depois da incorporação do povo e seu saber.
Segue, assim, o mesmo rumo dos demais movimentos que se prezam, na história das
artes e da sociedade.
*Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras - Piauí, da União Brasileira de Escritores - São Paulo e Associação Internacional de Escritores e Artistas -Estados Unidos.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzagueano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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