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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Nordeste Gonzagueano - Por: Juliana Pereira Ischiara


Por: Juliana Pereira Ischiara

 

              Lá no meu pé de serra, deixei ficar meu coração..., ai que saudades tenho, eu vou voltar pro meu sertão...” Este foi o “dia do fico” para nação nordestina no que concerne a ocupação do espaço cultural no cenário nacional

Luiz Gonzaga

           A cultura nordestina, o sertão, o modo de viver, ver e sentir dos nordestinos, assim como o espaço regional, a diversidade climática, festas, alegrias e tristezas, secas e chuvas, oração e desespero, cabra valente e cabra frouxo, mulher séria e homem trabalhador, elementos caracterizadores da nação nordestina, passou a se fazer presente na obra poética e musical de Luiz Gonzaga.
             A introdução do Nordeste no universo sulista, de forma mais intensiva, deve-se a Luiz Gonzaga e, embora não tenha sido ele o primeiro, foi, sem sombra de dúvida, o mais completo, abrindo as porteiras do sertão nordestino para o resto do país, transformando-se em porta-voz de um povo que, até então, ainda era considerado como nortista. O Norte e o Nordeste ainda não eram percebidos como regiões distintas e, mesmo depois da divisão geográfica feita pelo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1941, o Brasil ainda era visto como norte e sul ou sudeste.
             Luiz Gonzaga, ao chegar ao Rio de Janeiro, no final da década de 30 do século XX, começou a tocar em bares e depois no mangue, a priori não tocava baião, a necessidade da sobrevivência lhe obrigava a execução da valsa, samba-canção e outros gêneros que faziam sucesso na época. Foi no início da década de 40 do século XX que um grupo de estudantes nordestinos, que viviam no Rio de Janeiro, descobrira o sanfoneiro e pedira-lhe que tocasse algo do Nordeste e, neste momento nascia o baião conhecemos, segundo Câmara Cascudo, este estilo musical teve sua origem no século XIX, e ganhou uma roupagem nova com Luiz Gonzaga:
             O baião dança popular preferida durante o século XIX no Nordeste do Brasil. Renato Almeida informava que dançar o baião era dançar o baiano, como se usava de Sergipe a são Paulo. Em vez da umbigada, atirava-se com os dedos um estalo de castanhola, na direção da pessoa escolhida, e aí começava o baião. Entre os cantadores sertanejos, o baião não é canto nem dança. É uma breve introdução musical, executada antes do desafio, antes do debate vocal entre os dois cantadores. Denomina-se também rojão ou rojão de viola. Somente a partir do século XX, mais precisamente a partir de 1946, o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga divulgou, pelas estações de rádio do Rio de Janeiro, o baião, modificando-o com a inconsciente influência local dos s ambas e das congas cubanas. (2000: 42)


                 Depois de ganhar espaço nas rádios do Rio de Janeiro, o baião passa a ser um veículo divulgador da cultura nordestina, falando dessa nação aos quatro cantos do país. O homem nordestino, quase sempre esquecido, encontra em Luiz Gonzaga um instrumento divulgador de um povo sem voz, como define Câmara Cascudo:  
              Gonzaga era a paisagem pernambucana, águas, matos, caminhos, silêncios, gente viva e morta. “O artista Gonzaga nunca se separou do homem sertanejo que jamais esqueceu suas raízes e cantou sua saudade e todo o amor que tinha pelo sertão e seu povo. Tanto que a sua obra é um verdadeiro acervo cultural do Nordeste, onde se encontra o perfil completo da região, com todos os seus personagens e os seus detalhes”. (Cascudo in Oliveira, 2000: 199)
           Para falar dos sentimentos nordestinos, Luiz Gonzaga começou por ele mesmo, em 1945, em parceria com um dos seus mais expressivos e importantes parceiros, Humberto Teixeira, nascendo o xote intitulado No meu Pé de Serra, que foi lançado em 1946. 
Lá no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Ai que saudades tenho
Eu vou voltar pro meu sertão
No meu roçado eu trabalhava todo dia
as no meu rancho eu tinha tudo o que queria
Lá se dançava quase toda quinta feira
Sanfona num faltava
E tome xote a noite inteira
 (No Meu Pé de Serra, L. Gonzaga /
H. Teixeira, 1946, RCA Victor)
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
              Neste xote percebe-se a saudade que lhe cortava o coração, as lembranças do “sertão da saudade”, onde se trabalhava, onde se festejava e onde nada lhe faltava, pois, o que tinha era suficiente para se viver bem e feliz. O vivido na cidade neste momento se contrapunha ao vivido no sertão, daí a saudade e o desejo de voltar, pois, o trabalho não tinha o mesmo sentido que no sertão, não lhes proporcionando o mesmo prazer e não se comemorando a noite sob as estrelas e ao soar da sanfona, a felicidade de se ter um roçado e um rancho. Na cidade é diferente e só lhe resta agora falar desse sertão em forma de música, para manter viva a lembrança de que, para ele, seria o sertão nordestino o lugar mais seguro para guardar seu coração. E não poderia ser diferente, como bem disse o grande mestre Luz, “é preciso ser fort e, valente, robusto e nascer no sertão, tem que suar muito pra ganhar o pão, pois a vida lá “né” brinquedo não.”

Referências Bibliográficas:

ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2ª ed. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001
ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a Questão Regional. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1993.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore brasileiro. 9ª edição. São Paulo: Global, 2000.
OLIVEIRA, Gildson. Luiz Gonzaga: o matuto que conquistou o mundo. 7ª edição. Brasília: Letraviva, 2000.
VIEIRA, Sulamita. O Sertão em Movimento: a dinâmica da produção cultural. São Paulo: Annablume, 2000

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