Por Rangel Alves da Costa
Conforme relatado em texto já publicado, Bernardino Rocha, o famoso Canário
(companheiro de Adília no bando de Lampião e mais agregado ao subgrupo de Zé
Sereno), foi morto à traição pelo também cangaceiro Penedinho, seu seguidor na
jornada pós-Angico, no dia 06 de setembro de 1938. O local da traição
perpetrada foi num lajedo adornando a beirada de um riacho seco na Fazenda
Coruripe, distando cerca de dois quilômetros da sede da povoação sergipana e
sertaneja de Poço Redondo. Depois de morto, Canário teve a cabeça decepada e o
restante do corpo enterrado mais adiante. Mas há duas principais versões sobre
quem passou o punhal no pescoço do cangaceiro. Segundo a primeira versão, feita
a traição e se certificando da morte do até então companheiro nas lides carrasquentas
sertões adentro, o que fez Penedinho em seguida foi passar o punhal em Canário,
arrancar-lhe a cabeça, sair com ela pendurada numa das mãos, deixando o
restante do corpo estendido ao bel-prazer da desolação e das aves carnicentas e
famintas por sangue e carne morta. Na tentativa de amenizar sua entrega, tendo
a cabeça como demonstração de “cumprimento de um dever”, o traidor atravessou a
fronteira de Poço Redondo e foi prestar contas ao comandante Zé Rufino, na
baiana Serra Negra. Certamente que Zé Rufino enojou aquele medonho troféu, vez
que seu interesse era outro, e brilhava, e tinha valor, e podia ser meio de
riqueza. O dinheiro do cangaço, as joias do cangaço, os adornos dourados do
cangaço, isto sim, isto tinha muito mais valor que a cabeça ou uma mão de
cangaceiro morto. Ora, o famoso caçador de bandoleiros não iria cortar sertões,
da Bahia a Sergipe, já sabendo da morte de Canário, apenas para se certificar
do ocorrido. A cabeça era a prova. Também não iria se bandear de tamanha
distância apenas para enterrar o restante do corpo. Tal ato de humanitarismo e
piedade cristã nos parece impensável perante aquela situação. Ao fazer tanto
esforço e sacrifício, logicamente que seu objetivo era outro: era lançar mão da
riqueza que encontrasse, junto ao corpo do cangaceiro ou nos escondidos dos
arredores. Ele sabia que cangaceiro costumava enterrar dinheiro e ouro pelos
arredores de onde estivesse por mais tempo. Ninguém sabe o que verdadeiramente
encontrou, além da terrível cena. Mas dizem que cavoucou por todo lugar. Também
não se sabe se foi ele quem mandou abrir cova e sepultar o restante do corpo do
ex-companheiro de Adília. Já a segunda versão diz que foi o próprio Zé Rufino
quem arrancou a cabeça do morto. Após tomar conhecimento, através de Penedinho,
do local onde estava o corpo e de objetos que o traidor havia enterrado nas
proximidades, então o interesseiro comandante se bandeou para o Coruripe, com a
única intenção de lançar mão de qualquer objeto de valor que encontrasse.
Procurou o que pretendia, depois decepou a cabeça e a levou como prêmio
putrefato e tomado de vermes. Antes havia dado ordem para que os restos fossem
enterrados. Daí a indagação: quem realmente passou a fio afiado o
ex-cangaceiro, separando um corpo em duas histórias? A verdade é que um pouco
mais adiante do lajedo da morte, cerca de duzentos metros pelo meio do mato, o
corpo sem cabeça de Canário foi enterrado. Baixado à sepultura debaixo de um pé
de pau, onde por muito tempo havia uma cruz sobre a saliência do túmulo. Ali
ainda jaz Canário, em túmulo abandonado no meio dos espinhentos sertões, ao
sopro do tempo nos ainda agonizantes sertões!
Rangel Alves da Costa
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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