Por: Antonio Morais
Ainda madrugada, frio intenso na cidade de Jardim, no cariri cearense, Vicente Venâncio subia tranquilamente a Serra do Araripe. Na véspera, 01 de Fevereiro de 1927, recebeu do pai, o agropecuarista Venâncio Bezerra de Menezes, a quem servia como vaqueiro, ordem para trazer da propriedade um boi que deveria ser vendido na cidade, a fim de atender a algumas obrigações financeiras assumidas pelo velho criador. Ordem recebida, ordem cumprida. No seu cavalo de maior estimação lá ia Venâncio serra acima, varando a madrugada fria e invernosa.
Ao meio dia, quando descansava no lugar chamado Encruzilhada, chegou Pedro Vieira, abastado criador pernambucano e amigo de Venâncio, que o convidou para conduzirem uma boiada até o povoado de Cacimbas. Por ter que cumprir, primeiramente, a ordem do pai. Venâncio prometeu a Vieira que logo iria, pois tinha também negócios a resolver em Cacimbas. Encontrado o animal que buscava, Vicente Venâncio o levou a Jardim, onde o vendeu por 140 mil réis, importância que passou as mãos do pai.
Regressando a Serra do Araripe, entre Jardim e as Cacimbas, encontrou negócio para o cavalo. Na troca dos animais, pois essa foi a transação, Venâncio voltou 50 mil réis. De posse do cavalo trocado, seguiu viagem até as Cacimbas, um povoado de 30 casas, na fronteira do Ceará com Pernambuco. Ao chegar aquele local, encontrou outro velho conhecido, Mário de São, agricultor e criador no município de Barbalha, na companhia do qual prossegue viagem.
Venâncio conta que, saindo da casa do velho Lúcio, onde sempre se hospedava nas suas idas as Cacimbas, encontrou novamente Pedro Vieira que, ao avista-lo, o convidou para um cafezinho. Era cedo da manhã de 02 de Fevereiro de 1927. Em companhia de Pedro Vieira e Mário de São, Venâncio, segundo velho habito, se dirigiu, após o café, a margem de um barreiro ali existente. No percurso, disse Venâncio: "não sei se por pressentimento ou se por coincidência Pedro Vieira começou a cantarolar versos preferidos pelos cabras de Lampião. Lembro bem de um que dizia: "Sabino, peito de aço do sertão paraibano, bicho feito no cangaço".
Venâncio olhou para o sol e exclamou: "São seis horas da manha". Mal fechou a boca, ouviu um tropelar a distância. Assustado, falou para os companheiros: "Seu Mario, Seu Pedro, aí vem ou força de Pernambuco ou cangaceiros. Continua com a aproximação dos cangaceiros.
Sob uma onda de poeira, à frente a figura aterradora do capitão Virgulino Ferreira, o bando riscou em frente aos indefesos criadores. Incontinente, ouviram a voz de Lampião ao perguntar:
- Quem é Pedro Vieira?
-Sou eu, responde estarrecido e trêmulo o velho sertanejo.
A seguir, travou-se o seguinte dialogo entre Sabino, cangaceiro famoso e perverso, e Pedro Vieira:
- Vocês estão presos pelo grupo de Lampião. Só serão soltos depois que Pedro Vieira der cinco contos de réis.
-Nós somos pobres, o senhor deixe por dois contos....
- Não quero conversa. Pode providenciar logo...
- Somos pobre seu Sabino, insistiu Vieira, deixa por três contos...
- Já disse que não quero conversa. Caso repita lasco este fuzil na sua cara, velho safado e atrevido.
Um silêncio enorme dominou a todos nós - afirma Venâncio, para acrescentar - Nisso chega o gado para beber. Ao avistar os animais, Lampião começou a atirar indiscrinadamente, matando vacas e até animais de pequeno porte. Foi um estrago miserável. Diante do cruciante problema dos cinco contos de réis, Mario ofereceu-se para ir a Jardim tentar conseguir o dinheiro da exigência de Sabino, a mando de Lampião. Montando um dos cavalos pertencentes aos companheiros, exatamente o mais gordo e árdego, Mário, depois de ouvir de Sabino a admoestação no sentido de que negasse para policia a presença do grupo nas Cacimbas, seguiu apavorado para Jardim, temendo pela sorte dos amigos que ali ficavam em situação tão difícil e perigosa.
Conta Vicente, ter ficado certo que Mário de São, logo fossem conseguidos os cinco contos de réis e deveria encontrar-se com o grupo em Caririzinho, hoje distrito do município pernamcucano de Sítios dos Moreiras.
Lampião ia com destino a Ipueiras dos Xavies, onde se deu o cerco do grupo e a sua celebre e precipitada retirada, por encontrar forte reação da família Xavier. Foi aí que Virgulino Ferreira perdeu um de seus mais valorosos cabras. Tempero, morto por Dezinho Xavier.
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