Por Sálvio Siqueira
Naquele tempo, uma das duas saídas para o jovem roceiro, era entrar para a
polícia, ser um volante e cair dentro da caatinga e ir perseguir cangaceiro por
um soldo irrisório, que atrasava bastante, mas que vinha, tendo também que
respeitar a hierarquia militar, além de estar fardado podendo fazer de tudo
para conseguir o que queria, ou entrar para o cangaço, ter sempre dinheiro, ser
‘respeitado’ aonde chegava, não prestar contas de seus atos... porém estar
sempre de prontidão, em alerta total, para trocar tiros com as volantes e ser
bom de perna para correr delas mata adentro. Muitos estavam com os bolsos
recheados de notas de mil réis, no entanto, estavam com o ‘couro do bucho’
colado às costas, não tinham como gastá-lo.
Quando a tropa volante saía em campo à procura de rastros de bandos de
cangaceiros, tinham ordens para irem, procurarem e capturarem, ou mesmo matarem
desde que fosse ‘necessário’. Essas missões eram cruéis para aqueles homens,
pois passavam dias e dias dentro da mata sem, muitas vezes, não terem o que
comerem a não ser o que a própria caatinga lhes oferecia como xique xiques,
coroas de frade, mandacaru e outras mais. Valiam-se, também, de tubérculos das
raízes como fonte de alimento e água. Mas, o homem só não vive de beber e
comer. Existindo as necessidades fisiológicas naturais em seu metabolismo.
Após vários dias dentro da caatinga, quando conseguem voltar ao ‘mundo’
habitado, aqueles homens queriam mais era farrearem, beberem e se divertirem
com as mulheres nos cabarés que sempre existiram.
Certa feita, um soldado volante da Polícia Militar da Bahia, Pedro Barbosa dos
Santos, com o número de registro 914, ao retornar de uma dura missão, está na
cidade de Jeremoabo, BA. Como seus companheiros, vai tomar cachaça, dançar e
‘ficar’ com as mulheres nos cabarés. Após alguns dias de folga, 914 vai urinar
e sente uma dor terrível. Descobre que contraiu blenorragia. Chegando o termino
da folga, Pedro não é escalado para seguir com a tropa e o comando lhe dá
ordens para ficar em casa.
O tempo passa lento, sem ter toda tensão que seus sentidos costumavam sentir
quando na perseguição dos grupos cangaceiros. A coisa demora tanto, que quando,
certo dia, vai ao quartel, sabe que fora dispensado. Antes, porém, tinha feito
algumas compras fiado para pagar quando recebesse seu pagamento. Homem honesto,
não queria ter seu nome ‘falado’ por dever e não pagar, então resolve entrar no
mato e ir atrás de uma de suas reses para, pegando-a, vende-la e saldar a
dívida.
Só que, em vez de encontrar uma rês, dá de cara com um bando de cangaceiros. O
ex soldado 914 estava cercado pelo bando de Mariano. Desesperado, seu cérebro
trabalhava em ritmo alucinante, pensando como é que sairia daquela encrenca.
Mas, estando na mata, pensa ele, a cavalo e encourado, talvez passasse por um
simples vaqueiro.
Engano total de Pedro. No subgrupo chefiado por Mariano tinha uma cangaceira,
Otília, que estando certa vez em determinado lugar, foram surpreendidos por uma
volante e o tiroteio foi pesado. Tão intenso que os bandidos tiveram que largar
o que levavam para fugirem com maior liberdade de movimentos. E é ela que
reconhece o rapaz.
“- Ah! É Pêdo, filho de Rimualdo, foi ele quem deu fogo em nois, lá na Lagoa
Grande.” (“Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição Ampliada e
Revisada. 2013).
A coisa engrossou para o lado de Pedro. Rapidamente alguns cangaceiros o
seguram, o amarram e o levam aos solavancos para um determinado local onde
havia um coito. Lá chegando eles o fazem ficar em pé e colado ao tronco de uma
árvore. Depois pegam a corda e o amarram dando várias voltas fazendo com que a
corda ficasse como um caracol. Prendendo o corpo do ex volante colado ao tronco
da árvore, de tal maneira que ele só ficou mexendo os olhos. Assim, enquanto
espera a chegado do chefe cangaceiro, Pedro está lá, sem poder comer, urinar ou
defecar. Nem água fora lhe dado. Por fim, Lampião, o “Rei dos Cangaceiros”,
chega e fica a par do acontecido.
Nessa época Virgolino já havia, há muito, divido seu grande grupo em pequenos
subgrupos, com seus respectivos chefes, estando ele a esperar Labareda, e seus
“cabras”, que ficara de encontra-lo naquele local para prestação de contas e
receber novas ordens. O que não ocorreu, para aumentar a agonia de Pedro, no
mesmo dia. Ângelo Roque, o chefe de subgrupo, o cangaceiro Labareda, só chega
ao coito, no outro dia.
O reencontro de cangaceiros sempre era comemorado por, principalmente, estarem
vivos, motivo mais do que lógico de festejarem. Os homens vão se abraçando e
proseando sobre suas ‘aventuras’, enquanto isso, Lampião conta o ocorrido sobre
o preso. Labareda vai imediatamente ver quem seria aquele soldado. Lá chegando,
reconhece Pedro que era seu sobrinho. Vira-se para o seu chefe e diz:
“-Ah, não, cumpade Lampião, esse daqui é filho do meu tio Rimualdo, esse num
tem bom pra matá.” (e já vai cortando as cordas que amarravam Pedro)
“-Também cumpade, tu tem parente até no inferno!” (diz Lampião)
“- Assim como o sinhô também tem.” (retruca Labareda)(Ob. Ct.)
A sorte, ou a falta dela, começa a mudar para o lado do ex 914. Labareda arruma
uma montaria e, dando-lhe as ‘coordenadas’, o manda para um coito onde logo
mais o avistaria. Assim, Pedro de Rimualdo sai e vai para onde Labareda,
naquela ocasião, seu anjo da guarda, mandou. Após pouco tempo de Pedro ter
chegado ao acampamento, Labareda chega e lhe apresenta aos demais como sendo o
cangaceiro “Alecrim”. A partir dali, Alecrim passa a ser comandado pelo seu
primo e participa de várias missões.
Seu chefe, sabedor da fome que tinha passado, manda que Alecrim vá até um coiteiro amigo e pegue uma criação para que servisse de alimento, que depois acertaria com ele. Chegando onde deveria estar o coiteiro, Alecrim não ver ninguém. Olha para os lados e uma tremedeira começa a tomar conta de seu corpo. Dana-se no meio da mata e dessa vez acerta no rumo da casa de seu pai, numa velocidade que nem bala pegava.
Vejam que coincidência, um irmão da cangaceira Otília, Batista de Clara, como era conhecido, vai até o quartel da Polícia em Jeremoabo e diz ao comandante ter avistado o soldado Pedro de Rimualdo, o 914, junto com cangaceiros. Imediatamente é decretada sua prisão. Pedro dana-se no vasto Raso da Catarina e passa bastante tempo escondido de Lampião e seus cabras, de Labareda e seus homens e da polícia. O sofrimento é grande. Não tinha sossego de maneira alguma. Assustava-se até com a própria sombra. Então toma uma decisão. Vai até Jeremoabo e entrega-se ao major Jonas.
O major, por antes ter sido patrão de Pedro, o qual era vaqueiro, manda que levem o prisioneiro para que o Juiz resolvesse seu caso. O Magistrado manda coloca-lo atrás das grades e, parece é terem esquecido dele no xilindró. O tempo passa e Pedro continua a ver o sol nascer quadrado. Até que um dia, um de seus ex comandantes, o tenente Zé Vitor, aparece, após 914 lhe mandar chamar, e lhe pede que o transfira para a Capital. Assim é feito.
Chegando a Capital, Salvador, Pedro é preso e lá se vão três anos de ‘jaula’ quando um amigo dele resolve fazer um abaixo assinado e enviar para o então Presidente da República Getúlio Vargas. Só que, nas entrelinhas do Abaixo Assinado, não se referiu apenas a soltura de Pedro, também era solicitado a dos cangaceiros Bananeira, Sebastião e Manoel Correia. A resposta vem determinando que os três últimos seguissem para Ilhéus e de que Pedro tinha que ir a Capital do País para ter uma audiência com o Presidente. Assim se procedeu e se cumpriram as ordens.
Chegando diante do Presidente Vargas, Pedro faz um relato de tudo que se passou com ele. O Presidente ordena:
“Levem-no e o incorporem novamente na polícia.” (Ob. Ct.)
“(...) Pedro Barbosa dos Santos passou a usar novamente o fardamento policial, com o mesmo número de registro 914, sem esquecer que um dia vestiu a indumentária cangaceira, conhecendo assim os dois lados da moeda (...)”. (Ob. Ct.)
A imprensa, na época, noticia sobre a prisão do cangaceiro “Alecrim”. Faz referências sobre a ida dele e dos outros para Ilhéus, quando, na verdade, ele fora requisitado para comparecer diante do Presidente da República, no Rio de Janeiro, Capital do País, naquela ocasião. No entanto, não sabemos o porquê, ou melhor, sabemos, pela trave que sempre fora colocada pelas autoridades, coisa que ainda hoje ocorrem, nada de seu tempo como soldado de volante fora noticiado, a ida ao Rio de Janeiro nem sobre seu retorno ao quadro da Polícia da Bahia com o mesmo número de registro, 914.
O Jornal “O IMPARCIAL” noticia, meio desnorteado, sobre a liberação de alguns presos irem viver trabalhando nas matas do sul do Estado da Bahia. Inclusive o sobrenome do sodado, cangaceiro preso, 914 é escrito “Pedro Vieira da Silva”. O próprio Pedro, em entrevista refere ser ele na matéria ao autor da fonte desta. A narração da matéria trás, explicitamente, não acreditarem em uma recuperação tão rápida dos bandidos. Nem tão pouco de onde partiu tal decisão. Não sabiam que a decisão, segundo a fonte pesquisada, partira do Palácio do Catete, canetada do próprio Presidente, por isso, na matéria, fazem perguntas de como pode uma coisa dessas ocorrerem? ... no solo soteropolitano. Após vários anos, o pesquisador/historiador dá com o cabra e ele narra para ele como ocorreram as coisas.
Fonte “Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição Ampliada e Revisada. Paulo Afonso, Bahia. 2013.
Foto João De Sousa Lima
Benjamin Abrahão
Jornal O Imparcial
PS// FOTO DE LAMPIÃO COLORIZADA, DIGITALMENTE, PELO AMIGO, PROFESSOR Rubens Antonio
Fonte: facebook
Página: Sálvio Siqueira
Grupo: OFÍCIO DAS ESPINGARDAS
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