Por Benedito Vasconcelos Mendes
Raimundo Nonato filho do Tião Ferreiro, da
Vila de Santo Antônio do Aracatiaçu pediu a Francisca, filha do vaqueiro Sales,
da Fazenda Aracati, em casamento. O Sales solicitou ao meu avô um pedaço de
terra para o noivo construir sua casa de taipa, que foi prontamente atendido. O
noivo e o seu sogro Sales escolheram um terreno elevado, próximo à margem do
Rio Aracatiaçu, onde existia um frondoso Juazeiro para fazer sombra no
terreiro. Nos finais de semana, Raimundo Nonato e seus amigos e parentes que
moravam na redondeza começaram a construir sua casinha de taipa, com materiais
retirados da natureza, madeira (linhas, caibros, ripas, esteios, forquilhas,
madeira para portas e janelas e outras), barro para a feitura das paredes e
palha de carnaúba para a cobertura. Era um costume sertanejo o noivo construir
sua própria casa, em mutirão com familiares e amigos. Quando a casa ficou
pronta, o Sales marcou o dia do casamento e pediu ao meu avô que solicitasse ao
Padre Antônio José, da Paróquia da cidade de Miraíma, para oficializar o
casamento na Fazenda Aracati. O Padre atendeu ao pedido do meu avô e aceitou a
data sugerida pelo Sales, 24 de junho, dia de São João, para o casamento. Dona
Lourdes, mãe da noiva, ficou encarregada de organizar a festa. Minha avó
prometeu doar o vestido comprido de cetim de algodão e o véu de filó. Ela
mandou comprar no Armazém de tecidos do Sr. Chico Neves (Francisco Neves
Frota), em Sobral, cinco metros de cetim branco, para confeccionar o vestido
comprido, com cauda, e chamou a Maria José do Estourôte, sua costureira, para
confeccionar o vestido da noiva. Todas as roupas da família eram feitas por
Maria José do Estourôte, na sua máquina de costura à mão, da marca Singer. Ela
passava temporadas em Sobral, na Fazenda Aracati e no Sítio Frecheiras, na
Serra da Meruoca, para remontar roupas velhas e confeccionar novas roupas para
toda a família. Ela costurava roupas de homens, mulheres e de crianças. O
Estourôte, seu esposo, ficava permanentemente em sua residência em Sobral, em
uma das fazendas do meu avô, às margens da estrada que saía para a cidade de
Massapê (hoje zona urbana de Sobral). A referida costureira passava duas ou
três semanas costurando para meus avós e depois voltava para junto de seu
esposo. Passado um certo tempo, ia novamente para a Fazenda Aracati costurar
para meus avós.
A cerimônia de casamento estava marcada para ocorrer às
dezesseis horas, mas no início da tarde já estava tudo pronto. O altar
improvisado com uma mesa, coberta por uma toalha branca, com dois cartiçais com
velas, Bíblia Sagrada, uma imagem de gesso de São João e um crucifixo de
madeira. O Padre Antônio José ficou encarregado de levar o seu material
(hóstias, vinho, cálice, patena, toalhinhas de linho, sineta e outro materiais
necessários à realização da Santa Missa e da cerimônia de matrimônio). Muita
comida foi preparada para os convidados. O Sales matou um boi e dois carneiros
para serem servidos cozidos e assados na brasa, com farofa de torresmo com farinha
de mandioca, cuscuz de milho e arroz vermelho. O casamento foi realizado no
terreiro da casa, ao ar livre. O ambiente estava muito bonito, enfeitado com
flores silvestres, especialmente com flores de salsa, pau-branco, jurema-preta
e de craibeira. Para evitar poeira, o terreiro foi molhado com água, trazida em
ancoretas do Rio Aracatiaçu. Próximo ao horário marcado para o casamento, o
Padre chegou e, em seguida, apareceu a noiva de vestido de cetim branco
comprido, com cauda, com véu de filó e grinalda de flores naturais. Logo depois
chegou o noivo de terno de brim branco, gravata borboleta e sapato preto de
cadarço. Somente a noiva tinha padrinhos, que eram meus avós, que ao chegarem
no local foram logo cumprimentar o Padre Antônio José e parabenizar os noivos.
O Tião Ferreiro e sua esposa, pais dos noivo, e o Sales e Dona Lourdes, pais da
noiva, ficaram ao lado do altar. Era grande a quantidade de cavalos selados,
das pessoas que vieram de fazendas, vilas e cidades vizinhas para o casamento.
Naquela época, o principal meio de transporte na zona rural eram o cavalo e o
burro de sela. Para as pessoas mais velhas, foram oferecidas cadeiras de tampo
de couro, mas a maioria dos convidados permaneceu de pé durante toda a
cerimônia de casamento. Após ter sido oficializado o sacramento religioso, foi
repetido o costume da noiva jogar o buquê de flores de laranjeira para trás,
para saber quem seria a próxima moça a se casar. Os cumprimentos aos noivos
foram feitos ao lado do altar, na presença do Padre, dos Padrinhos e dos pais
da noiva e do noivo. Depois teve início o jantar, acompanhado de muito Conhaque
São João da Barra e Cachaça e de um alegre forró, que só terminou quando o sol
raiou. Os músicos vieram da Vila de Santo Antônio do Aracatiaçu, situada a 20
quilômetros da Fazenda Aracati e logo no início da festa já ficaram bêbados,
fazendo com que o Sales proibisse o fornecimento de bebida aos mesmos. Eram
apenas quatro instrumentos musicais, uma sanfona, um zabumba, um ganzá de
cabacinha e um triângulo. Ao amanhecer o dia, era grande a quantidade de
bêbados dormindo no chão do alpendre. Para os idosos foram oferecidos redes e
lençóis. Esta festa foi comentada durante muito tempo nas vilas e fazendas da
região, por ter sido uma comemoração com muita comida e bebida. Um fato
interessante ocorreu no dia seguinte, ao amanhecer o dia. Por ocasião da
ordenha das vacas, era grande a fila de convidados na porteira do curral, para
beber leite mugido e assim curar a ressaca da bebida.
Enviado pelo professor Benedito Vasconcelos Mendes.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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