Por Sergio Levy
José Rogério Dias Xavier
Nascido em 23 de outubro de 1943,
no sítio Candeia, na época distrito de Martins, depois de Lucrécia e hoje
Frutuoso Gomes, Rogério Dias era o quarto filho dos catorze do casal de
agricultores Osmídio Xavier da Fonseca e Tertulina Dias Xavier. Onze deles nascidos
nesta localidade e os últimos três já em Mossoró, aonde chegaram em 1954 com o
objetivo de oferecer mais condições de estudos e de vida a todos da prole.
A terra de mais de 500 hectares ficou na responsabilidade de moradores, em regime de meia, mas seu Osmídio estava presente quinzenalmente para acompanhar a produção. Descia do trem uma estação antes da de Frutuoso Gomes e pegava uma canoa que atravessava a lagoa de Lucrécia e o deixava pertinho da casa do Sítio. Na bagagem de volta sempre trazia as riquezas da produção: rapadura, feita no próprio engenho de cana; farinha provinda da roça e produzida na Casa de Farinha; queijo de coalho e de manteiga provenientes do rebanho; batata doce e frutas como manga, banana e goiaba.
Quando ainda em Candeia, Rogério estudou a Cartilha do ABC com a professora Ritinha, ainda viva e morando em Martins. Seu primeiro colégio foi o 30 de Setembro, já em Mossoró, onde hoje funciona a Faculdade de Enfermagem. O pai havia alugado ao Sr. Raimundo Filgueira não só a casa na rua Venceslau Braz, próximo ao já existente Abrigo Amantino Câmara, como também sua torrefação, que funcionava no prédio vizinho de esquina.
Durante três anos a família de Rogério produziu e vendeu não só café como ainda corante para alimento, milho de mungunzá, massa de cuscuz e um produto que era conhecido como o chá de burro. “Era uma mistura dos grãos de café com os de milho que torrávamos, moíamos e muita gente comprava devido o preço ser mais acessível. Mas todo mundo sabia do que se tratava, além de ser um alimento rico e de gosto agradável, sucesso de vendas por um bom tempo na cidade”, conta.
Lembra também de uma vizinha em particular, a professora D'Alva Estella Nogueira Freire, patronesse do conservatório de música da UERN, que com sua voz marcante cantava e tocava piano e violino com maestria, para delícia dos ouvidos da vizinhança. No final de 1956, a família mudou a torrefação para um armazém que ficava no fundo da casa em que foram morar na rua Marechal Floriano, nos Paredões. Rogério ajudava o pai em todos os serviços e passou a estudar no Colégio Dom Bosco, da professora Dagmar Filgueira, quando ainda funcionava em uma casa de taipa na rua Machado de Assis. Terminou o ensino médio na Escola Estadual, no anexo instalado na ESAM.
SOMENTE QUANDO o pai fechou
definitivamente seu negócio é que Rogério foi trabalhar em outras empresas.
Primeiramente na C. Martins e Cia, de Hugo Freire Pinto, Apolônio Filgueira e
Nilson Chaves, que vendia eletrodomésticos. Em seguida na Farmácia Medeiros, de
Elder Andrade de Medeiros, recém-falecido, localizada em frente à Praça do Pax,
onde fazia de tudo, desde vender no balcão, até os serviços de limpeza e outros
mandados.
Trabalhou também no Banco Mossoró, atendendo os clientes com as fichas datilografadas e as transações escritas na mão. Certa vez, lembra Rogério, viu um dos funcionários entrar e sair sorrateiramente da Caixa Forte, o cofre do banco, apesar das ordens expressas de que ali era proibida a entrada sem a devida permissão. “No final do expediente o gerente chama a todos e comunica que devido o desaparecimento de determinada quantia seria o valor descontado de todos os funcionários. Adiantei-me e disse que do meu não sairia um centavo, até porque sabia quem havia tirado o dinheiro”, disse.
O gerente então o chama para denunciar o autor. Ele, porém, colocou uma condição para resolver a questão. Pediu a garantia de que a pessoa não fosse demitida, pois precisava muito daquele emprego. Assim foi feita a negociação, após a aprovação dos diretores da instituição. Rogério chamou o colega de trabalho e explicou a situação, perguntando se ele ainda tinha o dinheiro, ao que ouviu que só tinha menos da metade, pois havia comprado um remédio para esposa. “Organizei com os demais funcionários uma cotinha para completar o montante e o fiz devolver tudo. Anos depois, em um acidente de lambreta no caminho para Baraúna, soube que ele havia falecido”, revela sem dizer o nome.
Saiu do banco devido este mesmo senso de justiça e correção que sempre teve. Desafiou a esposa de um dos cotistas do banco por causa de uma amiga dela que passava constantemente cheques sem os devidos fundos. A regra era que o funcionário que pagasse acabava no prejuízo, no mínimo com uma forte reclamação. Em certo momento, Rogério se negou a pagar um determinado cheque que chegara as suas mãos, comprando assim a briga que lhe custou o emprego. “Recebi a notícia no outro dia através de um amigo que, todo sem jeito, veio me comunicar sobre minha demissão. Só fiz da meia volta e fui embora. Sempre fui muito positivo em minhas ações e decisões”, revela.
ENTROU EM SEGUIDA na COMEMSA
(Companhia Melhoramentos de Mossoró SA), empresa responsável pela distribuição
de energia e telefonia da cidade. Rogério era telefonista e tinha decorado os
números dos trezentos primeiros clientes da telefonia em Mossoró, na época cada
um com três dígitos apenas. Também fazia ligações interurbanas para São
Sebastião (Governador Dix-sept Rosado), Areia Branca, Caraúbas e Patu. Cidades
que já tinham a ligação da energia elétrica por postes, por onde também era
instalada a fiação telefônica. “Era só conectar o plug correspondente a cada
cidade”, conta.
A maior confusão no seu setor era quando se furava a fila dos pedidos de ligação. Questão resolvida quando o diretor da empresa baixou uma ordem dizendo que a partir daquela data estava expressamente proibido ‘furar a fila’ das ligações. “Ele ainda acrescentou: nem se for para mim mesmo vocês devem desrespeitar a ordem de pedidos”, lembra Rogério.
Na semana seguinte, uma senhora importante da cidade liga e Rogério a atende. Queria uma ligação urgente para São Sebastião. Ele então comunica a cliente que quando chegasse a sua vez ligaria para ela direcionando a chamada. Irritada, perguntou se ele sabia com quem estava falando, exigindo que a ligação fosse feita de imediato. Ao negar descumprir as ordens da direção, Rogério se viu em meio a uma situação vexatória. O diretor desceu poucos minutos depois e perguntou a turma quem havia se negado a fazer a ligação daquela cliente. Rogério se apresentou e disse cumprir ordens dele mesmo. O diretor então o mandou fazer a ligação, ao que ele respondeu: “Sente-se nesta minha cadeira e se quiser faça o senhor mesmo”. Foi embora em seguida, para saber no outro dia que estava demitido.
Cansado de tentar ser honesto
para servir aos outros, Rogério resolveu ser honesto para si mesmo. Entrou no
mundo do empreendedorismo, abrindo primeiro uma serigrafia e, logo em seguida,
uma escola de datilografia. Esta funcionava no prédio onde antes era a mercearia
de seu Cali, na avenida Dix-sept Rosado. Calistrato Nascimento já havia
falecido, mas Rogério namorava sua filha caçula, Célia Maria do Nascimento, o
que facilitou as negociações para a escolha do local. Eles se conheceram em uma
festa de Santa Luzia. Depois de nove anos de namoro casaram em 05 de abril de
1974. Tiveram três filhos: Janssen Klauss, advogado e funcionário da UERN; e os
gêmeos bivitelinos Janssen Khallyo, advogado, e Janssen Kladno, contabilista e
funcionário do INSS, especialista em previdência.
NESTA ÉPOCA, a família de Rogério
foi toda morar em Natal, ideia de sua irmã Socorro Dias, que alugou uma casa
por lá e um caminhão para levar a mudança. Ele foi o único que permaneceu na
cidade devido os negócios que estavam dando certo. Continuou morando na casa
próxima a Catedral de Santa Luzia, alugada a Osmídio Juvino, empresário que
morava na capital. “Morei dezessete anos neste local, nove depois que minha
família se mudou. Não morava só pelo fato de alugar quartos para amigos ou
jovens que vinham estudar ou trabalhar em Mossoró”, conta.
A escola Dat-Rápida estava de vento em popa, tanto que recebeu da professora Izaura Braga, a maior autoridade do ensino de datilografia no Brasil, autora de seu principal manual, ‘votos de que aquela escola seria em breve um modelo a ser seguido em cada estado brasileiro’. Rogério investiu no negócio, chegando a ter 70 máquinas de escrever e 600 alunos matriculados, funcionando das 6 às 22hs. Comprou e leu 13 manuais diferentes para criar o Manual da Dat-Rápida, que possibilitava fazer o curso em até um mês.
Até hoje guarda muitas das Fichas de Matrículas dos mais de 10 mil alunos que formou. Gente que acabou estabelecendo grandes negócios na cidade, como também pessoas das mais humildes, pois mais de 4 mil estudaram gratuitamente. “Sempre fui humano e caridoso acima de tudo. Nunca dei valor a dinheiro. Sensibilizava-me com os pais dos alunos que não tinham como pagar o curso e dava até o papel que eles usavam nas aulas”, confessa Rogério, demonstrando satisfação por ter feito.
Certa vez, um rapaz de Apodi
chegou na cidade de uma hora da madrugada e ficou na Feira das Melancias, que
ficava por trás da Catedral, até às cinco horas, quando foi bater na porta da
Dat-Rápida. Rogério o recebeu e ouviu dele que precisava estar em São Paulo em
12 dias para assumir um emprego que um amigo havia conseguido, só que tinha um
detalhe: precisava ser datilografo. Contou ainda que nas escolas de sua cidade
ninguém pôde o ajudar e que estava ali pedindo para que seu problema fosse resolvido.
De imediato, o novo aluno foi matriculado, se formando cinco dias depois de passar por todas as etapas do Manual próprio da Dat-Rápida. Três meses depois o rapaz, que Rogério não lembra o nome, ligou para a escola agradecendo mais uma vez a colaboração e comunicando que no departamento de uma metalúrgica em Santo André, onde trabalhava, havia ficado em primeiro lugar como datilografo entre todos os 54 funcionários. “Esta história me dá muito orgulho, retrato das inúmeras boas lembranças que carrego daquela minha iniciativa”, explica.
A ESCOLA ACABOU fechando em
decorrência dos novos tempos, impossíveis de serem evitados. O computador
estava chegando para ficar. Rogério foi diminuindo as máquinas, as emprestando
para jamais cobrá-las de volta, pois não tinha como também voltar o tempo.
Ficou apenas com a pioneira, uma Syemag alemã, para sua recordação pessoal. Já
a serigrafia durou cerca de 24 anos. Era onde Rogério dedicava a maior parte de
seu tempo, pois exercia a função de criador das peças publicitárias produzidas.
“A melhor parte da minha vida, onde pude exercitar meu potencial criativo e
também minha arte de desenhar”, explica.
Abriu também a Auge Publicidade, primeira agência de propaganda de Mossoró, ao lado do irmão Ivanaldo e de Nelson Rebouças. Tanta criatividade que algumas vezes causava muita confusão. Uma noite estava assistindo o jornal da TV Cabugi quando ouviu a notícia de que Mossoró havia registrado 37 casos de dengue. Rogério acamado com a doença, começou a contar quantas pessoas conhecidas estavam naquela mesma situação. Apenas perto de sua casa somou 35 pessoas, resolvendo assim produzir duas faixas com os seguintes dizeres: “Adquira já sua dengue hemorrágica por apenas uma picada do Aedes Aegypti e saia por aí se esvaindo-se em sangue.”
A assinatura das faixas ainda
trazia em letras garrafais: MOSSORÓ, CAPITAL DAS EPIDEMIAS. Era o dia do
aniversário do prefeito Dix-huit Rosado, que ao se deparar com a faixa colocada
na Estação das Artes logo mandou a arrancar e ligou para o jornal Gazeta do
Oeste denunciando a subversão, a agressão à democracia representada por aquela
pouca vergonha.
O jornal publicou no outro dia um texto denunciando os terroristas, sem saber de quem se tratava. Um advogado amigo de Rogério, no entanto, que acompanhava toda a celeuma, ligou para ele e perguntou: “Amigo, você tem algo a ver com estas faixas?”. Ao que ouviu Rogério responder: “Fui eu que escrevi, mandei fazer e colocar”, contou rindo. O negócio só não foi mais pra frente pelas ‘cobertas de panos quentes’ colocadas por vários amigos.
ROGÉRIO APROVEITOU ainda toda sua
capacidade de comunicação, irreverência e polêmica para enveredar no mundo da
política, disputando duas eleições. Em 1976, ficou na primeira suplência de
vereador. Já em 1982, foi o candidato a vice-prefeito na chapa do professor
João Batista Xavier. Segundo ele, decidiu nunca mais ser candidato a cargo
algum durante a apuração dos votos daquela eleição, que era feita de forma
manual e onde viu acontecer tudo a favor de quem detinha o poder há décadas na
cidade. “Algo seboso, nojento, que atrasa a sociedade privilegiando alguns
poucos”, resume.
Colecionador de peças raras, Rogério possui em seu acervo diverso mais de 50 mil moedas antigas, uma ossada de baleia, artesanatos em madeira, decorativos, punhais raros, inclusive o que recebeu de presente do cangaceiro Asa Branca, que se tornou seu amigo, entre tantos e tantos outros objetos a decorar sua residência. Peças que decoravam também uma das suas maiores paixões: o restaurante Chap-Chap, onde teve a oportunidade de fazer muita coisa importante no mundo cultural.
“Abri o espaço antes mesmo de encerrar as atividades da serigrafia. O nome era uma homenagem a expressão dos americanos durante a segunda guerra quando se referiam a degustação, seja em locais de refeição, seja nos cabarés. Durante muitos anos foi point da alta elite cultural de Mossoró, com exposições diversas, música ao vivo, palestras educativas, cursos e até um ato ecumênico em lançamento de livro.
Também era o lugar onde podia expor suas ideias sem ninguém colocar limites ou exercer poder de censura. As paredes decoradas com suas frases, retratava sua busca pela correção, bondade e justiça: “Me chamam de Fome, mas meu nome é... Desatenção”; “Porque tantas interrogações em nossas vidas, se a própria vida é a maior das interrogações”; “A insensibilidade não derrama lágrimas, não sente fome, não sente dor, não tem amor, não sente, não sente, não sente...”
Fotos: Pacífico Medeiros
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogodmendesemendes.blogspot.com
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