Por Campos Monteiro
O comandante
preparara o assalto com todo o cuidado, e tomara as precauções necessárias para
não se repetirem os erros de Cadeade. Acompanhavam-no, talvez, 25 homens (ou
mais alguns, no máximo 30: a polícia não conseguiu apurar todos os nomes).
Ajudado pela sua experiência guerreira, traçou uma estratégia apropriada e pensou em todos os pormenores.
Mandara fazer
um reconhecimento prévio ao local e escolhera os homens que entrariam consigo
dentro de casa. Os restantes cobririam o assalto, uns vigiando os caminhos que
levavam à quinta, outros postando-se mesmo ao redor da casa. Para pôr todo este
grande plano em marcha, faltava só o regresso do batedor que enviara à frente
para verificar se estava o caminho livre. Esse homem era o Vinagre, arrematante
de carnes por profissão, em Canaveses, e profundo conhecedor da região.
- Vamos ter
uma cobertura completa - disse o Avarento enquanto esperavam por notícias. - Os
povos aqui para estes lados ficam longe da quinta, e os caseiros estão muito
espalhados, e mesmo que quisessem não podiam acudir, porque temos muito
pessoal.
- Se não
fossem os meus homens não havia esta segurança toda - disse o Joaquim do
Telhado, mal podendo abafar a inveja por os seus subordinados preferirem a
chefia do irmão.
- Só há aqui
uma coisa - interveio o Manuel Morgado. - Mourilhe é uma povoação grande, e
podemos tê-los à perna. Fica logo do lado de lá do rio. Basta desconfiarem de
alguma coisa, e aí vêm eles, é só meterem-se nos barcos, estão aí em menos de
um credo.
- És um
palerma! - replicou-lhe o José do Telhado. - Preparei tudo. Mandei os
barqueiros virem todos para o lado de cá, Mourilhe está sem barcos.
- E não há o
perigo de eles desobedecerem? - perguntou o Glórias.
- Respeitam-me
muito - respondeu o José do Telhado. - Não vão arredar pé sem eu dar ordens.
Calaram-se.
Ouviam-se passos a aproximar-se. Era o Vinagre que estava de volta.
- As novidades
não são boas, chefe! - apressou-se ele a dizer. - Ainda há muita gente na casa.
- Ó diabo! -
exclamou o comandante, preocupado. - Mas há homens? Viste bem?
- Há alguns!
Há alguns! Estive lá mesmo ao pé de casa, é uma confusão, ainda há fidalgos e
povo por todo o lado, ninguém deu por mim. Eu soube, por uma criada, que além
da senhora, da irmã e da menina, ainda ficam lá para amanhã, o genro e o
capelão, e o abade de Penha Longa, e mais o de Paços de Gaiolo, e um tal Serpa
Pinto que é da Casa de Cerdeiredo, e mais duas meninas que são irmãs do genro.
- É muita
gente! -disse o José do Telhado, pensativo. - É melhor esperar até amanhã.
Todo o bando
olhou com ar interrogador para o comandante, aguardando explicações: então, o
que fazer?
O José do
Telhado virou-se para o Vinagre e recomendou-lhe: - Vais lá baixo à venda do
José Ferreira, das Fragas, e trazeis comida à farta, broa, chouriço, e um
cântaro de vinho e tabaco. Mas diz-Ihe que... bico calado! Desandas logo com
ele para aqui, e não quero que vos vejam.
- Pronto! Está
descansado!
E o Vinagre
apressou-se a descer até à venda do José Ferreira, das Fragas.
No dia
seguinte, 8 de Janeiro.
Terminara a
ceia na Casa de Carrapatelo.
João, um dos
dois homens que nesse momento se encontrava em casa - os outros criados, um
fora ver sua mãe, outros dois tinham ido acompanhar ao fim da tarde o capelão,
e finalmente o Francisco estava doente -, acabara de fechar todas as portas.
Aproximavam-se as oito horas. Como de costume, os cães tinham entrado na
cozinha para comer.
D. Ana Vitória
encontrava-se num dos dois quartos do andar superior do edifício (eram as
águas-furtadas) conversando com a filha, O. Ana Amélia, com a filha natural do
falecido, D. Rita de Cássia, idade cerca de 45 anos, e com duas outras meninas,
D. Maria da Glória e D. Josefa Maurícia (irmãs do genro por parte da outra
filha que não estava presente; teriam ambas uns 22 anos de idade"
- Mãe!
Pareceu-me ouvir barulho! -exclamou Ana Amélia, assustada.
- Não é nada.
Foi impressão tua. São os criados a falar - disse D. Ana Vitória, procurando
tranquilizar a filha.
Os criados que
se encontravam em casa, nesse dia, eram:
João de
Carvalho, novo, mas não sabemos a idade José Pinto, 26 anos Luísa Maria, 37 anos Quitéria, 20 anos Marcelina, 19 anos
Entretanto,
momentos antes, tinham batido à porta da cozinha. O fiel João, pensando
tratar-se de qualquer caseiro que viesse trazer algum recado ou saber
ordens, aprestou-se a abrir a porta, ao mesmo tempo que soltava os cães e
perguntava:
- Quem está
aí?
De imediato
surge-lhe um vulto pela frente. Ouve mais passos. Lembra-se dos ladrões Num
movimento rápido, procura recuar e deitar a mão à porta para a fechar.
O Peneireiro
vibrou-lhe uma violenta pancada com as costas de um machado, fazendo-o cair no
chão, sem sentidos, à entrada da cozinha.
- Este já
está! - exclamou o agressor.
Instantes
depois, estavam dentro da cozinha uns dez homens: entre eles, o José do
Telhado, como comandante; e ainda o Joaquim do Telhado, o José Pequeno, o
Glórrias, o João de Morais, o Peneireiro, o Francisco Mineiro, e os irmãos
Pedreiro (o Sopro-Leve). O José do Telhado e o seu irmão Joaquim levavam
bacamarte e pistolas, e os outros iam armados com clavinas, pistolas, machados
ou facas (4).
-Tu e o
Glórias ficais aí de guarda! - ordenou o comandante virando-se para o
Peneireiro. - Vigiais e vedes se é preciso alguma coisa. Não quero que façam
mal ao homem. Se ele vier a si, mandai-o estar quieto.
As criadas
gritaram. Foi um pandemónio. Luísa, a mais velha, estava sentada ao lume.
- Onde estão
as suas amas? - perguntou-lhe o José do Telhado.
Diante de tantos assaltantes e o João de Carvalho no chão com a cabeça partida, Luísa nada podia fazer, quase nem podia entrar em pânico, tinha de enfrentar a situação com o máximo de sentido prático possível.
- As minhas
amas estão nas águas-furtadas.
- Leve-nos até
lá - disse o comandante.
Luísa
obedeceu, conduzindo-os pelo corredor em direcção à sala.
Aproveitando a
barafunda da agressão ao criado, a Marcelina, que também se encontrava na
cozinha, percebeu de imediato o que se passava e num tremendo salto de pavor
subiu para cima do forno e daí para o caniço (5), onde se manteve quieta e
aterrorizada vendo o que em baixo se passava. No meio da confusão, ninguém
reparara na sua fuga. "Oxalá não se lembrassem de a procurar!",
pensou. "Oxalá que uma tossidela involuntária, ou até a simples
respiração, a não denunciassem!"
Enviado de Lisboa capital de Portugal pelo pesquisador Roberto Emídio
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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