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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

NOITES DE LOBISOMENS

Por Rangel Alves da Costa*

Conta a tradição popular que os lobisomens surgem das transformações humanas em bichos. Não são pessoas mortas que voltam em forma de lobos gigantes, cachorros disformes, animais asquerosos, mas pessoas vivas recheadas de maldade no coração e pecados terrenos e que acabam sendo penalizadas com a medonha transmudação, principalmente em noites santificadas. E assim porque surgem mais no período da semana santa, a chamada quaresma.

Nas noites assim, medonhamente escurecidas, cujos labirintos avançam sobre as cidades e quintais, é que os horrendos visitantes surgem para amedrontar e até querer avançar sobre as pessoas indefesas. Nos sertões nordestinos, onde tais fatos se propagam como verdades, não é difícil ouvir causos e mais causos sobre os lobisomens. Contam sobre o homem que bateu a mãe e foi sentenciando a se tornar em bicho de olhos de fogo da quarta-feira de cinzas até a madrugada da sexta-feira santa, surgindo sempre horripilante nas noites fechadas. Dizem também sobre o padre que jamais era encontrado nas noites da quaresma. E assim porque estava sentenciado a se transmudar em lobo com cabeça de cachorro uivante pelos seus pecados terrenos. Ora, o vigário tinha mais de vinte filhos sem reconhecer nenhum.

Por isso mesmo que as noites escuras sertanejas se transformam em paisagens de aflição nos períodos quaresmais. As pessoas não saem nos quintais, não enveredam pelos caminhos escuros, não abrem as portas dos fundos. Pelo contrário, se lançam às orações, aos apegos divinos, aos pedidos para que as medonhas aberrações de repente não apareçam pelos arredores. O Velho Titió, ele mesmo acusado de se transformar em lobisomem, contava como se dava a transmudação, mas o fazia sempre jurando que tinha ouvido tal história de um sertanejo bem mais antigo. Dizia o velho pecador:


“Segundo me contou o Veio Filismino, todo aquele que vira lobisomem pode ser reconhecido quando a semana santa se aproxima. Ele sabe o padecimento que vai passar e se torna noutro homem. Quem olhar bem pra o cabra logo vai perceber que já possui o olho muito mais afogueado, parece que vai babar a qualquer momento, não para quieto num canto, se coça e se pinica todo como se tivesse em riba de formigueiro. Começa a dizer coisa com coisa, parece rosnar sozinho, não para quieto num canto de jeito nenhum. A todo o momento olha pra cima pra ver se o sol já está descambando e quando a boca da noite chega é um deus nos acuda. Quando o tempo escurece mais o cabra o cabra some de vez. Ninguém sabe onde ele foi parar, mas eu sei. Gente que vira lobisomem já tem lugar certo para a transformação. No meio do mato, sabendo que a qualquer momento o corpo pode começar a se transformar, então faz uma cama de capim, no meio do escondido, e ali se deita até tudo acontecer. Daí em diante se abate de sofrimento e rola de canto a outro, urrando, uivando, esperneando, até pular no meio do tempo como o bicho mais feio do mundo. Então vai para as estradas escuras, em meio aos labirintos, quintais e malhadas das casas, onde começa a fazer estripulia com que avista ou passa. Quem quiser conhecer a cama de lobisomem basta procurar nos roçados, onde houver capim machucado, estendido pelo chão, então foi ali que o cabra se deitou esperando o pior acontecer. E é assim que sempre acontece”.

Tais fatos, pois, acontecem no período da quaresma de noites mais negras, mais escurecidas, mais misteriosas. Nos rincões distantes, nos casebres solitários, nas fazendas e pequenas propriedades, as portas e janelas das casas são fechadas ainda no entardecer. E outra motivação não há senão pelo medo dos lobisomens e suas assustadoras aparições. Até mesmo nos centros urbanos há um temor desenfreado de que a qualquer momento um bicho feio, de língua de fogo e garras imensas, seja avistado nos quintais.

Há quem jure por tudo na vida que já encontrou com lobisomem, relatando ainda ser a experiência mais medonha que lhe aconteceu. Não há retrato nem nada que possa comprovar, mas não se pode negar o que estranhamente se ouve nas noites matutas. São uivos, lamentos, gritos medonhos. De onde vêm tais uivos ninguém sabe dizer. A única certeza é de jamais se esquecer do rosário, da imagem santa, do frasquinho com água benta.

Mas também contam a história de uma solteirona que vivia contando os dias para que chegasse logo a semana santa e com ela os lobisomens. Guardava alfazemas e lavandas especiais para o período e se enchia toda de sibiteza quando alguém perguntava se já havia preparado água santa e cruz benta para colocar atrás das portas e janelas. Então dizia que era calorenta demais para fechar qualquer coisa e que também gostava de uivar noite adentro e madrugada afora. E, por falta de homem, o jeito era lobisomem mesmo.

E no outro dia aparecia lanhada e com marcas avermelhadas pelo corpo. Mas sempre feliz e cantante, só faltando mesmo apressar as horas para a noite chegar. Noites de mistérios, lobisomens e outros uivos.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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