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sábado, 29 de junho de 2013

Manifesto Restauro da Casa de Chico Pereira

Por: Wescley Rodrigues
Wescley Rodrigues e a professora Ana Lúcia

 Nobres amigos e amigas,

Bom dia!

Por ocasião do Seminário Parahyba Cangaço, foi lido no dia 16 de junho de 2013, na cidade de Nazarezinho, o manifesto que pede o tombamento da casa do sítio Jacú, antiga residência do cangaceiro Chico Pereira, e a criação de um museu no referido local.
Em anexo encaminho o manifesto lido.

Atenciosamente

Prof. Wescley Rodrigues

MANIFESTO EM PROL DO RESTAURO DA CASA DO SÍTIO JACÚ

Exmº. Sr. Prefeito do Município de Nazarezinho, autoridades municipais constituídas, cidadãos e cidadãs do estado da Paraíba e demais estados da Federação, família Pereira, o cangaço foi um movimento que marcou a história do sertão nordestino, sendo um movimento que, devido as suas peculiaridades e características não encontramos em outro lugar do mundo, sendo algo eminentemente nosso, um dos elementos caracterizadores da região Nordeste.

Alguns registros históricos pontuam a existência de cangaceiros já no século XVIII, no momento das entradas de gado e de desbravamento dos sertões. No entanto, o apogeu do cangaço deu-se na primeira metade do século XX. Sabemos perfeitamente que a figura do cangaceiro liga-se ao banditismo, a violência, a assassinatos, roubos, estupros e depredações do patrimônio público e privado, mas devemos salientar que esses homens e mulheres chamados por muitos de bandidos, foram fruto da sociedade de sua época. Essa sociedade marcada pela má distribuição de terra, latifúndios, trabalho escravo ou servil, analfabetismo, descaso por parte da justiça e das autoridades políticas, falta de políticas públicas e trabalho.


Todos esses fatores acabaram levando muitos sujeitos a enxergarem no banditismo uma solução imediatista para a resolução dos seus problemas, pois quando bate a fome, como bem disse o médico Josué de Castro no seu livro “Geografia da Fome”, o homem perde todo o seu código ético e moral e deixa a sua fera interna romper as barreiras da conversão social para poder alimentar-se. Essa é a busca desenfreada pela sobrevivência.

Outro fator que carece de uma atenção mais amiúde foi à falta de justiça, haja vista ser a justiça no século XIX e início do XX totalmente parcial, estando à disposição apenas da elite que a manipulava acabando por marginalizar inúmeros sujeitos por meio de ações que levavam a injustiça, plantando no homem um sentimento de revolta. Vitimados muitos viam nas armas a solução para os seus problemas, o meio para alcançar a tão almejada vingança; um refúgio protetor contra uma elite e um sistema coronelístico desumanizador; e um meio de vida para sobreviver apesar de todas as intempéries da vida nômade na caatinga.

O final do século XIX e início do XX surgiram cangaceiros famosos, os quais, por meio das suas ações, se imortalizaram na memória e trova popular. A história dos seus atos foram gradativamente passando de geração a geração. Essas narrativas construíram um espaço memorialístico para a figura do cangaceiro, os quais tinham seus feitos reproduzidos por meio das falas populares, das histórias mirabolantes salientadas pelos caixeiros viajantes ou por meio da deliciosa construção discursiva do cordel. Tivemos nomes que até hoje são lembrados: Jesuíno Brilhante no Rio Grande do Norte, Lucas da Feira na Bahia, Antônio Silvino na Paraíba e Pernambuco, Sinhô Pereira no Pernambuco, Virgolino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, grande ícone do “ser” cangaceiro e que “reinou” nas suas andanças por sete estados do Nordeste brasileiro; e Chico Pereira no sertão paraibano. Poderíamos citar inúmeros outros, mas nos detemos de forma ilustrativa no nome desses.

Nesse contexto apresentado, falar do Nordeste sertanejo é falar do cangaço, não temos como apagar da história esse movimento que mazelou por muito tempo o povo nordestino, muitos pobres que viviam isolados na caatinga. Lembrar do cangaceiro não é um ato de revesti-lo com armaduras de heroísmo, de fazermos apologia a violência e ao banditismo, mas sim, voltar o nosso olhar para um momento crítico da nossa história, buscando entendê-lo, esmiuçá-lo para não cometermos no presente os mesmos erros do passado. Falar do cangaço é analisar antropologicamente o homem sertanejo tão estigmatizado e martirizado com as intempéries climáticas e com a desvalorização política. Falar do cangaço é discutir o papel da justiça como um meio responsável por lutar pela dignidade da pessoa humana e pelo princípio da equidade. Como coloca Francisco Pereira Nóbrega no livro “Vingança, não”: “Cangaceiro não era apenas o perverso, o tarado. Havia-os também honestos, incapazes da menor crueldade gratuita, de armas em punho só para tentar justiça”.

Em uma sociedade que abria poucas possibilidades para o pleno desenvolvimento dos sujeitos, assumir a vida das armas era uma forma de buscar se fazer ouvir, lutar por seus direitos, haja vista a justiça da época só valorizar a elite.

Estando encravada no Nordeste, a Paraíba não esteve imune à atuação dos cangaceiros, como também era caracterizada por todos esses fatores conjecturais expostos há pouco, que promoviam a segregação social. Ao palmilharmos essa história nos deparamos com a figura do cangaceiro Chico Pereira, um dos maiores ícones do cangaço paraibano, homem de fibra que se fez personagem da história do Brasil e que precisa ter a sua memória preservada.

O que percebemos é que essa história tão rica que temos na cidade de Nazarezinho não é valorizada, estudada, acabando por, gradativamente se perder no tempo, acarretando perdas irreparáveis para a história do Brasil e do cangaço no Nordeste. As futuras gerações tem direito a memória, a história, sendo a história de Chico Pereira não só um patrimônio de Nazarezinho, mas de todo o Brasil e de todos os brasileiros e brasileiras. É preciso preservar para os nossos filhos terem direito de conhecer as raízes da nossa constituição histórica e identitária nacional, pois “a história, por vezes, ironiza os homens” (Nóbrega, 2002, p. 65). Um dos maiores medos dos gregos não era o do julgamento dos deuses, mas sim o julgamento da História, de serem lembrados como covardes ou não serem lembrados pela posteridade.

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 23 é muito clara quando determina:

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...]

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – Impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e a ciência.

A belíssima casa do Sítio Jacú, que pertence a família Pereira, é de um enorme valor histórico, tendo grande importância como patrimônio material para a história do Brasil. Percebemos está a casa ameaçando ruir devido a ação do tempo, necessitando urgentemente reparos e restauro.

Assim, nós pesquisadores(as) pedimos encarecidamente a Prefeitura Municipal de Nazarezinho, ao Governo do Estado da Paraíba e a família Pereira, o restauro imediato, o tombamento da casa citada e a criação de um museu destinado ao movimento social do cangaço, essa seria uma homenagem a memória de Chico Pereira. Pois, como foi dito, hoje Chico Pereira é um patrimônio para todo o povo brasileiro. Gostaríamos que o Exmº. Sr. Prefeito tome uma atitude imediata, antes que a história passe a conhecer Nazarezinho como uma cidade sem cultura e sem memória, que não guarda a sua herança histórica.

Nazarezinho – PB, 16 de junho de 2013.
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC)
Cariri Cangaço

Comitê em prol da Reforma e Tombamento da Casa de Chico Pereira

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço: 
Wescley Rodrigues

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