Padre Cícero e Floro Bartolomeu - a união entre religião e política no sertão do Ceará
Um dos fatos
mais pitorescos da passagem da Coluna Prestes pelo Ceará deu-se com o inusitado
convite feito por Floro Bartolomeu ao cangaceiro Lampião – para combater os
rebeldes e defender a legalidade.
Ainda sediado
em Campos Sales, com seus batalhões de jagunços, Floro teria enviado um
mensageiro portando uma carta para o “rei do cangaço” – carta referendada e
assinada também por Padre Cícero – pedindo a presença do cangaceiro em
Juazeiro.
Lampião que,
por ser devoto de Padre Cícero, evitava atacar o Ceará, ao receber o convite do
padre apressou-se a atendê-lo, chegando a Juazeiro com cerca de 50 homens, no
inicio de março de 1926, quando a Coluna já havia deixado o Estado.
Naquela
cidade, num único e marcante encontro, Lampião, após ser aconselhado por Padre
Cícero a deixar aquela vida de bandidagem, comprometeu-se a combater a Coluna
Prestes, recebendo armas, fardamentos e uma patente de capitão do Exército.
Capitão
Virgulino Ferreira
A presença de
Lampião em Juazeiro provocou alvoroço. Uma multidão se formou para ver o famoso
cangaceiro e seu bando. Lampião concedeu entrevistas, bateu fotos, ofertou
esmolas à igreja local, recebeu visitas e foi agraciado com presentes, sem ser
incomodado pela polícia.
O bando deixou
Juazeiro satisfeito, sobretudo porque o documento que dava ao chefe a “patente”
de capitão – o que correspondia ao perdão de seus crimes e a não ocorrência de
mais perseguições por parte da polícia – havia sido assinado a pedido de Padre
Cícero pela única autoridade federal em Juazeiro, um agrônomo do Ministério da
Agricultura, Pedro Albuquerque Uchoa.
Conta-se que
chamado mais tarde a Recife, para explicar tamanho absurdo, o agrônomo teria
dito aos seus superiores que, naquelas circunstâncias, e com o medo que tinha
de Lampião, ele teria assinado até a demissão do presidente Arthur Bernardes.
Lampião,
contudo, não foi combater a Coluna Prestes. O cangaceiro, agora definitivamente
nomeado Capitão Virgulino Ferreira, talvez tenha temido a fama de
guerreiros dos tenentes, talvez tenha ficado irritado ao descobrir que a
“patente” não tinha valor legal, portanto não valia nada.
Virgulino
ainda tentou falar com Padre Cícero, mas este se recusou a recebê-lo
novamente.
O patriarca de
Juazeiro foi duramente criticado pela imprensa de Fortaleza, a qual usou o
episódio como prova da proteção que o padre fazia a criminosos.
Apesar do
acontecido, Lampião nunca perdeu o respeito nem a admiração que tinha por Padre
Cícero.
Padre Cícero
Romão Batista
Em junho de 1927,
Lampião voltou ao Ceará, após uma fracassada tentativa de saquear Mossoró, no
Rio Grande do Norte. O bando ocupou Limoeiro do Norte, exigindo uma quantia em dinheiro como
“resgate”.
Dias após
deixar Limoeiro, Lampião sofreu uma emboscada feita por 500 policiais, perdendo
grande parte das provisões, munições e montarias.
Com poucas
armas, a pé na caatinga, os cangaceiros travaram em seguida outro tiroteio com
a polícia, desta vez na Serra da Macambira, em Pernambuco. Apesar da escassez
de armamentos, os bandidos derrotaram centenas de policiais, fazendo aumentar
nos sertões a lenda do “rei do cangaço”.
Ajudados por
coiteiros, os cangaceiros escaparam para os sertões de Pernambuco.
A Outra Versão
para o Encontro
Os fiéis
juazeirenses até hoje reagem com indignação a esse relato do encontro entre
Padre Cícero e Lampião. Segundo uma versão que veio a público em data
recente,
Lampião teria
“ouvido falar” que Padre Cícero precisava de ajuda para combater os
“revoltosos”, e compareceu espontaneamente a Juazeiro.
O
padre, pego de surpresa com a presença dos cangaceiros, e sem outras
opções, viu-se obrigado a hospedar Lampião, por temê-lo e para evitar um
confronto do bando com a população.
Padre Cícero
encontrou-se então, duas vezes com o rei do cangaço e não lhe teria dado nem as
armas nem a “patente”, porque como prefeito, não tinha poderes para
tanto.
O secretário
de padre Cícero Benjamim Abraão em fotos dos anos 1930 ao lado do
bando de Lampião. O libanês registrou as únicas imagens fotográficas do
cangaço.
Segundo ainda
essa versão, foi o secretário de Padre Cícero, o libanês Benjamin Abraão, que
teria sugerido, em tom de brincadeira, que a “patente” poderia ser dada pelo
agrônomo. Vendo o interesse do cangaceiro, Abraão viu-se obrigado a convencer
Pedro Uchoa a redigir o documento.
Benjamim
Abraão ao lado de Maria Bonita e Lampião
Também teria
sido sua a ideia de confeccionar e dar fardamentos dos ”batalhões patrióticos”
aos cangaceiros.
Essa versão
exime totalmente tanto o Padre Cícero quanto Floro Bartolomeu de qualquer
responsabilidade na contratação dos serviços do bando de Lampião.
fonte: História do
Ceará de Airton Farias
http://cearaemfotos.blogspot.com.br/2011/01/o-encontro-de-padre-cicero-com-lampiao.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Retificando: A patente concedida a Virgolino Lampião foi de "Capitão dos Batalhões Patrióticos" - uma 'força legal' constituída por Floro Bartolomeu para combater a Coluna Prestes.
ResponderExcluirMaiores informações sobre o tema, ler PADRE CÍCERO: Poder, fé e guerra no Sertão, de Lira Neto. Companhia das Letras, 2009.
Kydelmir Dantas
Mossoró - RN