Por Gilson M.
Gondim
Franklin
Delano Roosevelt, democrata, era presidente dos Estados Unidos pela terceira
vez consecutiva (naquele tempo isso era permitido). Eleito em 1932, no auge da
Grande Depressão iniciada em 29 sob governo republicano, seria reeleito em 36,
40 e 44 (foi o caso Roosevelt que fez o Congresso americano mudar a lei; hoje
ninguém pode se eleger presidente mais do que duas vezes, consecutivas ou não).
Sua política econômica, conhecida como "New Deal", algo como
"Novo Plano" ou "Novo Trato", que previa grandes gastos públicos
em infraestrutura, mesmo correndo o risco de aumento da inflação, começou a
tirar o país da Depressão, o que só aconteceria totalmente com a efervescência
econômica causada pela Segunda Guerra Mundial.
Getúlio Vargas
liderara em 1930 uma revolução modernizante e industrializante no Brasil. Fora
presidente eleito pelo Congresso e em 1937 tornou-se ditador, com a implantação
do chamado Estado Novo, inspirado nos Estados fascistas europeus de Mussolini,
Hitler, Franco e Salazar. Na década de 50, tornar-se-ia presidente constitucional,
eleito diretamente, até se suicidar em agosto de 1954, mas isso é outra
história.
No começo da
Guerra, Vargas tinha simpatias pelo chamado Eixo Berlim-Roma-Tóquio, mas se
manteve fora do conflito e, com a mudança dos ventos, aliou-se pragmaticamente
aos Estados Unidos. Foi aí que veio o pedido do todo-poderoso Roosevelt para
encontrar-se com ele.
O encontro se
deu em Natal, Rio Grande do Norte, em 28 de janeiro de 1943. Roosevelt e
Getúlio conversaram sem intérpretes, mas não em inglês, muito menos em português.
Conversaram em francês! Fiquei surpreso quando li esta passagem no livro
"O dia em que Getúlio matou Allende e outras novelas do poder", do
jornalista gaúcho e ex-militante político Flávio Tavares, obra e autor de que
já lhes falei em outra mensagem. Nunca imaginei que Roosevelt e Getúlio
falassem uma língua estrangeira (no máximo que Vargas falasse espanhol, já que
era um homem de fronteira).
O presidente
americano pediu a Getúlio permissão para instalar uma base aeronaval americana
no Saliente Nordestino, esta ponta do Brasil que se projeta em direção à
África, onde ficam, por exemplo, Natal e João Pessoa. Falou da importância
estratégica dessa base. Getúlio assentiu, mas com uma condição: que os
americanos construíssem uma usina siderúrgica para o Brasil no município de
Volta Redonda, no sul do Rio de Janeiro, e que a usina ficasse pronta em no
máximo "deux ans" (dois anos). Roosevelt respondeu que era
impossível, pois a indústria americana estava totalmente voltada para o esforço
de guerra. A indústria automobilística, por exemplo, não estava produzindo
automóveis, apenas carros militares e tanques de guerra. Getúlio falou dos seis
mil seringueiros brasileiros que já haviam morrido de malária na Amazônia,
tentando conseguir a matéria-prima para a borracha que os americanos usavam na
guerra. Roosevelt cedeu. Prometeu que a usina seria entregue em três anos
(promessa que seria cumprida mesmo com a morte de Roosevelt, menos de um mês
antes do fim da guerra na Europa, em 1945). Poucas semanas depois, já havia
americanos trabalhando nos primórdios da construção da siderúrgica, que viria a
ser a CSN - Companhia Siderúrgica Nacional, empresa estatal durante décadas e
finalmente privatizada no governo Itamar Franco. Hoje, a CSN rende mais para o
governo federal em impostos do que rendia em lucros e dividendos quando era
estatal. A CSN seria inaugurada no governo constitucional do general Eurico
Gaspar Dutra, que fora ministro da Guerra de Getúlio e tivera o apoio deste
para derrotar nas urnas o brigadeiro Eduardo Gomes. Mesmo assim, Dutra não
convidou Vargas para a inauguração da usina, que foi a única obra civil de
indústria pesada que os americanos construíram durante a guerra. (Apenas uma
parte desta mensagem é baseada no referido livro de Flávio Tavares).
Aquela foi uma
das grandes vitórias da vida política de Getúlio, mas aquele dia, narra
Tavares, lhe deixaria um gosto amargo. Enquanto ele negociava em francês com o
aleijado Roosevelt, que não andava por causa de sequelas da poliomielite, seu
filho Getulinho, de 24 anos, morria também de poliomielite no Rio de Janeiro
(Getúlio tinha mais dois filhos homens, Lutero e Maneco, e uma filha a quem era
muito ligado, Alzirinha). Quando Vargas saíra do Rio, Getulinho estava
inconsciente, já desenganado pelos médicos. Mas o rapaz acordaria e
perguntaria insistentemente pelo pai. Sua mãe, Dona Darcy, respondeu que não
sabia onde o pai estava. E não sabia mesmo. O encontro era ultrassecreto.
Somente o embaixador dos Estados unidos no Brasil e o ministro brasileiro da
Guerra conheciam o paradeiro dos dois presidentes. Quer dizer, havia mais
alguém que sabia. Gregório Fortunato, o "Anjo Negro", chefe da Guarda
Pessoal de Vargas, que faria sua desgraça onze anos e sete meses depois, já no
governo constitucional, quando mandou matar, sem o conhecimento do chefe, o
opositor Carlos Lacerda, que escapou com um tiro no pé (no atentado, porém,
morreu o major Vaz, da Aeronáutica, gerando ou agravando a crise que resultaria
no suicídio de Vargas), mas isso é outra história. Fortunato, porém, era
totalmente leal ao então ditador e jamais revelaria seu segredo. Assistiu ao
sofrimento da família sem dizer uma só palavra.
Tavares se
pergunta se aquele episódio assombrou Getúlio nas horas finais antes do
suicídio, quando a decisão já estava tomada (ele já entregara a caneta de ouro
a Tancredo Neves e a Carta-Testamento, em envelope lacrado, a João Goulart).
Provavelmente sim, digo eu. Deve ter sido algo muito marcante. Mas só podemos
especular.
Quanto à Base
Aeronaval americana instalada em Natal, Tavares diz que ela foi fundamental na
guerra. Sem ela, diz ele, os americanos não poderiam ter desalojado os alemães
da África, cortando seus suprimentos de petróleo e abrindo as portas da Itália.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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