(...)
Jaguar - Bom,
conta cumé que você foi preso?
- Bom, o
seguinte foi esse: a minha prisão foi por causa de um colega meu mesmo. Foi
mais por causa de eu me doer por causa dos outros e, no fim, me deram um chute.
E quem padece sempre sou eu. Mas agora eu já deixei isso prum lado, que não dá
certo. O caso foi esse: nesse combate de Massaranduba, onde morreram três e
saiu um baleado – o baleado chamava-se Bananeira. Foi baleado na rótula, mas
nós não tinha visto ele. Nós tava brigando, e quando terminou a briga, que nós
se arretiramos e chegamos na frente, ele ficou dando com a mão de lá. Então, eu
olhei e falei: "ô capitão, lá tem um chamando e é um dos
nossos". Aí ele suspendeu a cabeça e eu vi que era o Bananeira e ele
tava baleado. E eu disse: "Vamos lá". Ele disse: "Eu
já saí e num vou voltar mais lá". Eu digo: "Mas como é que
é que o senhor falou que é um por todos e todos por um? Vamos salvar o rapaz,
ele tá vivo, num tá morto ainda". Aí ele disse: "Eu num vou
mais, se você quiser ir, vai. Eu num vou". Eu chamei o Fortaleza e
falei que o Bananeira tava baleado e ele perguntou: "Já chamou o
capitão?" Eu disse: "Já. Ele disse que já terminou o
combate e que ele não vai lá mais". Eu disse: "Você é
forte, cê carrega ele e eu agüento o fogo". Então fomos. Aí, chegamos
lá e botamos o fogo. O rapaz botou ele no ombro e tiramos ele pra fora. Quando
nós tiramos ele fora e trouxemos, eu disse: "Capitão, o rapaz taí e
tá baleado na perna. Nós temos que salvar ele, levar ele pra um lugar qualquer
aí e dar remédio que o homem vai ficar bom". Lampião disse: “Bom,
então você leva ele. Você que foi lá buscar, então, você leva ele".
Ziraldo - Mas por que o Lampião tomou essa atitude? Você não tem uma ideia?
- Num sei. Ele se aborreceu justamente porque eu disse que ia buscar ele. Aí, eu apanhei o rapaz, levamos e chegando na frente ele disse: "Bom, você fica aí que eu vou ver se pego um animal pra montar ele. Porque nós não podemos levar ele na rede".
Aí o Fortaleza disse: "Mas cumé que o capitão faz uma coisa dessas?” Eu disse: "Eu acho que ele tá mal satisfeito!" Aí Lampião disse: "Então, você vai, pega o animal e leva ele". Aí chamei um outro, nós pegamos um cavalo lá, fizemos uns negócios, montamos ele e saímos. Lampião disse: "Bota ele na frente que quando os macacos aparecerem, nós tamos aqui. É tempo de você ir e tirar ele pra lá".
Eu disse: "Tá bem." Aí ele disse: "Como é, bota ele pra frente"! Eu digo: "Mas outra vez? Cê num tá vendo que ele tá machucado e não pode ir assim?” Ele disse: "Mas você num foi tirar ele de lá? Então cê pode". Aí eu vi que ele queria me provocar e digo: "Bom, se é isso, não tem problema não. O senhor manda um outro aí ajudar que eu monto ele e passamos pra frente".
Ele disse: "Não, monta ele sozinho". Aí, o Bananeira disse assim pra mim: "Nada, deixa isso pra lá, ele fica com pilunga contigo. Eu num sei porque. Eu não tive culpa de ser baleado".
Eu digo: "Não, mas você num vai ficar sozinho não. Cê vai comigo". Aí, chamei um rapazinho que tinha lá - Pocorante (Pó Corante).
Chamei ele e disse: "Vamos embora". Aí, pegamos ele e fomos embora. Nós levamos ele pra frente, quando chegamos lá no lugar que ia tratar dele, na fazenda, eu digo:
"Eu vou viajar. Mas o rapaz tem que ser medicado. Num vai ficar assim não". Lampião disse: "Ah, porque num sei o quê". Eu digo: "O senhor tem razão de falar, porque o senhor é o chefe. Mas o senhor não devia fazer isso não”. Mas esse Pocorante, esse colega meu, tava mesmo procurando um negócio. Aí, Lampião pegou e disse:
"Você vai lá pegar o meu burro". Aí, depois, Lampião chegou pra mim: "Ele não encontrou o burro, não. Você vai lá e dá umas voltinhas, vê se encontra o burro". Aí, eu saí e o burro tava em pé ali. Eu cheguei e disse: "Mas você não encontrou o burro? O burro tava aqui, como é que você não viu o burro?” Lampião então falou pra ele: "Eu tava bem era de dar um murro na sua cara".
E o Pocorante ficou calado. depois eu fui procurar o Pocoronte e disse: "Escuta rapaz, cumé que um home diz que dá um tapa na sua cara e você fica calado? Escuta, pra que é que você tem um fuzil na mão? Pra que que você tem tanta bala? É pra você mesmo? Ah, num pode dizer nada, que é com o capitão? Ah, bom, então, amanhã ele se enche de gozo e diz que bate na minha cara e eu dou-lhe um tiro na cara dele também". Aí, Pocorante disse: "É, mas é todo mundo colega da gente mesmo. Na hora ele opina contra, não sei o quê..." Digo: "Não sei o quê, nada". Ele saiu, amarrou a camisinha e foi direto a ele. "Ó capitão, o senhor disse que ia bater na minha cara. Eu disse pro Volta Seca e ele disse que se o senhor dissesse que ia bater na cara dele, ele dava um tiro na sua cara.” Fez uma fofoca direto. Aí, eu venho de lá pra cá e Lampião mandou me chamar: "Você disse que se eu te desse um tapa você me dava um tiro". E eu: "Dava, não, eu dou. Dava é uma coisa, eu dou. Quer ver? Experimente". Aí, ele ficou falando, num sei o quê...
Jaguar - Ele num tava num bom dia, hein, rapaz?
- Sei não.
Millôr - Enquanto isso, onde estava o ferido, o Bananeira?
- O Bananeira tava numa fazenda, sendo medicado.
Ziraldo - Eu acho que Lampião não tava querendo arriscar o bando dele por causa de um que já tava morrendo.
- Eu acho que era isso. Bom, aí ele pegou com aquele negócio comigo, todo dia tendo uma conversinha. E quando foi de noite, mandou me chamar. Eu fui, chegou perto, me fez a mesma pergunta e eu respondi a mesma coisa. Aí, veio a Maria mesmo e disse: "Lampião, você deve deixar isso pro lado. Você fica toda hora procurando uma coisa e deve deixar. Ele é seu amigo, você é amigo dele, é superior a ele, é tudo. Mas ele tá certo. Ninguém vai querer tomar tapa na cara, isso num fica certo. Então, você não deve fazer isso. Deve parar com esse negócio". Aí, bem, parou.
Quando é de noite, ele mandou me chamar e eu mandei dizer que não ia mais lá. Aí, ele ficou falando que no outro dia de manhã ia me almoçar, num sei o quê... Os outros vinham e me diziam:
"Olha, cuidado, o Lampião disse que vai te almoçar amanhã".
Eu disse: "Num faz mal, não. Diz pra ele que eu janto ele agora de noite também".
Aí, quando foi mais ou menos meia-noite, ele botou gente em roda pra eu não sair, que queria falar comigo de manhã.
Eu disse: "Num faz mal". Aí, veio o cunhado dele mesmo, o Virgínio: "Volta Seca, cê sabe que eu gosto de você, o Mariano também. É todo mundo seu amigo, ele pode mandar matar você e nós num pode fazer nada. E vai ser uma coisa. Então, vai embora, vai por teu caminho, vai embora".
Eu digo: "Tá certo". Aí, ele mandou pedir as armas e eu disse que não dava. Mandou que eu entregasse fuzil e munição e eu disse que não entregava. Mas não entregava mesmo. Aí, com o auxílio dos outros, eu fui embora.
Ziraldo - A pé ou a cavalo?
- A pé. Eu fui embora. Aí, ele mandou recado pra tudo quanto é fazenda, que no lugar que eu passasse, ia me matar.
Ziraldo - Aí você ficou numa ruim, né?
– Pois é. Aí, fiquei contra. Mas não tem nada, não. O destino é esse, é esse mesmo. Se morrer hoje, morri; se morrer amanhã, morri. É tudo a mesma coisa. Quatro dias depois encontro com o oficial com a volante. Um cara lá, que era meu amigão, moleque sem-vergonha, me cagoetou.
Jaguar - Qual era o nome dele?
- Chamava-se Adão.
Jaguar - Onde você conheceu ele?
- Lá na fazenda.
Ziraldo - Ele já morreu?
- Eu não sei se ele tá vivo ou se tá morto. Só sei que chamava Adão. Então, ajuntou lá um time e me cagoetou com a polícia.
Sérgio Cabral - Isso onde?
- Lá no Estado da Bahia.
Ziraldo - Que cidade?
- Não é cidade não, é mato mesmo, Lagoa da Onça. Aí, eu cheguei lá e um rapaz falou comigo que era pra eu tomar cuidado que a polícia tava por ali. Eu disse: "Pode deixar comigo que eu sei sair". Quando foi de manhã, eu saí e matei um garrote. Quando eu tava tirando o couro do garrote, eles me cercaram dentro de uma roda...”
Millôr - Estava matando o garrote pra comer?
- É. E aí mandaram bala em mim. Tinha um rapazinho comigo ali e ele logo recebeu um na cabeça e caiu logo ali.
Jaguar - Era amigo, seu, esse cara?
- Era, tava comigo.
Sérgio Cabral - Num queriam nem prender, queriam era matar?
- O negócio num era prender, não. Era matar.
Ziraldo - Como é que você escapou dessa?
- Como que eu escapei? Eu saí, arrombei a cerca por baixo, cheguei por detrais dele, dei uns dois tiros e caí fora. Eles ficaram lá, brigando umas duas horas, eles mesmos, sozinhos. Eu fui embora. Cheguei lá, fiquei sentado, chupando melancia. E a minha vontade era de ir lá, só escutando eles gastando bala feito diabo. E eu quieto, quietinho lá no meu canto. depois, eu saí e fui na casa desse cara. Num sabia de nada.
Millôr - Do Adão?
- É, desse Adão. E ele já tinha chamado a turma dele toda lá, tava tudo dentro de casa. Eu num sabia de nada, era amigo, né? Aí, quando cheguei lá, ele disse: "Ôpa, que que há, rapaz?” Eu digo: "nada". Ele diz: "O que que foi aquele tiroteio?” Eu digo: "Eles me encontraram ali e me deram uns tiros: eu dei uns dois também neles e caí fora". Ele diz: "Ô rapaz, a tua mão num tá de calo, não?” Olha, cê vê como que pode. A falsidade dói como o diabo... Ele de novo: "Escuta, rapaz, sua mão num tá de calo, não?” E eu: "Que nada, rapaz, isso é bobagem". Ele pegou a minha mão e apertou. Quando ele apertou, eu digo: "Ô rapaz, deixa disso". Ele disse: "Você tá preso". Eu digo: "Preso? Olha, rapaz, eu pego você sem Deus me ajudar".
Foi a palavra mais errada que eu disse na minha vida. Ele aí avançou em cima de mim. Quando ele avançou, eu chamei ele e botei no chão. Aí ele gritou: "Me acode!” Quando eu vi, já tava todo mundo em cima de mim. Uns 15.
Millôr - Você tinha uns 14 anos, né? Um menininho...
- Era garoto, mas era forte. Andei tombando uns dois lá, e aí, pronto. Eles me amarraram igual um porco. Diziam: "Eu mato, num mato..." Aí, veio a irmã dele, que queria dar boa vida a ele, e disse: "Num façam isso com ele não. Já que vocês prenderam, leva ele e entrega na polícia". Eu, amarrado, que que podia fazer? Eles me pegaram e foram me entregar justamente a esse tenente que estava baleado. Lá no tiroteio ele tomou um tiro e tava com as costas toda esfacelada. Aí, quando chegaram lá e me entregaram, foi o mesmo que entregar um mosquito nas mãos de urubu. Empurra pra lá, empurra pra cá, eu num vi mais nada. Eu olhava pra cara daqueles fedorentos e endoidei, fiquei maluco. Aí, chegou um crioulão com um chapelão: "O negócio é matar". Aí foi dar um tapa na minha cara. Eu abaixei e dei um pontapé nele...
Millôr - Tava amarrado ainda?
- Amarrado. Aí, veio o tenente lá, todo emplastado: "Num toca nesse homem não!” É um tenente alagoano – eu esqueci o nome do homem. E foi logo dizendo: "A hora de vocês matarem ele era lá, na hora que vocês estavam brigando. Eu recebi esse tiro e vocês saíram correndo. Então, era nessa hora que vocês deviam ter matado ele. Aqui ele tá garantido por um homem e pela lei e ninguém precisa pôr um dedo nele".
Ziraldo - Cê acertou o coice no sargento?
- Acertei e foi um coice desgraçado. Ele caiu lá com a mão, rolando pelo chão. Eu digo: "E se dane". O tenente é Joaquim, Zé Joaquim. Ele disse: "O homem tá garantido e eu não entrego a ninguém a não ser o (sic) chefe da polícia. Num sendo ele, num sai da minha mão. E qualquer coisa que triscar nesse homem aí, já pode saber que vai expulso e preso".
Ziraldo - Ele sabia que você era o Volta Seca?
- Sabia.
Millôr - Isso foi em Alagoas?
- Foi na Bahia mesmo, Santo Antonio da Glória. Aí, eu fiquei lá, num comia nada.
Ziraldo - Na prisão eles não davam comida?
- Não, vinha de tudo, farinha pura...
Jaguar - Você ficou preso em Santo Antonio da Glória?
- Foi. Não tinha fome nem sentia nada, revoltado.
Ziraldo - Os jornais anunciaram essa prisão lá na cidade?
- Só depois. Aí, eu digo, tá certo. Viro daqui, viro dali, o tenente diz: "Aqui ninguém toca em você, nem nada". E passou logo um telegrama pra polícia, pro chefe da polícia, que era o capitão João Facó. Aí, ele mandou reforço: "Diga que garanto o homem, num toca num dedo dele, nem nada, me traz o homem". E disse: "Entrega pro coronel Costinha que ele recambia ele daqui pro Rio, pra Bahia". O coronel Costinha mesmo foi me buscar, mas o tenente disse: "Não, eu mesmo levo e entrego lá. Num tenho confiança de deixar vocês levarem ele".
Millôr - Bacana o homem, hein?
- É, tá certo, bacana. Nós saímos e quando nós chegamos lá no trem, ia pra mais de 300. Um carro do trem, uma traça daquela, não cabia ninguém, a não ser eu e a polícia só. Um carro só, e veio cheio que não tinha lugar pra sentar.
Millôr - Cheio de polícia pra levar você, né?
- É. Pra me levar. Eu tava amarrado, porque Lampião mandou recado que se não me segurasse, eles iam me pegar no lugar que eu tivesse. No trem, no caminhão, no diabo que fosse. E botou diversas emboscadas, mas eles souberam fazer o troço. Chegando lá, me entregaram, e de lá me tocaram pra Bahia.
Millôr - Eles te entregaram perto de Canudos?
- Não, muito pra baixo.
Ziraldo - Se o Lampião pegasse você, cê tava perdido dos dois lados, né?
- Tava não, ele já queria me salvar. O negócio era esse.
Millôr - A essa altura ele já queria te salvar, né? Então, você chegou na Bahia...
- Me tocaram pra Salvador.
Millôr - Você nunca tinha ido à capital?
- Não.
Jaguar - Quanto tempo você esperou pra ser julgado? Uns dois anos?
- Uns dois anos.
Ziraldo - Quando você foi julgado, aqueles dois primeiros crimes estavam no julgamento?
- Não, aqueles já tinham sido prescritos.
Ziraldo - Eles não ficaram sabendo daquilo, né? Aquilo era lá dos cafundós...
...Jaguar - Só foi julgado pelos casos do cangaço, né?
- Só, e eles mesmo num davam nada não.
Aparício - Quem te defendeu?
- Quem me defendeu foi Deus e eu mesmo. Não tinha ninguém por mim.
Ziraldo - Cê num teve advogado?...
Millôr - Cê num teve julgamento com promotor de acusação?
- Na hora teve uma moça, uma advogada, chegou e disse: "Eu vou defendê-lo e vou botá-lo na rua". O juiz num aceitou.
Ziraldo - Quem era esse juiz e essa advogada?
- Ela eu num me lembro do nome, não. Era uma moça de Vila Nova da Rainha. O juiz eu num quero nem tocar no nome dele, deixa esse negócio de juiz pra lá.
Millôr - Agora, Volta Seca, é verdade que você tem um jornal guardado pra fazer o Jorge Amado engolir?
- Isso eu falei, mas agora já acabou.
Millôr - Acabou o jornal ou acabou a pinimba?
- Acabou a pinimba.
Jaguar - Por quê?
- Ele escreveu num livro dele que me conheceu muito, em Água de Menino, na Bahia. E se ele me conheceu, foi quando fui preso, porque, na Bahia, eu nunca tinha ido na capital. E ele então escreveu que tinha visto eu em Água de Menino, sendo capitão de areia.
Sérgio Cabral - Ele falou mal de você?
- Me chamou de capitão de areia. Então, eu disse mesmo: "Eu tenho o jornal guardado pra um dia dar pra ele comer". Mas eu já deixei pra lá. Deixei até de ganhar dinheiro um dia desses, só porque me disseram que ele ia também. Era no Hotel Serrador, ia ter uma peça e ele ia também. Então, quando me falaram que ele ia, eu disse: "Pode me tirar fora, vou não".
Ziraldo - Num gosta de mentiroso...
- Eu não. Quando falar, fala verdade. Tá certo falar aquilo que aconteceu, mas mentir!...
Jaguar - Você cumpriu a pena onde?
- Na Bahia.
Jaguar - Fugiu quantas vezes?
- Só duas.
Jaguar - Voltou ou te pegaram?
- Pegaram, voltou o quê? Se eu fugia, cumé que eu ia voltar?
Ziraldo - Podia. Tá ruim cá fora, né?
- Tava não, eu fazia grana.
Millôr - Você viu, por acaso, aquele filme, Cangaceiro, do Lima Barreto?
- Eu trabalhei também. Aquilo tudo foi orientação mais minha.
Jaguar - Como você soube da morte de Lampião, cumé que foi?
- Ora, eu tava lá pertinho, a notícia correu logo.
Sérgio Cabral - Qual foi a sua reação quando soube que Lampião tinha morrido?
- Nenhuma.
Millôr - Agora, você não ficou revoltado com aquela exposição daquelas cabeças? Nós todos somos revoltados com aquilo.
- Tanto que eu saí daquilo. Aliás, eu pedi muito, porque aquilo que fizeram... Aquilo foi mais uma revolta. Aquilo seria uma grande revolta pra família, pra criar novamente a mesma coisa que era. Enterra, tá certo. Morreu, acabou. Mas aquilo...
Millôr - Como se chama essa rua aqui?
- Eles chamam Rua da Barreira.
Millôr - Isso aqui é ramal extinto?
- Funciona, vai até a base.
Jaguar - Você é funcionário da Leopoldina, né?
- Sou.
Millôr - Você se dá bem com os seus vizinhos, né?
- Muito bem.
Ziraldo - Eles te chamam de seu Antonio ou de Volta Seca?
- De qualquer jeito que eles me chamar tá bom. Brinco com todos, são meus amigos.
Millôr - Você está com 55 anos, né? Depois de toda essa luta você tem o quê? Por exemplo, tem casa própria?
- Não, é aluguel. Eu pago Cr$ 150,00.
Millôr - Qual é a sua fonte de renda?
- A minha fonte é o meu trabalhozinho só.
Millôr - Quanto você ganha?
- Eu estou ganhando Cr$ 197,00. Eu tô encostado.
Millôr - Seus filhos ajudam você?
- Tão parados também. Um, por ora, é soldado; o mais velho tá parado...
Millôr - Estão todos educados, vão a colégio pelo menos?
- Os pequenos, ainda uns... tão. Um dia vai, um dia num vai... uns já sabe alguma coisinha. Só o menorzinho é que não sabe nada.
Jaguar - Mas os outros estão estudando em escola?...
...Millôr - Mas como é que vocês vivem, o seu dinheiro num dá pra pagar as despesas...
- É, mas eu tenho que viver é assim. Dando uma reportagenzinha hoje aqui, outra ali, e tal... E vou vivendo .
Ziraldo - Mas por que o Lampião tomou essa atitude? Você não tem uma ideia?
- Num sei. Ele se aborreceu justamente porque eu disse que ia buscar ele. Aí, eu apanhei o rapaz, levamos e chegando na frente ele disse: "Bom, você fica aí que eu vou ver se pego um animal pra montar ele. Porque nós não podemos levar ele na rede".
Aí o Fortaleza disse: "Mas cumé que o capitão faz uma coisa dessas?” Eu disse: "Eu acho que ele tá mal satisfeito!" Aí Lampião disse: "Então, você vai, pega o animal e leva ele". Aí chamei um outro, nós pegamos um cavalo lá, fizemos uns negócios, montamos ele e saímos. Lampião disse: "Bota ele na frente que quando os macacos aparecerem, nós tamos aqui. É tempo de você ir e tirar ele pra lá".
Eu disse: "Tá bem." Aí ele disse: "Como é, bota ele pra frente"! Eu digo: "Mas outra vez? Cê num tá vendo que ele tá machucado e não pode ir assim?” Ele disse: "Mas você num foi tirar ele de lá? Então cê pode". Aí eu vi que ele queria me provocar e digo: "Bom, se é isso, não tem problema não. O senhor manda um outro aí ajudar que eu monto ele e passamos pra frente".
Ele disse: "Não, monta ele sozinho". Aí, o Bananeira disse assim pra mim: "Nada, deixa isso pra lá, ele fica com pilunga contigo. Eu num sei porque. Eu não tive culpa de ser baleado".
Eu digo: "Não, mas você num vai ficar sozinho não. Cê vai comigo". Aí, chamei um rapazinho que tinha lá - Pocorante (Pó Corante).
Chamei ele e disse: "Vamos embora". Aí, pegamos ele e fomos embora. Nós levamos ele pra frente, quando chegamos lá no lugar que ia tratar dele, na fazenda, eu digo:
"Eu vou viajar. Mas o rapaz tem que ser medicado. Num vai ficar assim não". Lampião disse: "Ah, porque num sei o quê". Eu digo: "O senhor tem razão de falar, porque o senhor é o chefe. Mas o senhor não devia fazer isso não”. Mas esse Pocorante, esse colega meu, tava mesmo procurando um negócio. Aí, Lampião pegou e disse:
"Você vai lá pegar o meu burro". Aí, depois, Lampião chegou pra mim: "Ele não encontrou o burro, não. Você vai lá e dá umas voltinhas, vê se encontra o burro". Aí, eu saí e o burro tava em pé ali. Eu cheguei e disse: "Mas você não encontrou o burro? O burro tava aqui, como é que você não viu o burro?” Lampião então falou pra ele: "Eu tava bem era de dar um murro na sua cara".
E o Pocorante ficou calado. depois eu fui procurar o Pocoronte e disse: "Escuta rapaz, cumé que um home diz que dá um tapa na sua cara e você fica calado? Escuta, pra que é que você tem um fuzil na mão? Pra que que você tem tanta bala? É pra você mesmo? Ah, num pode dizer nada, que é com o capitão? Ah, bom, então, amanhã ele se enche de gozo e diz que bate na minha cara e eu dou-lhe um tiro na cara dele também". Aí, Pocorante disse: "É, mas é todo mundo colega da gente mesmo. Na hora ele opina contra, não sei o quê..." Digo: "Não sei o quê, nada". Ele saiu, amarrou a camisinha e foi direto a ele. "Ó capitão, o senhor disse que ia bater na minha cara. Eu disse pro Volta Seca e ele disse que se o senhor dissesse que ia bater na cara dele, ele dava um tiro na sua cara.” Fez uma fofoca direto. Aí, eu venho de lá pra cá e Lampião mandou me chamar: "Você disse que se eu te desse um tapa você me dava um tiro". E eu: "Dava, não, eu dou. Dava é uma coisa, eu dou. Quer ver? Experimente". Aí, ele ficou falando, num sei o quê...
Jaguar - Ele num tava num bom dia, hein, rapaz?
- Sei não.
Millôr - Enquanto isso, onde estava o ferido, o Bananeira?
- O Bananeira tava numa fazenda, sendo medicado.
Ziraldo - Eu acho que Lampião não tava querendo arriscar o bando dele por causa de um que já tava morrendo.
- Eu acho que era isso. Bom, aí ele pegou com aquele negócio comigo, todo dia tendo uma conversinha. E quando foi de noite, mandou me chamar. Eu fui, chegou perto, me fez a mesma pergunta e eu respondi a mesma coisa. Aí, veio a Maria mesmo e disse: "Lampião, você deve deixar isso pro lado. Você fica toda hora procurando uma coisa e deve deixar. Ele é seu amigo, você é amigo dele, é superior a ele, é tudo. Mas ele tá certo. Ninguém vai querer tomar tapa na cara, isso num fica certo. Então, você não deve fazer isso. Deve parar com esse negócio". Aí, bem, parou.
Quando é de noite, ele mandou me chamar e eu mandei dizer que não ia mais lá. Aí, ele ficou falando que no outro dia de manhã ia me almoçar, num sei o quê... Os outros vinham e me diziam:
"Olha, cuidado, o Lampião disse que vai te almoçar amanhã".
Eu disse: "Num faz mal, não. Diz pra ele que eu janto ele agora de noite também".
Aí, quando foi mais ou menos meia-noite, ele botou gente em roda pra eu não sair, que queria falar comigo de manhã.
Eu disse: "Num faz mal". Aí, veio o cunhado dele mesmo, o Virgínio: "Volta Seca, cê sabe que eu gosto de você, o Mariano também. É todo mundo seu amigo, ele pode mandar matar você e nós num pode fazer nada. E vai ser uma coisa. Então, vai embora, vai por teu caminho, vai embora".
Eu digo: "Tá certo". Aí, ele mandou pedir as armas e eu disse que não dava. Mandou que eu entregasse fuzil e munição e eu disse que não entregava. Mas não entregava mesmo. Aí, com o auxílio dos outros, eu fui embora.
Ziraldo - A pé ou a cavalo?
- A pé. Eu fui embora. Aí, ele mandou recado pra tudo quanto é fazenda, que no lugar que eu passasse, ia me matar.
Ziraldo - Aí você ficou numa ruim, né?
– Pois é. Aí, fiquei contra. Mas não tem nada, não. O destino é esse, é esse mesmo. Se morrer hoje, morri; se morrer amanhã, morri. É tudo a mesma coisa. Quatro dias depois encontro com o oficial com a volante. Um cara lá, que era meu amigão, moleque sem-vergonha, me cagoetou.
Jaguar - Qual era o nome dele?
- Chamava-se Adão.
Jaguar - Onde você conheceu ele?
- Lá na fazenda.
Ziraldo - Ele já morreu?
- Eu não sei se ele tá vivo ou se tá morto. Só sei que chamava Adão. Então, ajuntou lá um time e me cagoetou com a polícia.
Sérgio Cabral - Isso onde?
- Lá no Estado da Bahia.
Ziraldo - Que cidade?
- Não é cidade não, é mato mesmo, Lagoa da Onça. Aí, eu cheguei lá e um rapaz falou comigo que era pra eu tomar cuidado que a polícia tava por ali. Eu disse: "Pode deixar comigo que eu sei sair". Quando foi de manhã, eu saí e matei um garrote. Quando eu tava tirando o couro do garrote, eles me cercaram dentro de uma roda...”
Millôr - Estava matando o garrote pra comer?
- É. E aí mandaram bala em mim. Tinha um rapazinho comigo ali e ele logo recebeu um na cabeça e caiu logo ali.
Jaguar - Era amigo, seu, esse cara?
- Era, tava comigo.
Sérgio Cabral - Num queriam nem prender, queriam era matar?
- O negócio num era prender, não. Era matar.
Ziraldo - Como é que você escapou dessa?
- Como que eu escapei? Eu saí, arrombei a cerca por baixo, cheguei por detrais dele, dei uns dois tiros e caí fora. Eles ficaram lá, brigando umas duas horas, eles mesmos, sozinhos. Eu fui embora. Cheguei lá, fiquei sentado, chupando melancia. E a minha vontade era de ir lá, só escutando eles gastando bala feito diabo. E eu quieto, quietinho lá no meu canto. depois, eu saí e fui na casa desse cara. Num sabia de nada.
Millôr - Do Adão?
- É, desse Adão. E ele já tinha chamado a turma dele toda lá, tava tudo dentro de casa. Eu num sabia de nada, era amigo, né? Aí, quando cheguei lá, ele disse: "Ôpa, que que há, rapaz?” Eu digo: "nada". Ele diz: "O que que foi aquele tiroteio?” Eu digo: "Eles me encontraram ali e me deram uns tiros: eu dei uns dois também neles e caí fora". Ele diz: "Ô rapaz, a tua mão num tá de calo, não?” Olha, cê vê como que pode. A falsidade dói como o diabo... Ele de novo: "Escuta, rapaz, sua mão num tá de calo, não?” E eu: "Que nada, rapaz, isso é bobagem". Ele pegou a minha mão e apertou. Quando ele apertou, eu digo: "Ô rapaz, deixa disso". Ele disse: "Você tá preso". Eu digo: "Preso? Olha, rapaz, eu pego você sem Deus me ajudar".
Foi a palavra mais errada que eu disse na minha vida. Ele aí avançou em cima de mim. Quando ele avançou, eu chamei ele e botei no chão. Aí ele gritou: "Me acode!” Quando eu vi, já tava todo mundo em cima de mim. Uns 15.
Millôr - Você tinha uns 14 anos, né? Um menininho...
- Era garoto, mas era forte. Andei tombando uns dois lá, e aí, pronto. Eles me amarraram igual um porco. Diziam: "Eu mato, num mato..." Aí, veio a irmã dele, que queria dar boa vida a ele, e disse: "Num façam isso com ele não. Já que vocês prenderam, leva ele e entrega na polícia". Eu, amarrado, que que podia fazer? Eles me pegaram e foram me entregar justamente a esse tenente que estava baleado. Lá no tiroteio ele tomou um tiro e tava com as costas toda esfacelada. Aí, quando chegaram lá e me entregaram, foi o mesmo que entregar um mosquito nas mãos de urubu. Empurra pra lá, empurra pra cá, eu num vi mais nada. Eu olhava pra cara daqueles fedorentos e endoidei, fiquei maluco. Aí, chegou um crioulão com um chapelão: "O negócio é matar". Aí foi dar um tapa na minha cara. Eu abaixei e dei um pontapé nele...
Millôr - Tava amarrado ainda?
- Amarrado. Aí, veio o tenente lá, todo emplastado: "Num toca nesse homem não!” É um tenente alagoano – eu esqueci o nome do homem. E foi logo dizendo: "A hora de vocês matarem ele era lá, na hora que vocês estavam brigando. Eu recebi esse tiro e vocês saíram correndo. Então, era nessa hora que vocês deviam ter matado ele. Aqui ele tá garantido por um homem e pela lei e ninguém precisa pôr um dedo nele".
Ziraldo - Cê acertou o coice no sargento?
- Acertei e foi um coice desgraçado. Ele caiu lá com a mão, rolando pelo chão. Eu digo: "E se dane". O tenente é Joaquim, Zé Joaquim. Ele disse: "O homem tá garantido e eu não entrego a ninguém a não ser o (sic) chefe da polícia. Num sendo ele, num sai da minha mão. E qualquer coisa que triscar nesse homem aí, já pode saber que vai expulso e preso".
Ziraldo - Ele sabia que você era o Volta Seca?
- Sabia.
Millôr - Isso foi em Alagoas?
- Foi na Bahia mesmo, Santo Antonio da Glória. Aí, eu fiquei lá, num comia nada.
Ziraldo - Na prisão eles não davam comida?
- Não, vinha de tudo, farinha pura...
Jaguar - Você ficou preso em Santo Antonio da Glória?
- Foi. Não tinha fome nem sentia nada, revoltado.
Ziraldo - Os jornais anunciaram essa prisão lá na cidade?
- Só depois. Aí, eu digo, tá certo. Viro daqui, viro dali, o tenente diz: "Aqui ninguém toca em você, nem nada". E passou logo um telegrama pra polícia, pro chefe da polícia, que era o capitão João Facó. Aí, ele mandou reforço: "Diga que garanto o homem, num toca num dedo dele, nem nada, me traz o homem". E disse: "Entrega pro coronel Costinha que ele recambia ele daqui pro Rio, pra Bahia". O coronel Costinha mesmo foi me buscar, mas o tenente disse: "Não, eu mesmo levo e entrego lá. Num tenho confiança de deixar vocês levarem ele".
Millôr - Bacana o homem, hein?
- É, tá certo, bacana. Nós saímos e quando nós chegamos lá no trem, ia pra mais de 300. Um carro do trem, uma traça daquela, não cabia ninguém, a não ser eu e a polícia só. Um carro só, e veio cheio que não tinha lugar pra sentar.
Millôr - Cheio de polícia pra levar você, né?
- É. Pra me levar. Eu tava amarrado, porque Lampião mandou recado que se não me segurasse, eles iam me pegar no lugar que eu tivesse. No trem, no caminhão, no diabo que fosse. E botou diversas emboscadas, mas eles souberam fazer o troço. Chegando lá, me entregaram, e de lá me tocaram pra Bahia.
Millôr - Eles te entregaram perto de Canudos?
- Não, muito pra baixo.
Ziraldo - Se o Lampião pegasse você, cê tava perdido dos dois lados, né?
- Tava não, ele já queria me salvar. O negócio era esse.
Millôr - A essa altura ele já queria te salvar, né? Então, você chegou na Bahia...
- Me tocaram pra Salvador.
Millôr - Você nunca tinha ido à capital?
- Não.
Jaguar - Quanto tempo você esperou pra ser julgado? Uns dois anos?
- Uns dois anos.
Ziraldo - Quando você foi julgado, aqueles dois primeiros crimes estavam no julgamento?
- Não, aqueles já tinham sido prescritos.
Ziraldo - Eles não ficaram sabendo daquilo, né? Aquilo era lá dos cafundós...
...Jaguar - Só foi julgado pelos casos do cangaço, né?
- Só, e eles mesmo num davam nada não.
Aparício - Quem te defendeu?
- Quem me defendeu foi Deus e eu mesmo. Não tinha ninguém por mim.
Ziraldo - Cê num teve advogado?...
Millôr - Cê num teve julgamento com promotor de acusação?
- Na hora teve uma moça, uma advogada, chegou e disse: "Eu vou defendê-lo e vou botá-lo na rua". O juiz num aceitou.
Ziraldo - Quem era esse juiz e essa advogada?
- Ela eu num me lembro do nome, não. Era uma moça de Vila Nova da Rainha. O juiz eu num quero nem tocar no nome dele, deixa esse negócio de juiz pra lá.
Millôr - Agora, Volta Seca, é verdade que você tem um jornal guardado pra fazer o Jorge Amado engolir?
- Isso eu falei, mas agora já acabou.
Millôr - Acabou o jornal ou acabou a pinimba?
- Acabou a pinimba.
Jaguar - Por quê?
- Ele escreveu num livro dele que me conheceu muito, em Água de Menino, na Bahia. E se ele me conheceu, foi quando fui preso, porque, na Bahia, eu nunca tinha ido na capital. E ele então escreveu que tinha visto eu em Água de Menino, sendo capitão de areia.
Sérgio Cabral - Ele falou mal de você?
- Me chamou de capitão de areia. Então, eu disse mesmo: "Eu tenho o jornal guardado pra um dia dar pra ele comer". Mas eu já deixei pra lá. Deixei até de ganhar dinheiro um dia desses, só porque me disseram que ele ia também. Era no Hotel Serrador, ia ter uma peça e ele ia também. Então, quando me falaram que ele ia, eu disse: "Pode me tirar fora, vou não".
Ziraldo - Num gosta de mentiroso...
- Eu não. Quando falar, fala verdade. Tá certo falar aquilo que aconteceu, mas mentir!...
Jaguar - Você cumpriu a pena onde?
- Na Bahia.
Jaguar - Fugiu quantas vezes?
- Só duas.
Jaguar - Voltou ou te pegaram?
- Pegaram, voltou o quê? Se eu fugia, cumé que eu ia voltar?
Ziraldo - Podia. Tá ruim cá fora, né?
- Tava não, eu fazia grana.
Millôr - Você viu, por acaso, aquele filme, Cangaceiro, do Lima Barreto?
- Eu trabalhei também. Aquilo tudo foi orientação mais minha.
Jaguar - Como você soube da morte de Lampião, cumé que foi?
- Ora, eu tava lá pertinho, a notícia correu logo.
Sérgio Cabral - Qual foi a sua reação quando soube que Lampião tinha morrido?
- Nenhuma.
Millôr - Agora, você não ficou revoltado com aquela exposição daquelas cabeças? Nós todos somos revoltados com aquilo.
- Tanto que eu saí daquilo. Aliás, eu pedi muito, porque aquilo que fizeram... Aquilo foi mais uma revolta. Aquilo seria uma grande revolta pra família, pra criar novamente a mesma coisa que era. Enterra, tá certo. Morreu, acabou. Mas aquilo...
Millôr - Como se chama essa rua aqui?
- Eles chamam Rua da Barreira.
Millôr - Isso aqui é ramal extinto?
- Funciona, vai até a base.
Jaguar - Você é funcionário da Leopoldina, né?
- Sou.
Millôr - Você se dá bem com os seus vizinhos, né?
- Muito bem.
Ziraldo - Eles te chamam de seu Antonio ou de Volta Seca?
- De qualquer jeito que eles me chamar tá bom. Brinco com todos, são meus amigos.
Millôr - Você está com 55 anos, né? Depois de toda essa luta você tem o quê? Por exemplo, tem casa própria?
- Não, é aluguel. Eu pago Cr$ 150,00.
Millôr - Qual é a sua fonte de renda?
- A minha fonte é o meu trabalhozinho só.
Millôr - Quanto você ganha?
- Eu estou ganhando Cr$ 197,00. Eu tô encostado.
Millôr - Seus filhos ajudam você?
- Tão parados também. Um, por ora, é soldado; o mais velho tá parado...
Millôr - Estão todos educados, vão a colégio pelo menos?
- Os pequenos, ainda uns... tão. Um dia vai, um dia num vai... uns já sabe alguma coisinha. Só o menorzinho é que não sabe nada.
Jaguar - Mas os outros estão estudando em escola?...
...Millôr - Mas como é que vocês vivem, o seu dinheiro num dá pra pagar as despesas...
- É, mas eu tenho que viver é assim. Dando uma reportagenzinha hoje aqui, outra ali, e tal... E vou vivendo .
FIM.
Publicada na edição de nº. 221 - Setembro/Outubro
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/entrevista-de-volta-seca-jornal-o.htmlde
1973
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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