*Rangel Alves da Costa
De repente aconteceu. Aquela tanto sonhada para deitar em nudez sobre a cama, enfim estava lá. Nua, completamente nua, e pronta para o prazer.
Um ritual verdadeiramente mágico. Um rito de corpo que se aproxima da ilusão, da fantasia, do não acreditar que assim pudesse estar acontecendo. Uma cerimônia de corpo nu para corpo nu.
Ela, toda linda. Nada diferente daquilo avistado e desejado pelo olhar. Desde muito que os olhos desenhavam em papel de pele aquelas formas. A geografia corporal, os relevos da bunda e dos seios, a fonte úmida.
E que ritual ali no quarto, perto da cama, antes da nudez total. Cabelos espalhados, calcinha vermelha cuidadosamente tirada. Estava sem sutiã. Os seus miúdos e firmes não precisavam estar escondidos. E que imagem!
Assim acontece quando se está perante uma paisagem de nudez indescritível. A morenice clara da pele, os cabelos escorridos emoldurando a face meiga, o corpo em perfeita forma, o sexo ali à espera...
Sim, o sexo ali à espera. Bastaria se aproximar, tocar, abraçar, enlaçar, dizer palavras sem voz, procurar e procurar. Uma conjugação de desejos logo levaria ao afloramento dos instintos mais pecaminosos. Compreensíveis, desejados e aceitados em momentos assim.
Ora, ela estava ali. Tão desejada, tão esperada e, enfim, ali em completa nudez, esperando somente a aproximação e o enlaçamento. Estendeu a mão, fez menção em abraçar, se aproximou mais e fez a pele eriçar...
Abraçada, acariciada, beijada, levada à cama. Estendida sobre os lençóis e ainda mais bela. Ante aquela deusa nua, a volúpia até refreia perante a delicadeza do anjo. E foi o tempo, entre a admiração e o passo, que a verdade chegou.
Que coisa mais estranha de acontecer. Instinto normal do homem, ou quase na normalidade animalesca do homem, querer o sexo pelo sexo, o prazer pelo prazer, a possessão do corpo como em fúria desenfreada.
Mas se conteve um pouco, por um instante, mas pelo tempo suficiente de reflexão que daria um livro inteiro. Aquela mulher linda, vestida apenas da pele do corpo, em nudez total, em estado de perfeição, e apenas para o sexo. E o restante da beleza?
A muitos, e fato, o sexo é apenas instinto e cegueira. Há a tara, o desejo, o querer a todo custo, e tudo como um tanto faz depois de haver conseguido. Quer dizer, o alcance do prazer acaba retraindo os desejos, os sentimentos, o verdadeiro querer ao outro. Já consegui, e pronto!
Será que um corpo de mulher serve apenas ao uso, à tara, à volúpia, ao desenfreado prazer? Ou será que numa mulher, seja nua ou não, há um relicário maior e mais belo que precisa ser apreciado além do sexo?
Um corpo de mulher é pétala de flor, é asa de borboleta, é leve orvalho, é plangência de gota d’água que se derrama de haste. É preciso muito cuidado. É preciso não tentar destruir a beleza pelo mero instinto do prazer.
Que mau instinto é esse humano de desfazer de tudo depois do uso. Em muitas situações, é como a mulher não prestasse mais depois do uso. Serviu aos instintos, deu prazer, mas depois não vale nada. Vista a roupa e vá embora!
Mas não foi assim que aconteceu. Deitou ao lado dela, abraçou, beijou, acariciou, mas depois começou a sussurrar verdades ao seu ouvido. Mas a coisa mais importante que disse foi: “Eu vou ter prazer e vou lhe dar prazer, mas eu amo outra. E vou ficar pensando nela enquanto estiver com você. Aceita assim?”.
Ela aceitou, pois mesmo linda e desejada por todos, ali estava apenas para o sexo, para dar prazer àquele escolhido. Mas ele não. Ele não aceitou por que amava outra. Naquele instante, o instinto de homem transmudou-se por alguma razão que somente o coração explica.
Escritor
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