Por Rangel Alves da Costa
Morena de pele
tingida de sol, rosto cheio, cabelos negros e descendo até os ombros, altura
mediana, olhar fundo e distante, boca que esboça sorriso. Um lenço vasto
enlaçado ao pescoço lhe proporciona uma feição majestosa. Assim era a mocinha
um dia atraída por um amor cangaceiro e, a partir daí, passando a ser ora uma
flor e ora uma cobra peçonhenta em pessoa. Filha de Antônio Nicácio e Dona
Josefa, da família Soares do Maranduba, em Poço Redondo, e tia (e não prima!)
de duas irmãs também cangaceiras: Rosinha e Adelaide, Áurea foi uma das mais
destemidas e aguerridas do feminino cangaço, mas certamente também a mais cruel
e vingativa entre todas que eram companheiras de chefes de subgrupos. Sua
atuação em meio à cangaceirama e às vinditas é pouco destacada e analisada, mas
certamente foi além do que normalmente se descreve acerca do papel desempenhado
pela mulher cangaceira. Ora, comumente afirmam que mulher cangaceira nunca
estava na linha de frente de combate, não guerreava, que sempre ficava
protegida na retaguarda, não tinha voz nem vez de comando, não avançava de arma
na mão como faziam os homens, dentre outras especulações. Com Áurea foi
diferente. E os exemplos são muitos como se verá adiante. Fato é que a
companheira de Mané Moreno, líder de subgrupo, por seu destemor e altivez de
luta, era muito diferente da maioria das cangaceiras, mas principalmente das
sobrinhas Rosinha e Adelaide, duas irmãs. Filhas do afamado vaqueiro Lé Soares
da Maranduba, as irmãs também tiveram seus destinos chamados pelo cangaço.
Rosinha - talvez a mais bonita dos Soares do Maranduba - se apaixonou pelo
cangaceiro Mariano, ex-companheiro da cangaceira Otília. Quando em outubro de
37 Mariano é morto pela volante de Zé Rufino, no Fogo do Cangaleixo, entre
Porto da Folha e Gararu, no sertão sergipano, então a sina de Rosinha se
desanda em rosário de sofrimentos. Estava grávida quando seu companheiro
Mariano foi morto. Teve que doar sua criança e buscar refúgio no bando de
Lampião. Sozinha, desprotegida e sempre entristecida, passou a ser um problema
para o bando. De tanto pedir para visitar e passar uns dias com sua família, um
dia Lampião atendeu seus rogos, mas exigindo que logo retornasse. Mas ela foi
atrasando, e atrasando mais o retorno, até o rei cangaceiro se enfurecer e
ordenar sua morte. Foi morta em 37 pelas mãos dos cangaceiros Zé Sereno, Luís
Pedro, Quinta-Feira, e Juriti. Uma tropa de elite para matar covardemente uma
inocente, e pelo simples fato de não querer mais continuar naquela vida
terrível e medonha vida. Já sua irmã, a cangaceira Adelaide, não teve destino
mais feliz. Tendo se juntado ao cangaceiro Criança e engravidado nos rincões
catingueiros, a filha de Lé Soares acabou morrendo por problemas na gravidez,
enquanto era conduzida numa rede – e com o filho já sem vida no ventre – pelos
sertões de Canindé de São Francisco. Sua tia Áurea reinou - na condição de
primeira-dama do subgrupo de Mané Moreno, até o ano de 37, quando foi morta, ao
lado do companheiro e mais o cangaceiro Cravo Roxo, em Porto da Folha, num
memorável combate. O episódio ficou conhecido como “Fogo do Poço da Volta”, mas
o combate tendo acontecido mesmo na fazenda Palestina, vizinha ao Poço da
Volta. Depois do cerco ao bando, a bala da volante de Odilon Flor começou a
zunir e só restaram retratos das cabeças decepadas. Com efeito, as cabeças
cortadas foram levadas para Gararu, exibidas e fotografadas, e de lá seguiram
para Jeremoabo, na Bahia. Não seria outro o fim esperado para um subgrupo tão
bárbaro e perverso como o de Mané Moreno. Na linha de frente, no passo a passo
junto ao companheiro, Áurea participava de toda empreitada de sangue. No
momento da bala zunindo, do cano de fogo pipocando, a filha dos Soares não
procurava se esconder atrás de pedras ou se distanciar dos companheiros. Ajudou
a matar e a sangrar, escolheu vítimas e exerceu a vingança de forma fria e
brutal. Dadá era a mais valente e destemida, mas Áurea preferia o lado mais
tempestuoso da brutalidade. Seria uma espécie feminina de Zé Baiano ou Gato.
Diversos relatos dão conta de sua sanha cruenta e de sua ferocidade no ataque,
com especial gosto pela punhalada, por sentir prazer pelo sangue espargindo nas
vítimas, pela pinicação dos corpos ainda vivos ou já mortos, dentre outras
atrocidades. Uma vingança muito conhecida foi a perpetrada pela cangaceira
contra Badu, um conterrâneo seu que queria entrar para o cangaço, mas que foi
reconhecido pela própria cangaceira e logo teve o seu fim anunciado. É que Badu
havia chicoteado e ferido a punhaladas as nádegas de Tonho Nicácio seu pai, e
tal fato jamais foi esquecido. Também pelo fato de que Badu havia servido à
volante de Zé Rufino como contratado. A hora da desforra havia chegado, então
ordenou que o angustiado rapaz fosse seguro por outros cangaceiros e ali mesmo
morto a punhaladas. A ordem da sangria foi repassada, pois a própria Áurea
disse que não ia sujar suas mãos de sangue com um imprestável daqueles. Mas
sujou suas mãos quando da morte de Antônio Canela, um sertanejo que falava
demais e dizia que andava armado para matar Lampião. Encontrado e cercado pelos
cangaceiros, açoitado e torturado, Canela enfim perguntou a Áurea se ia morrer.
Ela disse apenas “sim”, e com um gesto de mão sentenciou o seu fim. Estes e
outros feitos aterrorizantes fazem parte do histórico cangaceiro de Áurea.
Morreu de bala e foi decepada, mas participou ativamente de muitas mortes pelos
rincões sertanejos. Na foto abaixo, a primeira é Áurea, e a segunda é sua
sobrinha Rosinha.
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