Por LIRA NETO
Lampião (à
esqu.) Padre Cícero (à dir.) - Wikimedia Commons
Ali estavam,
frente a frente, pela primeira e única vez, os dois maiores mitos de toda a história
nordestina. Uma terceira figura era indiretamente responsável pelo singular
encontro: Luis Carlos Prestes, o comandante da Coluna Prestes, movimento militar guerrilheiro que desde o
ano anterior serpenteava pelo interior do país, enfrentando as tropas do
presidente Artur Bernardes.
Quando a marcha da coluna rumou para o Nordeste, o governo federal não teve dúvidas: convocou os chefes políticos locais para formarem exércitos próprios e assim combater os rebeldes. No livro O General Góes Depõe, da década de 1950, o próprio general Góes Monteiro, chefe de estado-maior das operações contra a Coluna Prestes, assume que partiu dele a ideia de convocar jagunços e cangaceiros para fazer frente ao avanço de Prestes.
No Ceará,
coube ao deputado Floro Bartolomeu, médico e aliado político do Padre Cícero,
fazer o convite oficial ao bando de Lampião para
se engajar no “Batalhão Patriótico”. Em fevereiro de 1926, Cícero ainda
tentou uma solução pacífica. Assim, enviou ao bando uma carta em que incitava a
depor armas.
Em troca,
prometeu abrigo em Juazeiro do Norte, onde seriam submetidos a um tratamento
justo. De acordo com o relato de Lourenço Moreira Lima, secretário da Coluna
Revolucionária, a mensagem foi recebida.
“Tivemos a
oportunidade de ler essa carta escrita com uma grande ingenuidade, mas da qual
ressaltava o desejo íntimo e sincero do padre no sentido de conseguir fazer a
paz”, escreveu Moreira Lima em seu diário de campanha, publicado em 1934.
O pedido, como se sabe, foi ignorado. Quando Lampião chegou no dia 4 de março à cidade de Juazeiro do Norte, atendendo ao chamado de Floro, este não se encontrava mais por lá. Doente, o deputado federal viajara para o Rio de Janeiro, onde acabaria morrendo.
Padre Cícero
se viu então com um problema nas mãos: recepcionar o bandido e seus cabras na
cidade e mais ainda, cumprir o que havia sido combinado entre Lampião e o
deputado, com a devida aprovação do governo federal: o cangaceiro deveria
receber dinheiro, armas e a patente de capitão do “Batalhão Patriótrico”.
Lampião e
outros 49 cangaceiros ocuparam uma casa próxima à fazenda de Floro, nas
imediações da cidade, e, em seguida, alojaram-se em Juazeiro do Norte, no
sobrado onde residia João Mendes de Oliveira, conhecido poeta da região.
Foi lá que o
Padre Cícero encontrou o bando. Os bandidos, ajoelhados, teriam escutado padre
tentar convencer seu líder de largar o cangaço logo após voltasse da campanha
contra Prestes. Mandou-se então chamar o único funcionário federal disponível
na cidade, o agrônomo Pedro de Albuquerque Uchoa, para redigir um documento
que, supostamente, garantiria salvo-conduto ao bando pelos sertões.
O papel, como
Lampião viria a descobrir tão logo saiu da cidade, não tinha qualquer valor
legal, o que não o impediu de assinar, daí por diante, “Capitão Vírgulino”, um
título que não existia. Ciente da desfeita, o cangaceiro não se preocupou
mais em dar combate à Coluna Prestes.
Já obtivera
dinheiro e armas em número suficiente para seguir seu caminho de bandoleiro.
Mais tarde, Uchoa justificou seu papel no episódio: diante de Lampião,
assinaria qualquer coisa. “Até a destituição de presidente da República”,
disse.
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/o-curioso-dia-em-que-padre-cicero-encontrou-lampiao-que-foi-enganado.phtml
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