Por Antônio Corrêa Sobrinho
Lampião é um
personagem digno de estudos. Às vezes eu duvido mesmo da existência real desse
homem.
Mata e rouba. Vai à igreja e paga promessas.
É um crente. É um monstro. Para julgá-lo, devemos conhecer-lhe, antes, a história. Há quem o odeie. Há quem o adore.
Contam que, injustiçado, perseguido, fez-se bandido; que rouba aos ricos para distribuir aos pobres. Dizem que furta a ambos. Não se sabe. Lampião é um enigma.
Opera numa região árida, entre florestas e montanhas quase impraticáveis, onde a água escasseia sempre. Onde mora? Ninguém sabe.
Criaram-lhe em torno uma figura de lenda. Na hora do combate, anda à frente de suas cortes. As balas não o atingem.
Sempre fugitivo, dorme, se é que dorme, onde a noite o encontra. É estranho, anda sempre armado e municiado. Jamais lhe foram sonegados recursos bélicos. Donde os tira?
Lampião é a mão negra do Norte. Faz contínuas ligações com os centros
civilizados. Publica até editais, convocando asseclas.
Tem a resistência heroica dos sertanejos do Norte; conhece, a miúdo, o segredo daquelas paragens inóspitas.
Lampião não será vencido à força. Ninguém o conhece, ninguém o encontra. Lampião é uma incógnita. Lampião não é um homem. Ele representa a injustiça do Norte, a consequência natural do desgoverno nordestino.
Não o abaterão, jamais, nem metralhadoras nem canhões.
Preso, morto que seja, nada adiantaremos; os Lampiões proliferam naquelas regiões. Terá sempre substitutos.
Abram-se escolas, construam-se estradas de ferro, aí sim, acabaremos de vez com os Lampiões do Norte. Lampião é o meio; criaram-no os maus governos.
O Norte é uma incubadora de criminosos. Destruamos a causa, logicamente, ficarão extintos os efeitos. Ali há feudos e senhores feudais. A escravatura ainda remanesce naquele setor do Brasil. O direito da vida, ali, é do mais forte.
O Norte é o pêndulo invertido de Euclides da Cunha – marcando um recuo do passado.
Lampião não é um homem antes, um símbolo; tem a significação da esfinge: civiliza-me ou eu te mato.
Não devemos mata-lo mas, instruí-lo. Em vez de cadeias, escolas; em vez de metralhadoras, caminhos de ferro.
Resplandeça ali o clarão sereno da Justiça e não teremos mais Lampiões.
À luz do progresso e da civilização, Lampião baterá em retirada. Nem D. Quixote nem Sancho Pança o correrão dali.
Lampião é o Norte inculto, sem governo e sem justiça. Lampião é um símbolo: caracteriza um meio e uma época.
“República”
(SC) - 17.06.1931
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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