Por Valdir José Nogueira de Moura
Em meados do mês de julho do ano de 1927, um indivíduo por nome Francisco Ramos, cuja alcunha “Mormaço”, depois de uma farra em um samba, no lugar Baixio dos Ramos, no município de Araripe (CE), feriu com um tiro um seu tio, sendo em seguida preso e conduzido à cadeia da cidade do Crato, onde prestou seu depoimento. O referido preso tratava-se de um dos mais célebres bandidos de Lampião, que havia há bem poucos dias abandonado o grupo do famoso cangaceiro, na sua triunfal excursão, quando este, deixando o Ceará, seguiu para Pernambuco. Francisco Ramos de Almeida
vulgo "Mormaço"
O cangaceiro “Mormaço” fez a polícia do Crato, minuciosa descrição de sua vida, e de par com ela, trouxe abundantes elementos para a história do combate ao banditismo no Nordeste. O seu depoimento é impressionante. Porém, serão verdadeiras as informações do bandido? Ninguém mais pode assegurar. Em todo caso, o seu longo relato foi publicado em jornais da época. O “Jornal do Recife” publicou o curioso depoimento em duas edições seguidas.
A edição desse jornal de nº 211 de 13 de setembro 1927, publicou a primeira parte do depoimento, Clique aqui e confira sendo que em um dos trechos, o bandido desassombrado contou: “que o coronel Pedro da Luz, morador na fazenda Barrinha, município de Belém de Cabrobó, e próximo a Serra do Umã, cerca de uma légua, muito protege Lampião, fornecendo munição e ocultando o grupo na mesma serra, em lugar dele conhecido, desviando por todos os meios a pista do grupo; que o mesmo coronel recebe de Lampião dinheiro a título de gratificação pelos serviços prestados...”
Coronel Pedro Alves da Luz
Diante dessa tremenda acusação, e em decorrência também de outros boatos maldosos contra o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, prefeito do Município de Belém de Cabrobó, [1922 a 1926,] que diziam ser o mesmo mais um protetor e coiteiro de Lampião, em 1928, o Conselho Municipal daquela cidade votou uma honrosa moção de solidariedade ao dito coronel e que foi publicada no jornal “A Província (PE)”, Ed. 128, do sábado, 2 de junho de 1928:
“Aos dezenove dias do mês de maio do ano de mil novecentos e vinte e oito, às 10 horas da manhã, no Paço do Conselho Municipal desta cidade de Belém de Cabrobó em sessão extraordinária, sob a presidência do tenente-coronel Jerônimo Pires de Carvalho, compareceram os cidadãos Inácio de Sá Araújo, Odilon Alves de Carvalho, Licínio Lustosa de Carvalho Pires e Aristides Alves de Carvalho Barros, conselheiros municipais, e sendo primeiro exposto o motivo da presente sessão que é apresentar ao Sr. Prefeito deste município o tenente-coronel Pedro Alves da Luz uma moção da mais inteira solidariedade erguendo assim o mais cabal protesto contra as infâmias e baixas calúnias que em torno do seu honrado nome se tem levantado ao foro de Vila Bela onde segundo consta, se lhe tem dado como coiteiro e protetor de Lampião, e por isto este Conselho não podendo e nem devendo absolutamente calar-se diante de tão torpe e revoltante injustiça feita ao Digno Chefe do Poder Executivo Municipal, apressa-se em vir por todos os seus membros, abaixo assinados, e satisfeitas as formalidades do estilo, dar o necessário e conveniente desmentido a tão aviltantes e injustas calúnias, obra sem dúvida de algum ou alguns mesquinhos desafetos do digno prefeito.
Para quem conhece de perto o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, não há necessidade de dizer quem ele o seja, pois as suas maneiras de fino trato e relevantes serviços prestados a sociedade em geral, o tem sempre desde muito, revelado como um dos cidadãos mais digno, respeitável e útil deste município que muito lhe deve; umas como em outras localidades onde não é ele ainda conhecido, pequenos e injustos desafetos se lhe tem feito caluniosas acusações, cumpre para melhor desmentido a tais acusações que se põem em relevo o seu proceder, relacionando em síntese ao menos uma pequena parte dos seus serviços que tão abnegadamente pelo bem geral tem prestado à causa pública, fazendo para isso referência dos mais recentes, afim de que as pessoas de bem possam julgar como merece, assim verificar que se trata de um cidadão prestimoso e não um coiteiro e protetor de bandidos, vem pois o Conselho Municipal pela voz de seus membros, apresentar a presente moção para assim repelir as baixas calúnias que lhe tem injustamente assacado, se sente também no dever sagrado de reunir a esta, embora em resumo alguns traços da vida de tão conspícuo cidadão.
O tenente-coronel Pedro Alves da Luz, desde sua mocidade prestou relevantes serviços não só de natureza material como moral, a sociedade, quer aqui quer em outros municípios onde anteriormente residiu, sendo porém suficiente relembrar dentre os méritos que tem prestado a este município como simples cidadão ou como homem público, em cujo caráter se acha atualmente investido, e nesta qualidade tem sido a sua administração uma das mais fecundas e prósperas conforme se ver dos diversos melhoramentos do município, o que não vem a caso enumerar. Quando há anos veio fixar sua residência neste município, vindo de Triunfo, onde exerceu com brilho o cargo de delegado de polícia, procurou a zona que mais se prestasse a agricultura e ai, conseguiu com um trabalho assíduo e inteligente converter as suas terras em fontes de riquezas para o Estado e o Município.
Dizer-se então que o tenente-coronel Pedro Alves da Luz protege a Lampião é uma calúnia, pois muito pelo contrário ele procurou auxiliar sempre a ação do governo contra o tão terrível grupo, como prova disto se deduz de muitos fatos, como por exemplo, do seguinte: Somente depois que Lampião aumentou o seu grupo foi que teve que entrar 3 vezes neste município, passando por duas vezes na Barrinha, residência do tenente-coronel Pedro Alves da Luz, isto porém ligeiramente, sendo que da primeira vez por ali passara no caráter de capitão de um “Batalhão Patriota do Ceará” e em tal caráter chegou a 3 léguas de distância desta cidade, de onde mandou passar telegrama.
E da segunda vez, tendo as suas ordens 89 bandidos, e então por isso o tenente-coronel Pedro Alves da Luz para não se expor às iras de tão temível facínora, uma vez que em coisa alguma se achava disposto a compactuar com ele, e por sua vez, não tendo elementos para reagir contra numeroso grupo, imediatamente retirou-se para esta cidade, de onde transportou-se para o povoado de Abaré do Estado da Bahia, só voltando a sua fazenda depois que passou o Estado de Pernambuco a ser governado pelo exmo. Sr. Dr. Estácio Coimbra, quando começou também mais ativa a perseguição ao banditismo.
E desde então o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, decidiu-se com mais ânimo, a auxiliar neste sentido a ação do governo, e uma das provas disto, está nos meios que facilitou ao volante Domingos Nogueira, para com outras pessoas de Riacho Pequeno, dar combate a Lampião se este com seu grupo tentassem atacar aquele povoado como sucedeu, e de que então resultou a morte de dois bandidos devido a tática e coragem do mesmo Domingos Nogueira, que neste tempo ainda não estava incorporado como praça, e os recursos de que dispunha para a luta lhe era fornecido pelo mesmo tenente-coronel Pedro Alves da Luz.
Quando após a chacina de Favela em Floresta, Lampião fingindo-se subir para atravessar neste município, voltou na direção do norte passando em Conceição das Crioulas, e indo abater gados no Olho d’Água, no pé da Serra do Umã, município de Floresta.
Foi o tenente-coronel Pedro da Luz quem logo ao saber da sua estada naquele local, veio a auto avisar ao delegado de polícia, tendo além disso posto a disposição seu carro ao cabo Manoel Ribeiro para este ir ao encontro do cabo Manoel Neto, comunicar o paradeiro do mesmo Lampião, e como este, muitos outros fatos poderíamos citar.
Nada mais se precisa adiantar para a demonstração cabal da completa falta de fundamento de espíritos perversos ou irrefletidos, tem injustamente assacado contra a reconhecida reputação do prefeito deste município, tanto mais quanto a sua honra, está a cavalheiro, de qualquer infâmia de que se lhe atenta atirar.
E depois de ser lida e datada, conforme, foi por todos assinada. Para constar eu José Carvalho de Sá Roriz, secretário o escrevi.”
Da tradicional e numerosa família Carvalho, o tenente-coronel Pedro Alves da Luz foi nascido no município de São José do Belmonte, na fazenda Gameleira, sendo o primogênito do casal major Antônio Alves da Luz e dona Maria Francisca de Barros, esta irmã do Padre José Pires dos Santos Barros.
Grande fazendeiro, o tenente-coronel Pedro da Luz, além da fazenda Barrinha onde residia, localizada entre os municípios de Belém do São Francisco e Salgueiro, era proprietário de muitas terras na região, onde mantinha avultada quantidade de rebanhos de gado bovino e de corte.
Era um homem muito rico, de grande prestígio, bom caráter e muito respeitado, possuindo também uma infinidade de compadres e comadres, em virtude da quantidade de crianças de que foi padrinho em toda aquela região, tendo algumas, adotado o seu sobrenome “Luz” como homenagem. Ainda no tempo que residiu em Triunfo, chegou a exercer naquela cidade os cargos de delegado de polícia e literário.
Como político, exerceu os cargos de conselheiro municipal e prefeito de Belém de Cabrobó.
Foi casado com dona Afra Florisbela Pires Cantarelli. O casal não deixou filhos.
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