*Rangel Alves
da Costa
Ao longe eu já
avistava os paredões altos do tanque. Mas somente quando cheguei mais adiante é
que pude perceber a água se espalhando na fundura. Pelo tamanho da fonte, já se
percebia que não demoraria muito tempo para tudo enlamear novamente. Mas ainda muita
água, em se falando de um sertão já ressentido da estiagem.
De toda água
ali contida, somente uma pequena parte estava à mostra, pois o restante toda
encoberta por uma folhagem verde que o sertanejo denomina de “orelha de burro”.
E serve não só para proteger a água dos raios de sol como para alimentar a vida
piscosa acaso existente nas suas funduras. Assim, somente ao redor da margem se
mantinha à vista, pois todo o resto do tanque recoberto pela especial e natural
proteção.
Fui subindo
pelos paredões até chegar ao ponto mais elevado. De lá, de um lado avistava uma
vegetação cactácea, com xiquexique, jurubeba, mandacaru e cabeça-de-frade, bem
como árvores secas e catingueiras de poucas folhagens, e do outro lado a
descida íngreme do paredão até chegar à beirada do tanque. E neste um
verdadeiro campo verdoso por cima da água. E também pássaros sertanejos
calmamente passeando sobre as folhagens.
Não demorou
muito e apenas um pássaro permaneceu no local. Talvez pressentindo a minha
presença, os outros logo se apressaram em levantar voo e sumir pelos arredores.
Mas aquele ficou. Ficou e ali permaneceu como se não desejasse se afastar de
minha companhia. Lá no alto eu apenas mirava seus pequenos passos de canto a
outro por cima das folhas verdes por cima da água. Outros pássaros passavam em
rasante, porém ele nada de levantar voo e seguir.
E de repente
ele se aproximou um pouco mais da beirada do paredão e ficou como que imóvel
olhando na minha direção. Uns dois ou três pássaros pousaram um pouco mais
adiante, uma revoada seguiu pelos horizontes, zunidos da natureza entrecortando
os ares, mas nada disso fazia com que saísse daquele lugar, daquela posição e
se desse conta das demais situações ao redor. Apenas continuava mirando na
minha direção.
Quanta coisa
me veio à mente diante do pássaro assim. Quanto pensamento me chegou perante
aquela situação. O que ele estava avistando? Por que me olhar tanto assim? O
que desejaria de mim? Estaria com medo, estaria pensando que a qualquer momento
eu jogaria uma pedra na sua direção? Estaria imaginando que eu poderia ser
aquele dono de seu último voo, de seu último respiro de vida?
Enquanto
pensava sobre tanta coisa, inesperadamente veio-me uma lágrima ao olho. Eu
estava comovido demais, mas não sabia que uma lágrima pudesse surgir como
comprovação. Mas enquanto eu passava a mão pelo canto do olho, afastando por
instante o olhar daquela direção, ao procurar avistar novamente nada mais
encontrei: o pássaro havia sumido. Rapidamente olhei para o alto, pelos
arredores, em todas as direções, mas nada consegui enxergar daquela pequena
ave.
Estava com uma
pedra à mão e, completamente desiludido, atirei-a na direção das águas, no
mesmo lugar onde o pássaro estava. Enquanto eu, entristecido, observava os
círculos se espalhando, eis que senti um leve toque no ombro. Era ele, o
pássaro, chegado em voo tão leve que senti apenas como se uma folha seca caísse
sobre mim. Que momento de emoção, que sensação mais doce e espantosa, que coisa
mais indescritivelmente bela.
Então tudo se
fez poema:
Um pássaro no
meu umbro
um pássaro em
mim
aquele que voa
naquele que
quer voar
e nos dois a
certeza
de que tudo é
possível
quando o
coração
por guardar um
ninho
deixa de ser
sozinho.
Desci do
paredão e paguei o caminho de volta. Sentia ainda a presença do pássaro. Ele me
acompanhava sem sair do lugar. E não sei quando voou, não sei quando partiu e
me deixou. Apenas sei que de vez em quando o avisto voando acima de mim, por
todo lugar. Seja no campo ou na cidade.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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