Por João Costa
Virgulino
Ferreira morreu em julho de 1938, mas em 1933, o escritor sergipano Ranulfo
Prata, publicou seu livro “Lampião”, baseado em relatos orais e cartas, em que
narra episódios fantásticos, como este que se segue, no enfrentamento da
Volante do tenente Ladislau Reis de Souza, o famoso e sanguinolento tenente
Santinho, no combate de Burdão com o subgrupo de cangaceiros comandado por
Vírgínio Fortunato da Silva, o Moderno, cunhado de Lampião.
Nesse combate
desproporcional que envolveu uma tropa militar composta de cem homens e o bando
de Moderno o cangaceiro Tiburtino Vieira Feitosa, “Açúcar” teve seu
protagonismo surreal.
A polícia deu
como versão final que o cangaceiro “Açúcar” morreu em combate com a volante do
implacável tenente Santinho, na fazenda Burdão, nas proximidades de Jeremoabo,
em novembro de 1932.
Tiburtino era
considerado um cangaceiro arisco mais que os demais, pelo fato de ser
descendente da etnia Pankararé, a mesma etnia que deu ao cangaço outros
bandoleiros como Gato e Inacinha. O cabra, além de arisco, era afoito e teve
carreira curta vivendo da espingarda e debaixo do chapéu da aba quebrada para
cima de 1931 a 1932.
Reza a lenda
que o subgrupo do cangaceiro Moderno, ao qual pertencia “Açúcar”, após saquear
umas fazendas nas proximidades de Jeremoabo, resolveu acampar debaixo de um
umbuzeiro.
O rastejador
da volante do tenente Ladislau localizou o pequeno bando relaxado, o bastante
para o tenente Santinho armar o cerco.
- Tenente, os
bandoleiros, em companhia de algumas mulheres, estão debaixo de um umbuzeiro,
numa baixada ali perto; se apressar o passo, ainda alcança o bando na hora do
almoço e da soneca”, disse o rastejador do tenente Santinho.
Na verdade, o
tenente Santinho estava à frente de uma combinação de volantes com quase cem
soldados, mas o bote perfeito foi descoberto na Hora H.
Segundo
Ranulfo, “dentro, já, da circunferência dos fuzis os cangaceiros pressentiram o
envolvimento, e são os primeiros a romper o tiroteio.
- Macacos na
frente e na retaguarda! Gritou Moderno.
“Imediatamente,
os cangaceiros descarregam, rápidos, as armas e antes que o cinto da baioneta
se aperte, imobilizando-os, sacam dos punhais e investem, para varar o cerco.
Quase todos o conseguem, incrivelmente”, para em seguida revelar o melhor desse
combate.
“Quando o
facínora Tributino, apelidado de “Açúcar”, salta sobre um sargento, num pulo
felino, o policial o alveja à queima roupa, mas o homem não baqueia e foge em
desabalada carreira; os soldados encalçam-no disparando as armas. “Açúcar”,
ferido, cai aqui e levanta acolá, correndo, correndo, num apelo desesperado às
suas forças. Adiante emborca, como morto. Os perseguidores se aproximam para
acabar de matá-lo a coronhadas”, mas o cangaceiro não se entrega.
“Açúcar”
ergue-se do chão e parte veloz. “Cem fuzis estrondam atrás, inutilmente”. O
tenente vai à frente açulando os homens para não deixarem escapar a presa, e
isso já percorridos duas léguas, no fim das quais “Açúcar”, desaparece na
caatinga como um encantamento.
O tenente
Santinho manda suspender o fogo e determina varrição da mata com os soldados
armados de punhais e baionetas.
- É pra pegar
o cabra com a unha, sangrar e cortar a cabeça, foi a ordem do tenente Santinho,
considerado na Polícia uma fera de sangue frio.
A caçada
resultou inútil.
Tiburtino,
mesmo ferido, conseguiu alcançar a casa de um coiteiro de nome Zé Borrego, onde
pediu ajuda e providências para o ferimento à bala.
Foi esse o seu
erro crasso.
O referido
coiteiro já havia passado por um tremendo acocho dado pelo tenente Santinho
que, após espancar familiares e ameaça-lo de morte, deixou um aviso bem claro.
- Estamos de
olho em você; daqui pra frente vou querer saber de notícias sobre tudo que voa,
anda ou rasteja na sua propriedade, disse o tenente ao coiteiro Zé Borrego,
antes de arribar com a volante.
O cheiro de
pólvora do combate ainda estava no ar e, de repente, eis que aparece ali, no
seu terreiro de Zé Borrego, ferido e incapacitado para qualquer reação, o
cangaceiro “Açúcar” pedindo ajuda.
Por orientação
do próprio cangaceiro, que recorreu ao seu aprendizado com os Pankararé, mandou
que Zé Borrego usasse a lâmina do canivete e procedesse uma incisão ao redor do
ferimento e fizesse uma secreção sanguinolenta abundante; para depois aplicar
pó de fumo e pimenta como forma de cicatrização rápida.
Após esse
improvisado procedimento cirúrgico, Tiburtino adormeceu.
O coiteiro Zé
Borrego, que estava com sua cabeça à prêmio diante das ameaças da volante, não
teve dúvida, aproveitou o desfalecimento de “Açúcar” para cortar a cabeça do
cangaceiro, coloca-la dentro de um saco e correr até alcançar o tenente
Santinho e sua volante, a quem entregou a cabeça do cangaceiro em troca de
perdão pelas suas relações com o bando de Lampião.
Zé Borrego
nunca mais quis ser coiteiro; a família toda deixou para trás a vida na roça
mudando-se para Jeremoabo, enquanto ele ingressava na volante na condição de
“contratado”.
A Polícia
simplesmente propagou a versão da morte de “Açúcar” em feroz combate com a
volante; o sensacionalismo da bravura da volante ficou por conta dos jornais.
Fonte
“Lampião”, de Ranulfo Prata, 1933.
Cangaceiros de
Lampião de A à Z, de Bismarck Martins de Oliveira.
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Foto. ten.
Ladislau Reis, Santinho.
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