Por Wasterland Ferreira Leite
Ver o míni Aurélio. O dicionário da Língua Portuguesa. 8.edição revista, atualizada e ampliada. Impressão - Março de 2014, Editora Positivo.
Nos últimos dias tenho visto a divulgação pelas redes sociais de determinado evento cultural de grande relevo e que faz alusão ao cangaceiro Lampião, cujo assassinato será lembrado (já está) no próximo dia 28 de Julho, quando completam-se 80 anos do extermínio histórico daquele grande cangaceiro e parte de seu famigerado bando.
Mas, vejo na divulgação do evento aludido uma frase para mim desconcertante: "A Celebração do Cangaço"!
Tenho visto ao longo das praticamente três décadas desde quando iniciei meu trabalho de pesquisa e estudo sobre a trajetória histórica de Lampião e bem como sobre a etiologia do Cangaço, um sem-número de pessoas apaixonadas pelo tema em questão e muitas vezes entusiasmadas a tal nível que faz com que muitas vezes descuidem da sobriedade, cuidado e equilíbrio que todos nós, pesquisadores, historiadores ou ciosos pelo assunto temos de ter.
E digo isso porque não estamos falando ou tratando de um tema ou assunto qualquer, e sim de tema histórico complexo, áspero e muito delicado porque inclusive marcou dolorosamente a vida de muitas pessoas, famílias e a história de toda uma região: o Nordeste do Brasil.
Hoje vejo também a muitos dizerem: --"Lampião, nem herói e nem bandido, e sim somente história"! Sim, Lampião entrou para a história, mas de que maneira? E os crimes por ele praticados e por seu bando? O seu pai, o pacato José Ferreira dos Santos, assassinado por um soldado talvez psicopata e que fazia parte da volante comandada pelo sargento PM-AL José Lucena, mas como resultado inclusive da própria ação criminosa dele (Virgulino), e dos irmãos Antonio e Livino e que aliaram-se a grupo de cangaceiros chefiado pelos perigosíssimos e famigerados irmãos Porcinos, de atuação em ponto de fronteira entre os estados de Alagoas e Pernambuco e reprimidos com mão de ferro por Lucena e com pleno aval do governo de Alagoas.
Isso, do pai dos Ferreiras ser morto pela polícia devido à própria ação criminosa desses filhos, que ora trabalhavam na almocrevaria e ora lutavam junto à bandos criminosos chefiados, seja por um Porcino ou por um Antonio Matilde (tio por afinidade dos Ferreiras, e também cangaceiro), talvez ainda muita gente não o sabe e certamente pouco é divulgado.
Lampião entrou no Cangaço para vingar a morte do pai, assassinado pela polícia! Não! Ele já o era antes, porém entregou-se à vida como bandido profissional a partir da lamentável morte do genitor, enfim.
Quem conheceu de perto as várias testemunhas daquele período tenebroso da nossa história sabe muito bem de que o Cangaço não era brincadeira e de jeito nenhum deveria ou deve ser celebrado!
Vários ex-cangaceiros falaram em depoimentos dos sofrimentos terríveis que enfrentaram durante sua presença naquele banditismo que foi terrível para as gentes sertanejas nordestinas e que foi responsável, inclusive, por êxodos migratórios elevadíssimos, como o que ocorreu no Ceará no meado da década de 30 devido o terror imposto sobre aquela população e a ameaçar a já fragilíssima economia da região sertaneja e quiçá do Nordeste! O Cangaço, diga-se de passagem, foi terrível para a economia da região nordestina! E quanto à população, era o "salve-se quem puder"!
E quanto às vítimas, um sem-número, e nosso estamos referindo-nos apenas ao período histórico de Lampião e a atuação do chamado "cangaço lampiônico", o período histórico mais intenso e poderoso daquela modalidade criminal e cujo banditismo rural, sim, banditismo (parece que alguns disso esquecem-se), remonta, conforme magistralmente ensina-nos o Mestre Frederico Pernambucano de Mello no seu monumental Guerreiros do Sol, aos primórdios da colonização do Brasil e que desde o início já trazia grande "prejuízo ao empreendimento da cana-de-açúcar, nosso primeiro ciclo econômico", declaração esta alusiva a certa queixa feita por Duarte Pereira, donatário da Capitania de Pernambuco ao Sua Majestade, o Rei de Portugal.
Voltando a falar do período do reinado de Lampião, quantas vítimas mutiladas! Quantos assaltos e roubos, alguns espetaculares como o registrado em junho de 1922 na cidade alagoana de Água Branca e a ousadia de praticar tal crime contra a mandatária do lugar, a baronesa Joana Vieira de Siqueira Sandes.
Sequestros a resgate. Relatos da ocorrência de estupros. Extorsão. Crimes contra o patrimônio público e praticados quando da invasão de cidades, como o corte de fios telegráficos (isolando o local e a população e impedindo qualquer comunicação), saques, incêndios e depredações, seja ao patrimônio público ou privado, enfim.
Finalmente, também há os que defendem a tese mais que superada de Lampião ter sido morto envenenado! À meu ver, já está mais que provado e também bem explicado sobre essa questão alusiva ao veneno supostamente utilizado em Angico. Porém faço uma ressalva: deveriam os pesquisadores terem dado mais atenção a fala, a "denuncia" de José Sereno, marido de Sila e chefe de subgrupo de Lampião, quanto ao suposto envenenamento das bebidas trazidas pelo coiteiro Pedro de Cândida. Por elucidado que esteja o assunto, acho eu que a fala, o depoimento de Zé Sereno deixa uma lacuna em aberto para a História.
Finalmente senhoras e senhores, acredito que temos de ter o máximo de cuidado ao expor sobre o tema Cangaço face a complexidade histórica que o envolve e não deixar, jamais, que a paixão ou fascínio resultantes de tema verdadeiramente intrigante e por que não dizer fascinante, façam-nos deixarmos de enxergar a realidade histórica sobre o assunto e produzindo assim ufanismos, desequilíbrios e uma até mesmo apologia digna de nota tal como ocorrera com o padre-escritor Frederico Bezerra Maciel, que por tal atitude, à meu ver, terminou por macular e muito a sua obra.
Sejamos sóbrios e equilibrados em busca dessa verdade, da verdade histórica!
Wasterland Ferreira Leite.
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