Bem vindos à extraordinária Saga de Maranduba. Permitam dessa forma iniciar um dos mais novos capítulos do blog do Cariri Cangaço em comemoração aos seus dez anos e às mais de 4 milhões de visualizações de nossa página: Grandes Artigos Cariri Cangaço. Também hoje; nesse 17 de junho de 2020; de maneira especial, celebramos os 80 anos de nascimento de nosso Patrono, nosso Mestre, e acima de tudo nosso inesquecível amigo: Alcino Alves Costa, esse Capítulo dedicamos a você querido Caipira de Poço Redondo. Aqui periodicamente estaremos trazendo super artigos contemplando alguns dos mais significativos episódios da saga cangaceira e iniciaremos com o emblemático "Fogo do Maranduba" em 9 de janeiro de 1932.
Ah Maranduba... Quanto ainda teremos que nos debruçar sobre ti para rebuscar fragmentos da verdade histórica deste que sem dúvidas foi um dos fenômenos mais fortes e intrigantes de toda a historiografia do nordeste: O Cangaço! Ah Maranduba, fazenda Maranduba dos Soares, Maranduba de Poço Redondo, do Sergipe; uma das três pérolas da coroa dos vitoriosos combates entre o rei cego Virgulino e as volantes sertanejas. As outras duas ? Serra Grande, em Pernambuco e Serrote Preto, nas Alagoas.
Alcino Alves Costa e Manoel Severo ao retornar da Maranduba em 2008.
As Terras da Maranduba Sergipe viria a se consolidar como um verdadeiro "feudo" do rei do cangaço por todo o período em que durou seu segundo reinado; entre 1929 e 1938. Foi a partir dali que Lampião estabeleceu um novo "estilo" de atuação dos bandos cangaceiros; consolidando a divisão de seu numeroso bando em pequenos grupos comandados por sub chefes, atuando em vários lugares ao mesmo tempo, confundindo e desmobilizando os esforços das forças policiais perseguidoras, como o Mestre Alcino Alves Costa, patrono do Conselho do Cariri Cangaço indica: "O poder de Lampião era tão grande que ele teve a ousadia de dividir partes do Estado de Sergipe nos moldes das antigas sesmarias, colocando seus principais homens, como se fossem sesmeiros, à frente de vastas glebas de terras, por exemplo: na região que compreende os municípios de Frei Paulo, Carira, em Sergipe, e Paripiranga, na Bahia, o domínio de Zé Baiano; em Porto da Folha, Gararu e N. S. da Glória, o senhor daquelas terras era o cangaceiro Mariano, em Poço Redondo e Monte Alegre de Sergipe, o domínio era de Zé Sereno e em Canindé, o poder estava nas mãos de Juriti", enfim.
Seria também em Sergipe que o Rei do Cangaço encontraria seus mais destacados "coiteiros", todos da mais alta "patente", como veremos mais à frente e também em Sergipe teríamos seu último ato: Angico; no antigo município de Porto da Folha; atualmente em território emancipado de Poço Redondo, berço de Alcino Alves Costa, território de muitas histórias, tradição, e território onde localiza-se a famosa Maranduba. Seguimos com o próprio Alcino Alves Costa que nos apresenta Maranduba:"O cerrado de Maranduba era, e ainda é, uma das mais faladas caatingas da região sertaneja de Sergipe, mataria grossa: o cipó de leite, bom nome, angico, aroeira, braúna, barriguda, umburana, quixabeira e umbuzeiro, morada do gato, da ema, do caititu, do tatu bola e do peba. Pastos onde só vaqueiros machos corriam atrás de bois, vaqueiros escolhidos e famosos como os Soares, o maioral Milinho, João Preto, os Teobaldo, os do Cuiabá e os de João Maria: Adolfo e Manezinho Cego, o famoso Manezinho de Rosara.”
O alto sertão sergipano, grifado em laranja no mapa (Mapa atual de Sergipe) destaca seus sete municípios : Canindé do São Francisco, Poço Redondo, Porto da Folha, Monte Alegre, Nossa Senhora da Glória, Gararu e Nossa Senhora de Lourdes. Na época do Fogo do Maranduba, janeiro de 1932, Poço Redondo pertencia a Porto da Folha.
Sergipe "feudo do rei do cangaço": Feudo é a terra ou uma fonte de renda concedida por um suserano ao vassalo, em troca de fidelidade e ajuda militar. Essa prática desenvolveu-se na alta Idade Média, no governo de Carlos Magno após o fim do Império Romano e foi a base para o estabelecimento de uma aristocracia fundiária.
Maranduba por Ingrid Rebouças em 2018
Os velhos umbuzeiros da Maranduba, até os dias de hoje, testemunhas mudas do grande combate, foto de 2012.
Conselheiro Cariri Cangaço, Mucio Procópio e pesquisador Pedro Camelo em visita do Cariri Cangaço a Maranduba em 2012.
Ruínas da antiga casa da fazenda Maranduba.
A grande maioria dos pesquisadores acostumamos a chamar :"Fogo DA Maranduba", mas os do lugar referem-se ao episódio com o substantivo no masculino, ou seja, "fogo DO Maranduba". É Manoel Belarmino; pesquisador e escritor de Poço Redondo; que nos fala: "O Sítio e o Maranduba eram duas fazendas que, no tempo do Cangaço, pertenciam aos Soares, meus antepassados." Quem sai das Alagoas, atravessa o São Francisco e entra em Sergipe por Canindé, pega a rodovia SE 230 rumo a Poço Redondo por cerca de 22 km. Na entrada da cidade se segue por uma estrada de terra à direita por cerca de uns 17 km passando por vários lugarejos e fazendas; inclusive a casa da ex-cangaceira Adília; vislumbrando ao longe a famosa Serra Negra; de João Maria e Zé Rufino; se chega a incomparável fazenda Maranduba, palco de um dos mais espetaculares e sangrentos combates do ciclo lampiônico, o conhecido Fogo do Maranduba, ali somos anfitrionados pela capela de Santa Luzia.
Capela de Santa Luzia no povoado do Maranduba, sob o por do sol sertanejo; anfitriã dos visitantes do importante cenário da historiografia cangaceira, foto de 2018.
O Fogo do Maranduba sem dúvidas se configura como mais um surpreendente combate onde Virgulino novamente mostraria sua vivacidade e o pleno conhecimento do lugar, além de táticas de combate na caatinga; em alguns desses em ambiente hipoteticamente desfavorável, como era o caso ali na fazenda Maranduba; em função do relevo e da vegetação do lugar, claro que com alterações naturais pela ação do tempo e do homem, hoje mudados. Do cenário da batalha pouco se conservou, a casa da fazenda toda ruiu, a vegetação típica da caatinga da época virou uma grande roça, poucas pedras, as pias secas, apenas os enigmáticos umbuzeiros e a cruz que marca o local do sepultamento dos homens de Nazaré, testemunham contra o tempo, aquela que foi uma das mais significativas vitórias de Virgulino Lampião.
Curiosamente pesquisando a etimologia da palavra "maranduba" , vamos encontrar que sua formação, em tupi-guarani significa curiosamente e literalmente,
"noticia da guerra"... Ironia do destino, crueldade na história.
Sergipe e a Grande Rede de Apoio ao Cangaço
O ano era 1932, comecinho de janeiro. O alto sertão sergipano parece que já se acostumara com a presença dos bandos de cangaceiros, indo e vindo, fazendo das fazendas, vilas e lugarejos, suas pousadas inveteradas, sob os auspícios dos "Britto" ,notadamente o doutor Hercílio de Britto; filho do grande coronel Francisco Porfírio de Britto, o maioral de Propriá e responsável pelo franco desenvolvimento da antiga vilinha de Canindé de Baixo, posterior Canindé do São Francisco; como também dos "Carvalho" do poderoso coronel João Maria, da Serra Negra no vizinho estado da Bahia, sem falar no poderoso Antônio Carvalho, ou Antônio Caixeiro da Borda da Mata, pai de Eronildes de Carvalho, capitão do exercito e interventor de Sergipe. Certamente essas "ligações não tão perigosas" mantinha o bando de Lampião totalmente a vontade fazendo de algumas cidades do sertão sergipano, verdadeiros quintais de crueldade e violência, assim foi em Canindé naquele janeiro de 32.
Hercílio de Britto, sentado ao lado da esposa Dona Ida de Britto, e dos filhos
É Frederico Pernambucano de Mello em seu livro "Guerreiros do Sol" que no revela:"Sergipe... desde de 1929 convertera-se na mais apreciada estação d'águas do Rei do Cangaço... Verdade é que Sergipe sempre foi um palco aberto às andanças e refúgios de Lampião, permanentemente bafejado ali pela simpatia das influentíssimas famílias Brito e Carvalho, dos municípios de Propriá e Canhoba, chefiadas respectivamente, pelos coronéis Francisco Porfírio de Brito, da fazenda Jundiaí, e seu filho Hercílio, e Antônio Carvalho,o Antônio Caixeiro ou, ainda, Antônio da Borda da Mata - nome de uma de suas quarenta fazendas, situada às margens do São Francisco - e seu filho Eronildes, capitão-médico do exercito, ocupante por mais de uma vez do governo do estado nos anos 30".
Antônio Caixeiro, pai de Eronildes de Carvalho; o poderoso Antônio da Borda da Mata
Manoel Severo e Archimedes Marques em visita ao lado de Elane Marques e Ingrid Rebouças à emblemática fazenda Borda da Mata de Antônio Carvalho, o Antônio Caixeiro no município de Canhoba em Sergipe em 20 de janeiro de 2018.
Logo que se chega ao vilarejo do distrito, sendo acompanhado pelas margens do São Francisco se avista de longe a imponente "Borda da Mata" que se agiganta sobre uma pequena e estratégica elevação, de onde certamente seu mandatário mantinha as terras e os homens sob sua vigilância inconteste. A atmosfera do lugar é simplesmente espetacular, sob o testemunho do grande rio e a brisa forte típica da caatinga, estávamos pisando um solo sagrado da historia nordestina.
A edificação hoje em ruínas ainda mantém seu glamour e sua força. A Casa Grande reflete o poderio econômico dos Carvalho, os cômodos se sucedem cheios de detalhes de decoração nas antigas paredes, arcos e fachadas principais, permitindo-nos viajar no tempo e voltar aos idos dos anos 20 e 30 quando de Canhoba a dinastia Carvalho, de Antônio Caixeiro e seu filho, Capitão de Exercito, médico e depois interventor do estado, Eronildes de Carvalho, mandavam em Sergipe.
Neste chão pisaram os poderosos de Sergipe e suas sombras...os cangaceiros
Vamos recorrer ao pesquisador Kiko Monteiro; Conselheiro Cariri Cangaço; que nos auxilia e traz o escritor cearense Nertan Macedo quando entrevistou o interventor Eronildes de Carvalho justamente quando da primeira passagem de Virgulino ainda em 1929 na Borda da Mata ao lado de 20 homens e foram "anfitrionados" pelo poderoso coronel. "Lampião conhecia “os Carvalho” desde a sua juventude. Quando percorreu a maioria dos caminhos que viria a fazer mais tarde como bandoleiro. Revendendo nas fronteiras de Alagoas e Sergipe, como simples almocreve conheceu a família. E agora já como poderoso chefe cangaceiro, aproveitou para visitar o Coronel. Sabendo do poder do grande comerciante Lampião pediu abrigo e comida, sendo prontamente atendido, onde lhe foi autorizado o abate de rezes etc, mas que seus moradores e contratados não fossem molestados por seus homens."
Eronildes Ferreira de Carvalho; governador de Sergipe entre 02.04.1935 a 30.06.1941. Nasceu no povoado Borda da Mata em Canhoba, município de Propriá no dia 25 de abril de 1895; Canhoba hoje é Município independente; seus estudos iniciais foram em Maceió no Estado de Alagoas. Em 1911 ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia formando-se em 20 de Dezembro de 1917. Ao regressar a sua terra natal,ocupou vários cargos ligados a área de saúde. Em 1923 iniciou a carreira militar, como segundo-tenente do corpo de Saúde do Exército sendo destinado a servir no 10º Regimento de Cavalaria Independente de Bela Vista em Mato Grosso, sendo transferido logo em seguida para servir no 28º Batalhão de Caçadores em Aracaju, como oficial médico. Ao contrário de Maynard, Eronildes não se envolveu nas revoltas e intentonas de 1924 e 1926. Durante a Intervenção de Maynard no governo (1930-1935) Eronildes manteve-se no 28º Batalhão de Caçadores.Com o golpe de 1937, Eronildes passou a ser Interventor Federal. No inicio ele se identificou bastante com o novo regime, mas, aos poucos foi se afastando, chegando até 1941, quando através de uma carta ao então Presidente Getúlio Vargas colocou seu cargo a disposição, assumindo como interventor o comando do Estado Milton Azevedo. Após a renuncia fixou residência no Rio de janeiro, onde exerceu vários cargos públicos escreveu discursos e relatórios técnicos de saúde pública. Foi casado com a Sra. Ivete de Melo Gois. Faleceu em 18 de março de 1969. https://www.palacioolimpiocampos.se.gov.br
E continua Kiko Monteiro "Eronildes foi apresentado a Lampião em agosto de 1929, durante os dias em que se restabelecia de uma enfermidade na fazenda Jaramataia propriedade de seu pai no município de Gararu. Algumas biografias dão conta de que esse encontro se deu “antes” de ele estar com Caixeiro. Outras que foi numa visita do interventor até a Borda da Mata. A ordem dos fatores… Em ambas há um mesmo parágrafo: Trocam cumprimentos e o Dr. faz a Lampião uma indagação que entrou para galeria das “máximas cangaceiras: – “Então, como devo chamá-lo, capitão ou coronel? Porque eu também sou capitão e deve haver aqui uma hierarquia – como oficial do exército não posso ser comandado pelo senhor”. Lampião compreendeu a malícia e replicou: – “Pois desde já o senhor está promovido a coronel”.
"Lampião e seus cabras passaram quase todo o ano de 1929 em Sergipe, onde na mais perfeita tranquilidade circulavam da Borda para a Jaramataia. Foram longas conversas, documentadas pela câmera fotográfica de Eronildes. Em 27 de novembro de 1929 foram registrados os momentos em que o cangaceiro posa de perneiras que compunham o uniforme do capitão Eronildes (acima)
Fonte:Lampião Aceso de Kiko Monteiro
Lampeão e seu o bando, na Jaramataia.
Lampeão e seu grupo montados em cavalos.
Permitam aqui abrir um parêntese para reproduzir artigo do pesquisador Antônio Correa Sobrinho, sobre a força cangaceira em Sergipe: "Cangaceiros em Sergipe, logo nos remete à figura de Virgulino Lampião e seus comandados, a partir de março de 1929, quando, adentrando por Carira, fez do pequeno estado nordestino seu principal refúgio. Todavia, podemos dizer que a atuação de cangaceiros neste Estado, iniciou-se, pelo menos, em dois momentos, em 1906, quando da chamada "Revolta de Fausto Cardoso", e, ainda antes de Lampião, desta vez de forma mais efetiva, durante a Revolta de Augusto Maynard, em 1924. Em ambos os casos de forma mercenária.
Em 1906, cangaceiros foram contratados pelo movimento sedicioso liderado por Fausto Cardoso. O jornal situacionista "O Estado de Sergipe”, na ocasião da sublevação, declarou o seguinte: “Já muitos dias antes da revolta, os adversários desta cidade, mais tarde progressistas, anunciavam francamente a queda da situação. Os Aguiar rumorejavam que se faria, com assentimento do chefe da nação, a deposição do governo do Estado, logo que no solo sergipano pisasse o Dr. Fausto Cardoso. Não se guardava reserva.
As manifestações de força eram feitas às escancaras e as encomendas de cangaceiros para os municípios sertanejos faziam-se de maneira tal, tão francamente, que ninguém as ignorava.” É de se registrar que o famoso militar Augusto Maynard (foto acima) , interventor federal em Sergipe por duas vezes, na ditadura getulista, anos depois, foi um dos liderados por Fausto Cardoso. Não sabemos se cangaceiros participaram efetivamente da tomada do governo de Guilherme de Campos, na manhã de 10 de agosto de 1906, embora não haja dúvida de que civis pegaram em armas naquela ocasião. Os filhos do deputado Fausto Cardoso, por sinal, ao serem entrevistados, falando a respeito da morte do pai, chegaram a afirmar que o pai podia contar com 4.000 homens dispostos a tudo.Em 1924, cangaceiros também atuaram contra os comandados de Augusto Maynard, os tenentes do Exército brasileiro em Sergipe, e a favor do governo Graccho Cardoso. Quanto à participação de cangaceiros nas hostes dos revoltosos, os tenentes de Maynard, é de se supor que, dentro de uma lógica, sim. O cangaceiro Corisco, que em 1924 andou servindo por aqui, esteve de um lado ou do outro, ou seja, da legalidade ou da ilegalidade; é de se saber.
Vale mencionar que, do lado do governo Graccho Cardoso esteve Eronildes de Carvalho, que também foi interventor em Sergipe, no tempo de Getúlio. Sobre a participação do "batalhão" de Porfírio Brito, de Propriá, assim declarou o governador Graccho Cardoso, após vencida a revolta: “Porfírio Brito e os seus destemerosos companheiros encarnaram o primeiro protesto armado em Sergipe. Permitam os fados que não se perca dos nossos anais a beleza republicana desse exemplo” (“Tenentismo em Sergipe”, de Ibarê Dantas).Os nomes dos destacados homens públicos sergipanos, Augusto Maynard e Eronides de Carvalho, neste meu argumento, meu objetivo foi mostrar que ambos, em momentos da história, contaram com a ajuda de homens proscritos, marginalizados, foras da lei, criminosos, cangaceiros.Talvez esteja aí uma das razões do cangaço lampiônico em Sergipe ter sido tão tolerado, afagado quase, por estes dois governantes." Conclui Antonio Correa Sobrinho.
A tragédia das ferrações em Canindé Naquele distante janeiro de 32, Lampião e seu bando estacionaram em Canindé; atual Canindé do São Francisco; é Luitgarde Barros em seu livro "A Derradeira Gesta" que nos conta:"o lugarejo devia estar mais que guarnecido, já que, cumprindo uma das promessas de 30, o governo tinha distribuído pelotões do exercito por várias localidades do sertão, para o combate ao cangaço. Em Canindé esta sediado um destacamento do exercito sob o comando do Tenente Matos, do 28º B.C.de Aracaju" e continua Luitgarde,"Lampião resolve punir o povo de Canindé mandando avisar por um coiteiro que está arranchado ali perto. O oficial decide ir dar fogo aos cangaceiros, pedindo ao coiteiro que os leve ao esconderijo, se retira do povoado com o sargento Jucá, todos os seus praças e dua volantes de Sergipe comandadas pelo sargento Miranda e tenente Manoel Ramos, deixando o lugar totalmente desguarnecido". Ali moravam vários membros da família Marques, dentre esses o soldado Vicente Marques que em ocasião passada havia espancado a mãe do cangaceiro José Baiano para que ela denunciasse o paradeiro do filho bandido. O momento da vingança havia chegado... O "gorila de Chorrochó" como era conhecido José Baiano, perpetuaria ali um dos mais bárbaros e cruéis episódios contra a dignidade humana, Alcino Alves Costa chamou de "Tragédia de Canindé do São Francisco".
Cangaceiro José Baiano, protagonista das "ferrações" em Canindé
Primeiro foi capturada a irmã do soldado; Maria Marques, a infeliz sertaneja receberia na face a sanha do perverso cangaceiro. Segundo o escritor José Bezerra Lima Irmão em seu "Raposa da Caatinga" : "...Zé Baiano decidiu deixá-la marcada para sempre e mandou que um morador chamado Zé Rosa fosse buscar um ferro de marcar gado. Zé Rosa tinha sido vaqueiro do finado coronel João Brito (João Fernandes de Brito). Trouxe o primeiro ferro que encontrou, o ferro utilizado no passado para marcar os bois de seu falecido patrão, que tinha as letras “J-B”, de João Brito." Aqui, a partir do relato de Bezerra a origem do ferro "JB" que não teria ligação com o nome do cangaceiro. Foram marcadas em ferro da mesma forma mais outras duas mulheres, que possuíam ligações com as forças volantes. O fato de perpetrar tão medonho ato em Canindé de Baixo; naquela época ainda um pequeno arruado de cerca de entre 120 e 130 casas, mas já destacado pólo estratégico comercial do couro; inclusive os Britto possuíam curtumes e canoas de toldas para os respectivos transportes a partir dali; denotavam o poder que Virgulino e seus cabras possuíam em Sergipe. Agindo "às claras" sem medo de represálias.
Dona Maria Marques, já em idade avançada, mas com a marca da perversidade de José Baiano naquele janeiro de 1932.
As Volantes
Estavam no encalço dos cangaceiros duas volantes: A volante do tenente Liberato de Carvalho com homens da Bahia e a do tenente Manoel Neto, formada em sua maioria por homens de Pernambuco, notadamente de sua Nazaré. Ambas foram levadas a Canindé pela repercussãoavassaladora do trágico episódio das ferrações recém relatadas acima. A ousadia dos bandidos das caatingas chegava ao limite da indignação, principalmente aos homens de Manoel Neto; feras criadas para o combate contra o cangaço.
Os homens das forças volantes reunidas em Canindé deviam partir sem demora no encalço dos cangaceiros, o que para grande parte das duas tropas seria um grande desafio, o que de fato foi; feito que já vinham em perseguição ferrenha e sem descanso na pistas dos celerados havia dias...Manoel Neto comandava seus homens, dentre esses; inúmeros Nazarenos, desde Jatobá. Já os homens de Liberato de Carvalho, dentre esses; Mané Véio e Zé Rufino; estavam na Malhada da Caiçara quando souberam do acontecido em Canindé . Mais uma vez a estratégia daria lugar ao ódio e ao desejo de vingança, comprometendo o senso de planejamento para a perseguição e o posterior êxito no combate iminente.
Tenente Liberato de Carvalho, um dos chefes de volantes em Maranduba.
Irmão do coronel João Maria de Carvalho, do famoso clã Carvalho da Serra Negra; hoje Pedro Alexandre-BA. Foi nomeado comandante das forças unificadas nordestinas no combate ao banditismo.
E Luitgarde Barros, novamente em seu livro "A Derradeira Gesta" escreve: " Liberato de Carvalho é um comandante de volante sui-generis. Sendo oficial do exercito, recebeu o posto de coronel da policia baiana, tendo sido comandante em chefe das Forças Contra o Cangaço no Estado da Bahia.Era natural da Serra Negra, onde viviam seus dois irmãos João Maria e Piduca Alexandre de Carvalho, conhecidos protetores de Lampião". Permitam aqui um parêntese, para a partir da "pena mágica" do Conselheiro Cariri Cangaço, Rangel Alves da Costa, conhecermos um pouco mais o Clã Carvalho: de Liberato, seus irmão João Maria, Piduca e sua Serra Negra, atual município baiano de Pedro Alexandre, ali vizinho a Poço Redondo em Sergipe. E assim escreve o poeta Rangel no artigo "Liberato de Carvalho,Coronel João Maria e Zé Rufino: Quase um poema Drummondiano para Lampião..."
Coronel João Maria da Serra Negra, irmão do tenente Liberato de Carvalho.
No seu famoso “Quadrilha”, diz o poeta Carlos Drummond de Andrade que “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”. Mas o que isto tem a ver com a história de Lampião? Calma. Chegaremos lá, mas anteciparemos um quase poema drummondiano para Lampião: O Tenente Liberato de Carvalho amava seu irmão Coronel João Maria de Carvalho que amava seu compadre Zé Rufino, que amava os dois e que também amava matar cangaceiros. Liberato perseguia o cangaço, João Maria protegia cangaceiro e Zé Rufino ao compadre respeitava. Liberato nunca prendeu Lampião, Zé Rufino nunca arrancou sua cabeça e João Maria viveu seu coronelato sendo amigo de todo mundo.
Um nó apertado demais para ser afrouxado, não é mesmo? Talvez uma história intrincada demais para ser entendida, não é mesmo? Mas explicaremos para que se entenda melhor o tabuleiro de xadrez sob o qual o cangaço se estendia, em meio a labirintos até hoje incompreensíveis a muitos e como frangalhos da história que até o presente não foram devidamente juntados. Acrescente-se, contudo, que o poder de sedução do famoso cangaceiro não só dava nó em pingo d’água como tornava a seu favor o impensável de acontecer.
José Rufino, um dos maiores perseguidores de cangaceiros, estava presente
no Fogo do Maranduba.
E a você, torna-se claramente compreensível que os irmãos Liberato de Carvalho e João Maria de Carvalho, fraternos amigos enraizados na baiana Serra Negra (hoje Pedro Alexandre) tenham atuado de lado opostos perante o cangaço? E que Zé Rufino, com quartel na mesma cidade, fosse tão implacável na caçada aos cangaceiros e ao mesmo tempo devotado a seu compadre João Maria, abertamente protetor e acolhedor não só dos guerreiros do sol como de qualquer um renegado que chegasse à sua varanda?
Liberato Matos de Carvalho (1903-1996), na condição de Tenente-coronel, foi comandante de volante e participou do famoso Fogo da Maranduba (ocorrido em 9 de janeiro de 1932, na fazenda Maranduba, no então distrito sergipano de Poço Redondo), onde seus soldados - ao lado da força pernambucana sob as ordens do tenente Manoel Neto), foram fragorosamente derrotados pelos homens de Lampião. Chegou a ser nomeado comandante das forças unificadas nordestinas no combate ao banditismo.
Seu irmão João Maria de Carvalho (1890-1963), de patente militar e de latifúndio, caracterizou-se como líder local e além-fronteiras, exercendo seu poder de mando não só nos seus domínios baianos como no sertão sergipano, onde era dono de quase uma dezena de grandes propriedades. Tido por muitos como protetor de bandidos, comandante de jagunços e amigo de cangaceiros, a verdade é que exerceu sua primazia coronelista sendo obedecido e respeitado até o fim da vida.
Já o Tenente Zé Rufino (José Osório de Farias, 1906-1969), um ex-sanfoneiro que, segundo dizem, passou a integrar a volante temendo represália de Lampião por não ter aceitado ser cangaceiro e animar a cangaceirada com o seu fole, acabou se constituindo num dos mais implacáveis perseguidores e matadores de cangaceiros, tendo dado cabo de cerca de vinte. Jamais conseguiu, contudo, enfrentar Lampião no olho a olho. Ou talvez sua esperteza falasse mais alto, evitando o confronto direto. Seu quartel-general era situado na baiana Serra Negra, na mesma localidade de mando do Coronel João Maria, de quem era amigo e se fez compadre.
Há de se indagar, então: Havia algum compromisso entre João Maria, seu irmão Liberato e Zé Rufino. E mais: O compromisso firmado entre eles envolvia, não o bando cangaceiro em si, mas a figura de Lampião? Será que Lampião deveria ser preservado por ordem dada por João Maria ao irmão e ao compadre? Sabe-se que Liberato enfrentou Lampião no Fogo da Maranduba e foi derrotado, ainda que as volantes contassem com um número três vezes maior de homens do que cangaceiros. Será que o comando de Liberato não se empenhou suficientemente para a derrocada cangaceira?
Cariri Cangaço em visita à casa do coronel João Maria, em Serra Negra
No seu famoso “Guerreiros do Sol”, relata Frederico Pernambucano de Mello, às fls. 291, uma confissão de Sila (no seu livro Sila: uma cangaceira de Lampião) que, se verdadeira, justificaria o trânsito livre de Lampião perante os irmãos Carvalho e até mesmo por Zé Rufino. Diz Sila que Liberato e Lampião mantinham secretos laços de amizade. Acreditem: secretíssimos laços de amizade! Mais adiante diz o autor:
“De seu irmão, fazendeiro João Maria de Carvalho, chefe político de Serra Negra, Bahia, sempre se soube ser amigo e protetor de bandidos, especialmente de Lampião e seus cabras, com uma atividade de coiteiros bastante intensa, como consta deste livro (referindo-se ao livro de Sila). Quanto a Liberato, seus laços in pectore com o Rei do Cangaço são nada menos que estarrecedores”. Relata ainda o autor que Sila diz no seu livro que após dar a luz seu primeiro filho, Lampião pediu que ela entregasse a criança ao amigo Liberato para criá-la. Não se deve acreditar muito nos testemunhos de Sila. Contudo, há um emaranhado ainda não encaixado bem: Por que o Coronel João Maria atuou livremente na defesa e proteção de cangaceiros, e logo tendo Liberato e Zé Rufino na sua sala?"
A distância entre Canindé e Maranduba não é tão grande, fazendo um trajeto em linha reta talvez vamos ter ali cerca de 20 km, um pouco menos um pouco mais talvez, considerando que os cangaceiros e volantes chegavam a andar cerca de 40 a 50 km em um único dia... Dessa forma como as volantes possuíam informações seguras do paradeiro de Lampião, partir imediatamente era uma possibilidade. E assim Manoel Neto tomou a decisão e a dianteira, era urgente.
Aqui transcrevemos em grande estilo; do extraordinário "Lampião Alem da Versão" do grande Alcino Alves Costa; a saga das volantes rumo ao fatídico fogo do Maranduba, assim relata o Caipira de Poço Redondo: "O povoado ribeirinho de Cajueiro é o primeiro a ser visitado. Lá e em seus arredores vive uma leva muito grande de perigosos coiteiros: os Félix, os Rosas, os vaqueiros de Antônio Caixeiro e os da Badia. Toda essa gente sabia do roteiro de Lampião e seu bando. Era uma verdade. Naquelas paragens da beira do lendário rio sertanejo, o grande bandoleiro se considerava em sua própria casa. Mesmo assim, naquela passagem não iria se demorar. Sabia que seria tenazmente perseguido e apesar dos insistentes pedidos de seus comandados que desejavam realizar um baile, na fazenda Santa Cruz não se demorou. Apressado, se embrenhou na mataria. A volante vinha célere em seus pisos. Surge, então, um grave obstáculo no meio da tropa. Sério inconveniente que, como adiante se verá, se tornou em uma total e absoluta tragédia.
E continua Alcino: "Quais os problemas surgidos? Os homens de Pernambuco, veteranos das caatingas, achavam que possuíam uma ascendência muito grande sobre os da Bahia. Estes, na verdade, inexperientes e sem o traquejo dos pernambucanos, eram, como aqueles, valentes ao extremo. Todos eles acostumados com o mundo bravio dos sertões, uma vez que também eram filhos daquelas terras de sofrimento. Orgulhosos, não aceitavam as provocações e nem os “dixotes” dos do sertão do Pajeú. As desavenças aumentaram. O nunca esperado aconteceu. Os comandantes das volantes tomaram posição, cada um em favor de seus comandados. A soberbia do vesgo de Nazaré criava, ainda mais, em Liberato e seus comandados reações que estavam beirando ao desprezo e ao ódio. Se o nazareno queria porque queria demonstrar ser ele e os seus os maiores, os melhores, os realmente valentes; o irmão de João Maria não fazia por menos; asseverava alto e bom som, que sua volante era a que possuía os homens mais valentes do Brasil e do mundo. A porfia se tornou tão severa que não se pensava mais em Lampião, o empenho agora consistia em quem era quem na caça ao lendário bandoleiro.
O despeito e a vaidade dos dois comandantes foram à causa da perdição dessa numerosa tropa. Os perseguidores já ultrapassaram os difíceis carrascos das serras do São Francisco. Agora caminham pelas terras brancas de Poço Redondo. Passam pelas lagoas da Pedra e do Curral. A tarde descamba. O sol vai se escondendo no horizonte. A caterva se destina a fazenda de China, o Recurso. Lampião e seu bando estão nos arredores da Queimada Grande de Piduca Alexandre, um dos irmãos do comandante baiano que está no encalço da malta bandoleira. A jornada está sendo muito forte. Cada componente de uma das volantes não quer, sob pretexto algum, demonstrar fraqueza ou cansaço. Na verdade, o esforço que estão fazendo está deixando a maioria dos soldados completamente sem forças e extenuados. A sede, a fome e o sol escaldante deixam todos relegados a verdadeiros trapos humanos. E era este inesperado fator a grande vantagem dos bandoleiros perseguidos. O sertão está encoberto pelo manto escuro da noite. Os enfraquecidos e combalidos “macacos” já estão desanimados. Formam pequenos e separados grupos, uns bem distantes dos outros. A noite chega e chega com uma escuridão de azeviche. Impossível alguém conseguir caminhar em hora tão imprópria.
Mas, os obstinados comandantes não param. Desprezando todas as normas militares, dominados pelo orgulho, prepotência e empáfia, são impedidos de raciocinar corretamente. Imperdoável atitude que arruinou as volantes, jogando seus componentes numa das maiores tragédias da campanha cangaceira, com muitos feridos e outros mortos. A ordem era mostrar força e coragem, nunca sinais de fraqueza. A noite deixa todos sem saber para que lado seguir. Escutam o tilintar de chocalhos. Conhecem profundamente as coisas sertanejas. Sabem que as campainhas estão no pescoço da “miunça” (cabras ou ovelhas) de alguma fazenda próxima. Caminham na direção dos guizos. Sabiam que se espantassem as criações, elas correriam para o chiqueiro da propriedade que pertenciam. Assim foi feito. Tangidos pelos soldados os animais correm para a fazenda. A tropa se orienta pelo tilintar das sinetas. Horas depois desponta numa grande malhada. Estavam na afamada Queimada Grande.
Os perseguidores estão vencidos pela sede e pela fome. Cansados e estropiados procuram o tão almejado e merecido descanso. Estão morrendo de sede. Saciar a feroz sede e a terrível fome que está destroçando os soldados é a principal e urgente prioridade dos comandantes. A água disponível é muito pouca. O vaqueiro e seus filhos se apressam em ir apanhá-la nas pias ali próximas. Potes e cabaças transportam o precioso liquido. A água é pouca. A soldadesca está morrendo de sede. O velho vaqueiro é pai de Zé Joaquim, o rapaz que anos depois foi barbaramente assassinado pelo perverso Juriti. Antônio Joaquim oferece seus préstimos aos soldados, mas pouco conversa. Cumpre suas obrigações para com os militares sem, no entanto, demonstrar a menor alegria.
O famoso Mané Véio, ou Antônio Jacó, ou Euclides Marques;
da tropa de Liberato de Carvalho
Já é madrugada e ainda continua chegando “macaco”. Um grupo confirmou que na Lagoa do Vestido e na Lagoa do Cocho ficaram vários companheiros arreados, por não suportarem a sede. Providências teriam que ser tomadas para acabar com o tormento dos companheiros. Os soldados são da Bahia, seu comandante ordena que João Pintadinho e seu irmão Martim sigam imediatamente, acompanhados de um dos filhos de Antônio Joaquim (Manoel) e levem água para os sedentos. O que a tropa não havia percebido era que a sisudez do vaqueiro tinha um motivo altamente justificável; Lampião e sua malta haviam deixado a fazenda naquela tardinha e, com toda certeza, estavam pernoitando pelas redondezas. Levado por um misterioso pressentimento, Lampião, em vez de pernoitar na grande fazenda de Piduca, que seria a opção coerente e certa, prefere viajar um pouco mais e ir dormir na fazenda Santo Antônio, há uma légua acima da Queimada Grande.
À noite a “força” chega à fazenda do homem da Serra Negra. O combate será iminente. Soldado e bandido estão praticamente juntos. O relacionamento entre as volantes continua lastimável. Os dois comandantes, em vez de procurar acabar com o problema, deixam de lado os seus deveres e responsabilidades, desprezando a condição de chefes daqueles servidores da lei e da ordem; para, ainda mais, através de suas desmedidas vaidades, aumentarem a animosidade existente entre seus homens, esquecendo que aquela dura missão que lhes fora confiada tinha como especial finalidade o extermínio do flagelo, da peste que destruía tudo, o cangaço. A porfia dos pernambucanos com os baianos havia se tornado num perigoso e grave problema. As volantes eram compostas de homens geniosos e soberbos. Todos, encaprichados, não queriam “dar o braço a torcer”, não permitindo que um se mostrasse mais valente, mais forte, ou ainda, mais capaz do que o outro.
Bravo Nazareno Manoel Neto, o "cachorro azedo" ou "Mané Fumaça"
A vaidade, o capricho e a soberbia foram alguns dos maiores males da gente sertaneja. Naquela mesma noite, mesmo com seus homens cansados e estropiados, Mané Neto, querendo se mostrar o homem de ferro, de sem igual resistência, que tanto alardeava, fez questão que seus comandados seguissem em frente, sem considerar a dramática situação que todos se encontravam. A ordem do militar de Pernambuco era uma afronta, um acinte a dignidade humana; seus comandados e os da Bahia estavam estropiados, esfolados e cansados da penosa caminhada. A noite é avançada. Por que seguir mais além? A ordem teve que ser comprida. A tropa nazarena seguiu em frente, foram dormir na fazenda Poço do Mulungu. Bem perto, menos de meia légua, do local onde Lampião e seu bando dormiam. Cedinho, ainda madrugada, os baianos despertam e viajam. Com eles à vontade de alcançar os pernambucanos ainda pela manhã. Os baianos estão animados, alegres e descontraídos. À noite de descanso havia ajudado bastante. João Batista, zombando de Mané Neto, imita o seu caminhar desmantelado, defeito adquirido desde o combate da Serra Grande quando saiu baleado nas pernas.
No Poço do Mulungu as volantes voltam a ficar juntas. Experientes, começam a sentir um clima de combate. Algo estranho, misterioso e diferente paira no ar. Todos se voltam para os perigos de um tiroteio. A iminente batalha forma uma cadeia de união que até então faltava entre eles. Só agora percebem que estão expostos e sujeitos aos mesmos perigos. A qualquer instante estarão enfrentando a cangaceirada, razão mais do que suficiente para que se unam e se preparem para a terrível luta que os espera. Ainda cedo chegam ao Santo Antônio. É o local aonde a cabroeira dormiu. Madrugadores, os cangaceiros haviam se retirado. Deixam uma verdadeira rodagem. Não se preocupam em esconder a trilha. Não se tem mais dúvida, o tiroteio será sem tardança. Apesar do descanso da noite a soldadesca ainda sofre com os rigores da fortíssima caminhada que estava encetando. Um grande número de soldados, principalmente os da Bahia, está destroçado, sem nenhuma condição física. Muitos deles já haviam atingido o limite máximo de suas resistências, estavam enfraquecidos e combalidos, por conseguinte não tinham condições de acompanhar o ritmo avassalador dos nazarenos que, doidos para se confrontarem com o grande inimigo, se distanciavam cada vez mais dos baianos.
Lampião Chama Luís Pedro e ordena: — Avise ao pessoá qui enquanto nóis num preparar os sentinelas, eu num quero ninguém desequipado, quero todo mundo aperparado e pronto pra uma surpresa. Achu qui a quarquer momento a gente vai ser atacado.
Liberato percebe que seus comandados não estão suportando aquela duríssima jornada e, preocupado, ver seus soldados dispersos e muito afastados uns dos outros. Procurou agrupá-los; porém, temendo a reação de seu colega que bem poderia imaginar que tudo não passava de uma manobra para não enfrentar o rei dos cangaceiros, resolveu silenciar e deixar tudo correr conforme o momento se apresentasse. Jamais daria lugar para o nazareno pensar que ele e os seus teriam medo de enfrentar os facinorosos comandados pelo capitão do cangaço. A trilha é fácil, muito clara. Os bandidos caminham na direção dos cerrados de cipó de leite da Maranduba, braba caatinga de Poço Redondo.
Os “fechados” da Maranduba eram, e ainda são, uns dos mais falados daquela região sertaneja de Sergipe. Mataria grossa: o cipó de leite, o bom nome, o angico, a aroeira, a braúna, a barriguda, a umburana, a quixabeira e o umbuzeiro fazem daqueles desertos, moradia do gato, da ema, do caititu, do tatu-bola e do peba. Baixadas e grotões onde só vaqueiros campeões corriam atrás de bois; corredores famosos como os Soares, o maioral Milinho; João Preto, os Teobaldo, os da Cuiabá e os de João Maria: Adolfo e Manezinho Cego, o famoso Manezinho de Rosara. Bem próximo, naquele emaranhado quase que intransponível de caatinga, está o coito de Lampião. É naquele local que as mulheres cangaceiras esperam seus homens que retornam de mais uma de suas costumeiras razias. Os soldados vão chegando. Chegam numas pias. Espantados, vêem pingos d’água que caem da madeira que cobre a fonte de pedras. À hora havia chegado. Os bandidos estavam nos arredores acoitados. Ao redor do lajedo apenas uns quinze homens das volantes. O grosso da tropa está atrasado. Alguns soldados estão na casa velha da Maranduba e outros ainda nem lá chegaram. Mané Neto, louco por uma desforra, resolve não esperar os retardatários, segue em frente, sabe que os homens de Lampião estão bem próximos, ali naquela mataria. No entanto, não sabe o valente militar que a natureza havia presenteado aquela parte da caatinga com um extraordinário anel, formado por um maravilhoso circulo. Sete umbuzeiros circundam belamente as pias. É uma paisagem de raríssima beleza. É nesse anel modelado por sete umbuzeiros que Lampião se refugia com sua cabroeira." Conclui o Mestre Alcino em seu "Além da Versão"...
Tenente Manoel Neto: "Nunca vi tanta bala como vi no combate do Maranduba"
"Outra coisa que se comentava foi que no local em que aconteceu o fogo do Maranduba, durante vários anos, das árvores e dos matos rasteiros não ficaram folhas, tudo era preto, como se tivesse passado um grande fogo. As árvores ficaram completamente descascadas de cima abaixo, de balas”
Estive em Maranduba por seis vezes; 2008, 2009 e 2010 ao lado de Alcino Alves Costa, em 2012 numa Caravana Cariri Cangaço; ao lado do mesmo Alcino além dos Conselheiros Cariri Cangaço; Juliana Pereira, João de Sousa Lima, Aderbal Nogueira e Múcio Procópio e os pesquisadores, Lívio Ferraz, Afrânio Gomes e Luiz Camelo. Depois mais recentemente em dois grandes eventos do Cariri Cangaço; em 2015 e 2018; quando levamos pela primeira vez ao lendário cenário de Maranduba mais de 200 pesquisadores de todo o Brasil.
Conselheiros Cariri Cangaço, Juliana Pereira e Alcino Alves Costa em visita
do Cariri Cangaço a Maranduba em 2012.
Manoel Severo ao lado da Cruz dos Nazarenos em 2012
Aderbal Nogueira em uma das pias do Maranduba, em 2012
Lívio Ferraz, Afrânio Gomes, Mucio Procópio
Vendo de perto a lendária Maranduba, sua geografia e relevo, vegetação, pisando aquele chão e sob as orientações de Alcino Alves Costa, quase chegávamos a ver como as tropas de Manoel Neto e Liberato de Carvalho se posicionaram e se aproximaram, o recuo estratégico dos cangaceiros; a distribuição dos mesmos em semi-circulo contando com a cumplicidade dos famosos umbuzeiros; só assim vamos entender o quanto foi surpreendente o desempenho e a resistência dos 32 homens de Virgulino contra as forças de baianos e pernambucanos de Manoel Neto e Liberato de Carvalho.
O Fogo do Maranduba pelo pesquisador e colecionador Ivanildo Silveira, Conselheiro Cariri Cangaço, em visita do Cariri Cangaço ao Maranduba em 2015. Imagens da Laser Video de Aderbal Nogueira
Fonte: You Tube Canal: Aderbal Nogueira
O Combate
O combate teria iniciado perto do meio dia daquele 09 de janeiro de 1932 e se estendeu até o sol se pôr. Os cangaceiros estariam se preparando para comer e as pias distribuídas no terreno iriam fornecer a água necessária para os próximos caminhos, dispostos sob a sombra dos sete famosos umbuzeiros do lugar. As duas volantes, extropiadas da longa jornada de vários dias, se aproximavam pela caatinga da Maranduba tendo o tenente Manoel Neto na dianteira e no comando de seus homens. Logo em seguida, numa certa distância vinham os baianos de Liberato de Carvalho, esses divididos em dois grupos, um mais à frente ao lado do comandante e um outro mais retardatário.
É Alcino Alves Costa que nos conta em " Lampião Além da Versão" a chegada dos homens de Manoel Neto: "Os soldados vêm chegando. Chegam a umas pias. Espantados, vêem os pingos de água que caem dos paus em cima das pedras. Sinal de que os bandidos ainda estão por ali mesmo. Ao redor das pias, apenas uns quinze homens, os outros estão atrasados, alguns estão na casa velha do Maranduba e outros ainda nem lá chegaram. Mané Neto, louco por uma desforra, resolve não esperar os retardatários e seguir em frente, sabe que os homens de Lampião estão bem próximos, ali naquela mataria. No entanto, não sabe Mané Neto que a natureza havia presenteado aquela parte da caatinga com um extraordinário anel, formado por um maravilhoso círculo. Sete umbuzeiros circundam belamente as pias, é uma paisagem de raríssima beleza. É nesse anel formado pelos sete umbuzeiros que Lampião se refugia com seus homens. Havia chegado naquele mesmo momento, coisa pra menos de meia hora, demorara-se um pouco nas pias e agora espalhara seus homens pelas sombras dos umbuzeiros. A alegria é geral. Abraços e vivas fazem a felicidade de todos. Os bandidos formam uma só família. Vivem irmanados pela dor e pelo sofrimento. Apenas Lampião não tem alegria. Está taciturno e inquieto. Chama Luís Pedro e ordena: — Avise ao pessoá qui enquanto nóis num preparar os sentinelas, eu num quero ninguém desequipado, quero todo mundo aperparado e pronto pra uma surpresa. Achu qui a quarquer momento a gente vai ser atacado."
Manoel Severo apresenta o Fogo do Maranduba no Cariri Cangaço Piranhas 2015 em Poço Redondo, na igreja de Santa Luzia em Maranduba.
Archimedes e Elane Marques e Manoel Severo, no Maranduba em 2015.
E continua Alcino em sua magistral obra: "Mané Neto está saindo das pias e vagarosamente caminha na mataria. Os cangaceiros estão ali a menos de cinquenta metros. A hora da verdade chegou. Escutam as vozes alegres da cabroeira. Rápidos cercam, ou pensam que vão cercar o coito. Acham que os bandidos estão em um umbuzeiro. Jamais poderiam imaginar que ali existissem sete umbuzeiros e que os bandoleiros estivessem espalhados em todos, como também não imaginaram que os bandidos estivessem praticamente preparados para o combate, graças ao poder misterioso de Lampião que previu com precisão o momento do perigo.São exatamente duas horas da tarde. É o dia nove de janeiro de 1932. Estão frente a frente os inimigos mortais. Nazarenos e Lampião se enfrentarão, Liberato e sua força serão os coadjuvantes da tremenda desforra. A oportunidade de vingar-se do desastre da Serra Grande se apresenta e os nazarenos não poderiam deixar fugir esta grande chance. Serra Grande era uma marca dolorosa que feria profundamente a vaidade de Mané Neto; grandioso combate que ficara nos anais da guerra cangaceira, oportunidade em que as forças comandadas por nada menos que seis experientes comandantes, os temidos Arlindo Rocha, Zé Olinda, Gino, Domingos, Euclides Flor e Mané Neto, foram espetacularmente derrotados pelo iluminado cangaceiro da Ingazeira."
Lampião de forma surpreendente; principalmente pelo tempo que dispôs para montar a defesa; mesmo já havendo distribuído seus homens estrategicamente sob os sete umbuzeiros do lugar para a "bóia", que formavam uma espécie de barreira natural em forma de semi circulo, ficamos a pensar: Até que ponto e em que momento crucial Lampião identificou a aproximação das volantes e que tempo teve para "arquitetar" a ação de seus homens ? Pura intuição? Mesmo sabendo que estava sob perseguição ? Foi nessa fatídica ratoeira na qual acabaram entrando os destemidos homens de Manoel Neto. O famoso comandante nazareno quando percebeu a armadilha, já era tarde demais, imaginou que cercava o bando e acabou sendo cercado. Manoel Neto ficou inicialmente sob o fogo intenso dos cangaceiros que atiravam "de ponto" dos umbuzeiros e posteriormente também sob o fogo cruzado dos companheiros volantes das forças de Liberato de Carvalho, que chagaram depois e atiravam por sobre suas cabeças na direção do que seriam as posições dos cangaceiros. O caos estava estabelecido, era o inferno nas terras da Maranduba.
Alcino nos conta:"O momento do flagrante já passou. Estarrecidos, os soldados sentem que não conseguiram a vantagem esperada e ainda se dão conta de que já não são os atacantes; sofrem uma medonha investida. O ímpeto e ferocidade dos bandidos são inigualáveis. Começam a ficar desnorteados. Aquilo que parecia ser o início de uma gloriosa vitória começa a ser um terrível e inesperado pesadelo. A luta é de uma atrocidade impressionante. Ali está a nata dos valentões sertanejos. Verdadeiras feras. Verdadeiros suicidas. Mané Neto, o lendário vesgo de Nazaré, mostra-se realmente um valentão. A sua vaidade, a sua soberba, na verdade são nascidas de seu temperamento de ferro e de sua incomparável coragem. Liberato não deixa por menos, é também um gigante sertanejo. Juntamente com o Mané Fumaça, formam uma dupla de desassombrados comandantes que não sabem qual é o significado da palavra medo. Mas apesar da valentia dos comandantes e de seus soldados, o destino da batalha estava selado. A derrota havia se afigurado desde o início da perseguição quando o despeito entre as volantes havia decretado aquele desastre que, no momento do tiroteio, estava se consumando. O verdadeiro e maior desastre foi a chegada dos retardatários..."
Alcino Alves Costa, o caipira de Poço Redondo.
"Com o estrondar do pesado fogo eles reúnem suas últimas forças e correm para ajudar os companheiros. Não contam com a experiência de Lampião e seu bando que se haviam espalhado deixando os soldados sem saber para que lado atirar. Quando também se envolvem com a luta não discernem o alvo a ser atingido e, na ânsia de socorrer seus companheiros, disparam naqueles que se aproximam, confundidos com os inimigos. Angustiados percebem o fortíssimo e nutrido fogo em que se encontram. O desastre e a tragédia se configuram. Desesperados, Mané Neto e Liberato tentam parar o fogo cerrado de seus próprios comandados. O impossível está acontecendo, desgraçadamente seus melhores homens estão dentro de um corredor mortal, cujo tapete era o sangue de sua própria gente. As baixas começam assustadoramente a subir. Os primeiros atacantes estão sendo dizimados, os homens de Mané Neto são os mais atingidos. Desenha-se o quadro monstruoso de mais uma desastrada derrota. Dos da Bahia estão na linha da frente, além de Liberato, os valentes de Santa Brígida; Elias Marques, seu filho Procidônio e Mané Véio, os quatro baianos brigam juntos. Um pouco mais ao lado, brigam Mané Neto e João de Anízia, outros estão espalhados e amparados nos troncos das árvores. Os bandidos estão enlouquecidos. Avançam como se fossem feras, atiram e adiantam, negaceiam e progridem, gritam e atiram. Rifles e mosquetões estão em brasa, a sede é torturante, os cangaceiros em cima, endemoniados. De repente, Elias é baleado, Procidônio pergunta se o ferimento é grave, o ferido é um titã, quer lutar ao lado do filho. Responde que não. Foi apenas um ferimento no braço. A luta continua, minutos depois Mané Véio vê Elias caído, corre e ampara o tio colocando-o sobre suas pernas. Antes viu um cangaceiro como um louco pular na frente dos atiradores, parecendo que queria pegar Mané Neto à mão.O bandido está tão próximo que, sem dificuldade alguma, atira e o cangaceiro cai a seus pés. Aproveita e da cabaça do próprio bandoleiro bebe água; retirando a caneca dependurada na mesma cabaça, enche-a de água. Quando sorve o precioso líquido sente um gosto muito grande de sangue. Não se incomoda. Como está morrendo de sede torna a encher a caneca e aí vê a mesma se tingia com o sangue que pingava da cabeça do cangaceiro morto: Sabonete."
No espetacular "Lampião Entre a Espada e a Lei" do grande escritor Sérgio Dantas vamos encontrar em determinado trecho uma referência curiosa e precisa sobre a forma como os guerreiros das caatingas enfrentaram as volantes na Maranduba: "Os cangaceiros, a usar suas estranhas práticas de luta, assustam os adversários. Como animais, emitem grunidos e urrus horrendos, ao tempo em que se movimentam com rapidez e rodopiam em um estranho balé de guerra, agitando as cabeleiras fartas..." E é novamente Sérgio Dantas que nos traz no mesmo trabalho a transcrição de parte de entrevista do cangaceiro Bananeira presente ao combate, ao jornalista Joel Silveira em 1944: "Em Maranduba foi tiro de fazer medo e Lampião atirando quase de pé, gritando para todos os lados. Eu levei grito a valer de Lampião - atira Bananeira ! Marca o ponto e atira que os macacos estão atirando neles mesmo ! Eu já conhecia brigada com os macacos, mas nunca tinha visto um mundo de tiro como aquele. E se tem medo; se tem muito medo de morrer. No meio do fogo eu fui atingido na perna e me danei a gritar de dor. A bala atingiu de cheio a minha perna direita, que deixou os ossos de fora. Perdi muito sangue e quase desmaiei de sofrimento. Penso que a gente só saiu vivo dali pela experiência de Lampião". Em nossa segunda visita à Maranduba em 2009, indaguei ao Mestre Alcino: "O que poderia ter sido determinante para a fragorosa derrota das forças volantes em Maranduba ?" Alcino com o olhar perdido na imensão da caatinga do cenário trágico, ponderou: "Severo amigo, será que mesmo depois de tanto tempo perseguido e combatendo Lampião, homens experimentados como Manoel Neto, Liberato de Carvalho, Zé Rufino dentre outros valorosos volantes, haveriam de mais uma vez menosprezar a capacidade estratégica de combate do rei dos cangaceiros ?"
Como em Serra Grande e Serrote Preto, o fogo do Maranduba suscita uma das fartas polêmicas do estudo do cangaço: A genialidade de Lampião. Realmente seria ele o grande estrategista dos combates na selva nordestina? Em Maranduba Lampião estava com 32 homens, as volantes formava entre cerca de 90 e 95 soldados nas tropas de Manoel Neto e Liberato de Carvalho.
Estratégia militar "é uma designação abrangente para o planejamento de atuação em uma guerra. Deriva do grego estratego, a estratégia era vista como a arte do general. A estratégia militar lida com o planejamento e condução de campanhas, o movimento e divisão de forças, e a burla do inimigo."
Rodrigues de Carvalho chegou a afirmar, analisando estas e outras batalhas que Lampião tinha praticado “façanhas de deixar muito curso do Estado Maior com água na boca”. No caso específico de Maranduba, o historiador Rodrigues de Carvalho não hesita em afirmar que, apesar da superioridade em homens e armas, por parte das forças militares, Lampião demonstrou uma superioridade tática sobre seus adversários. Escreve ele: “E a verdade deve ser dita: quem primeiro abandonou o campo de luta foi a força”. E, mais adiante: “O fato é que durante a extensão da tremenda refrega, que foi por toda a tarde, pode dizer-se sem medo de cometer injustiça, o domínio da situação pertenceu ao ardiloso facínora.
Ex-cangaceiro Labareda, o Ângelo Roque
Vamos nos valer do depoimento de Labareda; cangaceiro Ângelo Roque; que participou do combate , prestado a Estácio Lima e publicado no livro O Mundo Estranho dos Cangaceiros, descreve o que aconteceu, naquele dia, no seu linguajar típico:
“... "Nóis cheguêmo na caatinga de Maranduba, pru vorta di maio dia, i tratemo di discansá i fazê fogo prôs dicumê, i nóis armoçá. Mas a gente num si descôidava um tico, i nóis sabia qui as volante andava pirigosa. Inquanto nóis discansava, botemo imboscada forte, di déiz cabra pra atacá us macaco qui si proximasse. Nóis cunhicia us terreno daqueles mundão, parmo a parmo. Us macaco num sabia tanto cuma nóis. Todos buraco, pedreguio, levação, pé di pau, pru perto, nóis sabia di ôio-fechado, i pudia tirá di pontaria sem sê vistado. Nisso, vem cheganou’a das maió macacada qui tivemos di infrentá. I us cumandante todo di dispusição prá daná: Manué Neto, qui us cangacêro tamém chamava Mané Fumaça, Odilon, Euclides, Arconso e Afonso Frô. Tamém um Noguêra. Nesse bucadão di macaco tava u Capitão ou Tenente Liberato, du izérto. Dizia us povo qui ele era duro di ruê. I era mesmo. Brigava cuma gente grande, i marvado cumo minino. Mas porém, valente cumo u capêta. Di nada sirvia a gente gostá i tratá com côidado um mano qui êle tinha na Serra Nêga. Essa Força toda dus macaco si pegô mais nóis na Maranduba. Nóis era trinta e dois cabra bom. U Capitão Virgulino tinha di junto, nessa brigada, us principá cangacêro: Virgino, Izequié, Zé Baiano, Luiz Pêdo, i seu criado Labareda. Dus maiorá só fartava mesmo Curisco sempre gostô di trabaiá sozinho, num grupo isculido dicangacêro, mais Dadá. Briguemo na Maranduba a tarde toda i nóis cum as vantage cumpreta das pusição, apôis us macaco num pudia vê nóis. A volante di Nazaré deve tê murrido quaji toda. Caiu, tamém, matado di ua vêis, um dus Frô, qui si bem mi alembro, foi u Afonso. Cumpade Lampião chegô pra di junto do finado i abriu di faca a capanga dêle, i achô um papé qui tinha iscrito um decreto dizeno qu ele já tinha dado vinte i quatro combate cum u cumpade Lampião. Veio morrê nu vinte i cinco. A valia qui tivemo nessa brigada foi us iscundirijo. Morrero, aí, trêiz cangacêro i trêiz ficô baliado. Us istrago qui fizemo nessa brigada foi danado ! Matemo macaco di horrô !”
"Como consequência imediata do confronto em Maranduba, o Estado de Sergipe reage. Através da imprensa, a interventoria faz a curiosa proclamação ao povo: A Diretoria de Segurança Pública, conhecedora de que o grupo de Lampião é apontado como o autor de assassínios, roubos e atrocidades sem conta, faz ciente as todas as vítimas, a necessidade das mesmas comparecerem ás respectivas delegacias policiais,a fim de serem submetidas a exame de corpo de delito direto e indireto, depois de que serão instaurados os processos nos termos da legislação em vigor. A medida visa a punição legal de Lampião, caso seja capturado". (A Tarde, fevereiro de 1932)." é Sérgio Dantas que nos apresenta a pérola acima, e o mesmo Dantas arremata: "O apelo, claro, não surte qualquer efeito". Eita Maranduba !
O Cariri Cangaço na Maranduba Em 2015, pela primeira vez uma caravana contando com mais de 200 pesquisadores visita a Maranduba. Dentro da Programação do Cariri Cangaço Piranhas 2015, tivemos esse importante momento em Maranduba, coordenado pelos Conselheiros Cariri Cangaço, Archimedes e Elane Marques. A programação contou com a apresentação do Fogo do Maranduba pelo curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo, em seguida uma visita ao cenário do combate com a presença de dezenas de pesquisadores e por fim uma benção em memória das vítimas da refrega; na cruz dos Nazarenos; efetivada pelo capelão do Cariri Cangaço, padre Agostinho.
Fonte: YouTube Canal: Maria Bonita Momento em que o Capelão do Cariri Cangaço eleva preces pelas vítimas do Fogo do Maranduba no Cariri Cangaço 2015 Fonte: You Tube Canal:Maria Bonita de Raul Meneleu
Mais uma vez e novamente as forças volantes viriam a cometer os mesmos erros de combates anteriores e acabaram envolvidos por várias linhas de tiros, engenhosamente armada por Lampião e seus cangaceiros. Será que a perversidade do selvagem ato dos cangaceiros em Canindé unido ao cansaço de longa perseguição ao bando acabou de alguma forma interferido na lucidez e zelo dos comandantes das tropas diante da eminente possibilidade de "pegar" Lampião ? E novamente a coragem invulgar de Manoel Neto, dita "beirando a loucura" iria traduzir-se em imprudência e novamente o fator numérico se fez de rogado e a superioridade numérica dos soldados não se mostrou eficaz.
É Conselheiro Cariri Cangaço, Manoel Belarmino, que nos conta: "Oito soldados das volantes morrem ali. Da tropa de Liberato da Serra Negra morreram Pedrinho de Paripiranga, Manoel Ventura, João de Anizia e Elias Marques. Da tropa de Manoel Neto, dos nazarenos, morreram ali entre os sete pés de umbuzeiro do Maranduba mais quatro soldados das volantes: Hercílio Nogueira, Adalgiso Nogueira, João Cavalcante e Antônio Benedito da Silva. Apenas dois cangaceiros da parte de Lampião foram mortos nesse combate, Sabonete e Caatingueira e o cangaceiro Quina-Quina ficou gravemente ferido, vindo a óbito dias depois do evento Fogo do Maranduba." Mais uma vez o rei do cangaço viria impor dor e desespero a seus principais inimigos, ao final, dentre os muitos que tombaram sem vida, confirmados 4 homens de Nazaré: Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira (primos dos irmãos Flor), João Cavalcanti de Albuquerque (tio de Neco Gregório) e Antônio Benedito da Silva (irmão por parte de mãe de Lulu Nogueira, filho de Odilon Flor). Entre os soldados, além dos oito mortos ,oito acabaram feridos, já entre os cangaceiros , tres mortes e quatro ficaram feridos.
Imagens do Cariri Cangaço 2015 na Maranduba
Elisângela e Lamartine Lima e Manoel Severo
Manoel Severo e Conselheiros Cariri Cangaço; Cristina Couto e Celsinho Rodrigues
Lívio Ferraz e Conselheiros Cariri Cangaço, Wescley Rodrigues, Juliana Pereira e Kiko Monteiro.
Josué Santana, Joventino, Manoel Severo e Neli Conceição
Testemunhas mudas que se perpetuam ao longo do tempo...
Abreu Mendes, Cristina Couto, José Romero, Manoel Severo, Jeová, Maria Cecília, Neli Conceição e Rui Gabriel
Conselheiros Cariri Cangaço, Luiz Ruben e Aderbal Nogueira
Sálvio Siqueira, e Ednaldo e Gilmar Leite
Tomaz Cisne, Ana Lucia e Ingrid Rebouças
Afrânio Gomes, Ana Lucia, Juliana Pereira e Wescley Rodrigues
Manoel Severo e Patrícia Brasil
Em 2018, concretizando um antigo sonho de Alcino Alves Costa, o Cariri Cangaço chega desta vez, de forma oficial a Poço Redondo com a realização no mês de junho, mês de aniversário do Caipira, o Cariri Cangaço Poço Redondo, infelizmente o Mestre Alcino já não estava entre nós, mas o evento foi todo dedicado à sua memória e a seu legado. Como coordenadores do evento, dois Conselheiros filhos do lugar: Rangel Alves da Costa e Manoel Belarmino; além de Maria Oliveira e a gestão municipal tendo a frente Junior Chagas e grande equipe, mais uma vez tivemos a visita emblemática à Maranduba, desta vez com 230 pessoas. A programação constou de recepção pelo Grupo Cultural e de Teatro Raízes Nordestinas tendo a frente Rafaela Alves, conferência sobre o Fogo do Maranduba com o Conselheiro Cariri Cangaço, Ivanildo Silveira, visita e inauguração dos Marcos Históricos por Junior Chagas e toda comitiva, por fim, bençãos pelo capelão do Cariri Cangaço, Padre Agostinho.
Rafaela Alves, Manoel Belarmino e Manoel Severo no Maranduba.
Em junho de 2018 o Cariri Cangaço realizou mais um grande seminário, desta vez nas terras sergipanas de Poço Redondo, dentro da programação: O Fogo do Maranduba; veja como foi a recepção à caravana Cariri Cangaço no Maranduba. Imagens de Robério Santos
Fonte: You Tube Canal: O Cangaço na Literatura por: Robério Santos
Conselheiro Cariri Cangaço Ivanildo Silveira em conferência na fazenda Maranduba no Cariri Cangaço Poço Redondo 2018
Mais do Cariri Cangaço Poço Redondo 2018 em terras da fazenda Maranduba, por Robério Santos em O Cangaço na Literatura
Fonte: You Tube Canal: O Cangaço na Literatura.
Rangel Alves da Costa, Conselheiro Cariri Cangaço; filho de Alcino Alves Costa, Patrono de nosso Conselho Curador.
Maranduba de Poço Redondo, Poço Redondo capital do cangaço... Rangel Alves da Costa; Conselheiro Cariri Cangaço; revela: "Segundo os relatos históricos, Lampião parecia mesmo ter escolhido Poço Redondo como uma segunda casa sua. A primeira era a caatinga, com varanda de xiquexique e assento de mandacaru. Mas a família era grande, era muita, espalhada por todos os sertões nordestinos. E em Poço Redondo mantinha amigos fiéis, tinha acolhida, comida à mesa, tudo o que precisasse. E também a simpatia de tantos jovens que decidiram entrar para o seu bando.Num misto de temor e reverência, aliado ao fato de que o homem sempre estava por ali desafiando as volantes, verdade é que mais de trinta filhos de Poço Redondo seguiram a trilha do bando de Lampião. Mocinhas muitas novinhas, ainda na adolescência, se encantavam com aqueles “artistas” das caatingas e seguiam seus destinos de amor cangaceiro. Assim foi com Adília, Sila, Enedina, Rosinha e outras. Dentre os meninos de Poço Redondo estavam, por exemplo, Cajazeira, Canário, Elétrico, Mergulho, Novo Tempo e Zabelê."
Já passaram quase 90 anos e Maranduba ainda mantem os velhos umbuzeiros, testemunhas mudas da grande batalha, do horror e da genialidade do rei Lampião, bem ali, perto da enigmática "Cruz dos Nazarenos"; onde foram sepultados 4 valorosos filhos de Nazaré; foi construído pela prefeitura municipal de Poço Redondo o Marco Histórico da Cruz dos Nazarenos, inaugurado na edição do Cariri Cangaço Poço Redondo em junho de 2018, numa homenagem justa e oportuna aos verdadeiros heróis do sertão, pelo prefeito Junior Chagas.
Junior Chagas e Manoel Severo: Marco em memória dos Nazarenos
mortos no Fogo do Maranduba
Padre Agostinho e a benção no Marco da Cruz dos Nazarenos em Maranduba
Com a palavra o Conselheiro Cariri Cangaço, filho de Poço Redondo e do inesquecível Alcino Alves Costa; Rangel Alves da Costa: "Um sertão de vira-mundo. O espantoso de arrepiar. Terrível batalha, confronto devastador, mas onde Lampião, dividindo estrategicamente seu bando, conseguiu vencer as volantes comandadas por nada menos que dois titãs perseguidores do cangaço: o nazareno Mané Neto e o baiano Liberato de Carvalho. Dizem que as volantes ficaram tão atabalhoadas com as artimanhas de Virgulino Capitão que eles mesmos se atiravam pensando ter avistado as sombras cangaceiras. É cangaceiro, então atiravam. Mas era não. Era a sede de Lampião e a disputa entre os comandantes que fazia com que estes lançassem seus homens sem a devida precaução perante a astuta cangaceirada. Esta, a cabroeira dona do seu sertão, preá do mato e cobra de toca, conhecedora como ninguém do seu chão e de seus labirintos, recuava e atacava, atacava e recuava, enquanto os da volante, sem mais saber o que fazer ante a saraivada de balas, apenas perguntavam: QUE TIRO FOI ESSE?"... E assim foi o Fogo do Maranduba, Avante !
Texto e Organização : Manoel Severo Barbosa,
Curador do Cariri Cangaço , 17 de Junho de 2020.
Colaboração sob pesquisa imprescindível em textos e consultas aos escritores; Conselheiros do Cariri Cangaço; Rangel Alves da Costa e Manoel Belarmino, de Poço Redondo, Sergipe; Archimedes Marques e Raul Meneleu, de Aracaju, Sergipe ; Kiko Monteiro de Lagarto, Sergipe ; Ivanildo Silveira de Natal, Rio Grande do Norte, e ainda do escritor José Bezerra Lima Irmão, de Salvador, Antônio Correa Sobrinho de Aracaju e do pesquisador Hildebrando Neto "Netinho Flor" de Nazaré.
Preciosas e extensas transcrições de textos de Alcino Alves Costa em seu "Lampião Além da Versão", vitais para compreender esse importante episódio. Luitgarde Barros em seu "A Derradeira Gesta"; Frederico Pernambucano de Mello em seu "Guerreiros do Sol" e o grande Dr. Sérgio Dantas em seu "Lampião Entre a Espada e a Lei"
Vídeos dos pesquisadores, Conselheiros Cariri Cangaço, Aderbal Nogueira e Raul Meneleu e ainda pesquisador Robério Santos, o Cangaço na Literatura
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