Por Rangel Alves
da Costa*
Em texto
anterior, quando cuidei da irreconhecibilidade do sertão de hoje perante aquele
de antigamente, acabei fazendo a seguinte afirmação: Sim, o sertão sempre
foi violento, mas de uma violência de valentia e não de covardia. Houve um
tempo de confrontos sangrentos, verdadeiramente insidiosos, mas não nessa
brutalidade gratuita e motivada apenas pelo prazer da ilicitude e da
transgressão à lei.
Pois bem, as
expressões violência de valentia e violência de covardia, requerem uma maior
digressão para o seu exato entendimento. De início, se tenha que o termo
violência não se modifica em quaisquer das situações citadas, continuando como
comportamento agressivo, brutal, causando danos na pessoa agredida. Contudo, a
situação se modifica quando o ato violento é fruto de valentia ou de covardia.
Os dicionários
ensinam que valentia significa vigor, bravura, a atitude tomada pela pessoa
valente. E este o corajoso, o intrépido, o bravo e decidido. Por sua vez,
covardia, como oposto da valentia, remete àquele que pratica violência contra
indefeso, que agride sem justa motivação ou pelo simples prazer de violar a
integridade do próximo.
Nas relações
humanas, no convívio social, logicamente que nenhum tipo de violência se
justifica. Até mesmo a chamada legítima defesa, quando a vítima legitimamente
reage à violência contra si praticada, sem que isto constitua ilícito penal,
deve ser considerada dentro de parâmetros que não configurem revide com maior
brutalidade. Entretanto, imperioso reconhecer que as violências fazem parte do
próprio cotidiano humano.
Atualmente se
torna mais difícil delimitar os tipos de violência, eis que o mundo moderno fez
alastrar sobre si as mais diversas espécies de agressões e brutalidades,
verdadeiras selvagerias. Mas num olhar ao passado se torna mais fácil avistar a
fronteira entre a violência de valentia e violência de covardia,
considerando-se sempre que esta última se alastrou de tal modo que se tornou
prática corriqueira.
Nos idos mais
antigos, quando a honra pessoal ou familiar era valorizada como a própria a
vida, muitas vinditas de sangue ganharam contornos até históricos. As rixas
entre os vizinhos, os ódios entre famílias, as disputas por terras ou pelo nome
de uma mocinha da família que havia sido desonrado pelo rapaz da outra família,
chegavam às raias de verdadeiras guerras particulares.
Do mesmo modo,
as disputas pelo poder entre coronéis nordestinos e que provocavam verdadeiros
rios de sangue, ainda assim estavam balizadas na honra, na força do mando, na
demonstração de quem possuía maior poder de sustentar uma guerra. Neste caso, a
valentia estava no enfrentamento em si, em não se deixar submeter pelas ameaças
e ataques do outro coronel. Mas não era valentia quando o mesmo coronel
utilizava de jagunços para mandar emboscar e matar, sem direito de defesa,
aqueles que contrariavam seus interesses.
As lutas
travadas entre cangaceiros e volantes eram de uma valentia sem tamanho, mas o
mesmo não ocorria quando se tratava das ações perpetradas pessoalmente por
alguns bandoleiros e também por soldados. Tantas vezes, aqueles mesmos que
mostravam valentia descomunal no meio do mato, atacando vorazmente seus
inimigos, se transformavam em covardes em outras situações.
O cangaceiro
Zé Baiano, por exemplo, de reconhecida valentia na sua lide bandoleira, foi de
uma covardia indescritível ao marcar com ferro em brasa as faces daquelas
mocinhas de Canindé. A maioria dos soldados da volante sempre agia com covardia
perante o sertanejo humilde e trabalhador. Como não conseguia seus intentos de
dar cabo aos cangaceiros, lançava suas iras naqueles que não mereciam. E há
relatos de supostos coiteiros que foram torturados até a morte e de humildes
sertanejos que foram sangrados porque insistiam em afirmar que não sabiam do
paradeiro do bando de Lampião.
Como afirmado,
atualmente o que mais impera é a violência fruto da mera covardia. Os assaltos
à mão armada onde pessoas acabam sendo feridas ou perdem suas vidas, os
estupros de jovens inocentes, as arrogâncias que acabam vitimando pessoas
humildes, tudo isso faz parte do contexto da violência covarde, abjeta. E também
a ação da polícia diante de qualquer um que seja negro e pobre e que lhe pareça
bandido. Tudo covardia.
Foi-se o tempo
da luta pela honra, do embate sangrento por causa justa. O valoroso e destemido
homem não é mais avistado com facilidade. Hoje todos parecendo tornados vítimas
de uma bandidagem sem trégua e suas violências covardes e desmedidas.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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