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quinta-feira, 7 de maio de 2020

CANÁRIO, O CANGACEIRO ENTERRADO SEM A CABEÇA.

Por Rangel Alves da Costa

Conforme relatado em texto já publicado, Bernardino Rocha, o famoso Canário (companheiro de Adília no bando de Lampião e mais agregado ao subgrupo de Zé Sereno), foi morto à traição pelo também cangaceiro Penedinho, seu seguidor na jornada pós-Angico, no dia 06 de setembro de 1938. O local da traição perpetrada foi num lajedo adornando a beirada de um riacho seco na Fazenda Coruripe, distando cerca de dois quilômetros da sede da povoação sergipana e sertaneja de Poço Redondo. Depois de morto, Canário teve a cabeça decepada e o restante do corpo enterrado mais adiante. Mas há duas principais versões sobre quem passou o punhal no pescoço do cangaceiro. Segundo a primeira versão, feita a traição e se certificando da morte do até então companheiro nas lides carrasquentas sertões adentro, o que fez Penedinho em seguida foi passar o punhal em Canário, arrancar-lhe a cabeça, sair com ela pendurada numa das mãos, deixando o restante do corpo estendido ao bel-prazer da desolação e das aves carnicentas e famintas por sangue e carne morta. Na tentativa de amenizar sua entrega, tendo a cabeça como demonstração de “cumprimento de um dever”, o traidor atravessou a fronteira de Poço Redondo e foi prestar contas ao comandante Zé Rufino, na baiana Serra Negra. Certamente que Zé Rufino enojou aquele medonho troféu, vez que seu interesse era outro, e brilhava, e tinha valor, e podia ser meio de riqueza. O dinheiro do cangaço, as joias do cangaço, os adornos dourados do cangaço, isto sim, isto tinha muito mais valor que a cabeça ou uma mão de cangaceiro morto. Ora, o famoso caçador de bandoleiros não iria cortar sertões, da Bahia a Sergipe, já sabendo da morte de Canário, apenas para se certificar do ocorrido. A cabeça era a prova. Também não iria se bandear de tamanha distância apenas para enterrar o restante do corpo. Tal ato de humanitarismo e piedade cristã nos parece impensável perante aquela situação. Ao fazer tanto esforço e sacrifício, logicamente que seu objetivo era outro: era lançar mão da riqueza que encontrasse, junto ao corpo do cangaceiro ou nos escondidos dos arredores. Ele sabia que cangaceiro costumava enterrar dinheiro e ouro pelos arredores de onde estivesse por mais tempo. Ninguém sabe o que verdadeiramente encontrou, além da terrível cena. Mas dizem que cavoucou por todo lugar. Também não se sabe se foi ele quem mandou abrir cova e sepultar o restante do corpo do ex-companheiro de Adília. Já a segunda versão diz que foi o próprio Zé Rufino quem arrancou a cabeça do morto. Após tomar conhecimento, através de Penedinho, do local onde estava o corpo e de objetos que o traidor havia enterrado nas proximidades, então o interesseiro comandante se bandeou para o Coruripe, com a única intenção de lançar mão de qualquer objeto de valor que encontrasse. Procurou o que pretendia, depois decepou a cabeça e a levou como prêmio putrefato e tomado de vermes. Antes havia dado ordem para que os restos fossem enterrados. Daí a indagação: quem realmente passou a fio afiado o ex-cangaceiro, separando um corpo em duas histórias? A verdade é que um pouco mais adiante do lajedo da morte, cerca de duzentos metros pelo meio do mato, o corpo sem cabeça de Canário foi enterrado. Baixado à sepultura debaixo de um pé de pau, onde por muito tempo havia uma cruz sobre a saliência do túmulo. Ali ainda jaz Canário, em túmulo abandonado no meio dos espinhentos sertões, ao sopro do tempo nos ainda agonizantes sertões!

Rangel Alves da Costa



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