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sábado, 4 de fevereiro de 2017

NAS MAIS PROFUNDAS RAÍZES DA TERRA

*Rangel Alves da Costa

Mais uma vez retorno ao meu berço de nascimento para reencontrar e abraçar as mais profundas raízes da terra. Nas suas profundezas, as primeiras gestações, as primeiras sementes, e que foram vingadas em imponentes frutos e troncos familiares.

Minha terra é sertaneja, é matuta, é cabocla. Num passado distante, quando ainda a mata nativa e seus habitantes prosperavam por todo canto e por todo lugar, a terra nua sequer imaginava em acolher no seu ventre uma raça tão devotada ao seu chão.

Quando o homem, abrindo caminho rumo aos sertões pelas águas do Velho Chico, aportou nas suas margens, e destas beiradas foi adentrado ao longe desconhecido, então os primeiros passos estavam dados ao que somos hoje.

E o que somos hoje é de uma feição sertaneja tão bem descrita por Euclides da Cunha: Antes de tudo, um forte. O que somos hoje é de uma raça de incansável luta e contínua esperança. O que somos hoje é de uma inigualável característica: filhos devotados ao seu ventre na terra.

Assim, desde aqueles idos, onde as primeiras penetrações mata adentro foram abrindo caminhos à formação de um povo, de uma raça típica e peculiarmente sertaneja, que se tem como sertão o singelo retrato de uma gente que a cada dia vai confrontando as dificuldades das intempéries naturais para sobreviver.

E foi dessa constante luta que nasceu e vingou a força do povo sertanejo. Desde aqueles primeiros colonizadores até os dias de hoje, sempre a força de um povo para vencer as secas e as estiagens, para combater os esquecimentos do poder, para prosperar e persistir na existência ante as angústias e os sofrimentos.

Uma vez em cima da terra, logo o surgimento do primeiro casebre, da primeira moradia de barro e cipó, logo o primeiro curral, o primeiro plantio, a primeira colheita. No fogo de chão o prato do dia, mais adiante a vaquinha e o garrote pastando, e por todo lugar uma vastidão sertaneja ainda a ser preenchida.


Dos pais, os filhos. Destes filhos, outros filhos, gestando o que se tem por geração sertaneja. Das casinhas, o surgimento de outras moradias, mais fortes, aconchegantes e até imponentes para um sertão marcado pela constante falta de chuvas, dificuldades na criação de animais e carência de alimentos da terra.

Uma vida de vaqueiros, de coletores, de caçadores, de comboieiros, de artesões do couro, de pequenos ofícios, de trabalho na terra. Nas mãos a enxada, a foice, o facão. Na cabeça o chapéu de couro, nos pés o roló de couro cru. Na vida vaqueira, o cavalo, o gibão, a perneira, a sorte e o destemor para lidar com bicho brabo embrenhado num mundo de catingueiras e garranchos.

Um mundo de João, de Maria, de Antônio, de Sebastiana, de Pedro, de Josefa, de Manoel, de Raimunda, um mundo tão sertanejo. O menino barrigudinho brinca na malhada com ponta de vaca enquanto sua mãe bate o pilão para depois peneirar e fazer o café, preparar o alimento de cada dia.

Dia após dia e o duro ofício da sobrevivência. O sertão se fez assim, no trabalho árduo de pessoas simples e sonhadoras, de pessoas humildes e compromissadas com o seu amanhã. Ante os sofrimentos causados pela terra esturricada de sol, somente a fé para manter viva a esperança nos corações. Daí a profunda religiosidade de um povo que sempre esperou em Deus sua força para viver e vencer.

Sou de um mundo assim, desse mundo tão sertanejo. Nasci do útero da terra seca, árida, tantas vezes esturricada. Mas também de um jardim onde florescem os mais belos gestos de vida e de onde brotam as mais ricas sementes de fé e esperança. E de uma contínua primavera nos gestos acolhedores dos mais humildes. Quanto mais humilde for o sertanejo mais ele terá o coração do tamanho de seu vasto mundo.

O meu povo, o povo sertanejo, é uma gente apenas orgulhosa de seu mundo. Do mais humilde ao mais alavancado na vida, sempre o prazer incontido de ter nascido e ser filho de uma terra grandiosa em tudo. Se há muita pobreza e sofrimento, inegável que há muito mais riqueza na história, na cultura, nas tradições. Inegável que há o dom da inseparável identidade entre a terra e o próprio sertanejo.

Por isso que bebo sedento nas mais profundas raízes da terra. Uma sede saciada no amor e no orgulho de filho. E sempre um gole prazeroso de ser tão sertanejo.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

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