Por: Honório de Medeiros
Antes de
começarmos a esboçar a segunda teoria acerca da invasão de Mossoró por Lampião,
temos que apresentar um rápido perfil biográfico de Massilon.
Massilon
Ainda hoje,
algum tempo depois, quilômetros rodados, ligações e entrevistas realizadas,
livros, revistas e jornais pesquisados, não é o bastante.
Assim como ele
surgiu, desapareceu. Seu tempo de vida bandida foi curto: quatro anos. Nasceu,
provavelmente, em Timbaúba dos Mocós, Pernambuco. Seus pais migraram
sucessivamente para Patos e Pombal, na Paraíba, e, depois, Luis Gomes, no Rio
Grande do Norte, onde faleceram.
Totalmente sem
fundamento é a informação dada por Fenelon Almeida[2] de que Massilon já tinha, na época
do ataque a Apodi, “29 mortes no costado”.
Quais são suas
fontes para afirmar isso? Em que ele se baseou para fazer tal afirmação? Se
Massilon entrou no crime em 1924, e o ataque a Apodi ocorreu em 1927, parece
muito pouco crível essa história.
Massilon não
gostou do Sítio Japão, em Luis Gomes, para onde o pai emigrou em 1924, e voltou
para a Paraíba[3]. Provavelmente um pouco antes dessa volta
assassinou um oficial da Polícia em Belém do Brejo do Cruz e mergulhou, de vez,
na clandestinidade.
A seguir, seus
principais episódios conhecidos:
1) 1923: deixa
de ser almocreve e se associa com Manoel Forte, de Brejo do Cruz, na compra e
venda de gado (fonte[4]: José Gomes Filho, o Zé Leite, irmão de
Massilon).
2) 1923/1924[5]: versão 1: assassina, em Belém do Brejo
do Cruz, em dia de feira, um soldado que fora mandado pelo pretendente ricaço
de uma moça que se enamorara por Massilon, para lhe tomar a arma e desmoralizá-lo
(fonte: Dna. Aurora Leite de Araújo, irmã de Massilon); versão 2: mata um
fiscal de feira em Belém do Brejo do Cruz, que lhe queria tomar a arma (fonte:
Zé Leite, irmão, e Pedro Dantas Filho, natural de São José do Brejo do Cruz,
falecido em 2002 aos 88 anos, em entrevista a Alexandro Gurgel para o jornal “A
Gazeta do Oeste”, Mossoró, Rn); versão 3: mata um sargento ou cabo da Polícia
de Belém de Brejo do Cruz, para a cidade enviado por seu líder político, no
intuito de moralizá-la (fonte: Manoel Monteiro, filho de Chico Canuto, amigo de
Massilon, em depoimento ao Autor).
3) 1923/1924:
passa, após o crime, a protegido dos Saldanha (Quincas e Benedito[6]). Possivelmente residirá em Alto Santo,
CE, onde Benedito Saldanha tinha uma propriedade, para fugir da perseguição
policial (fonte: Dna. Tercia Leite de Oliveira, irmã de Massilon; Capitão
Viana, em entrevista ao Autor, e a Denúncia oferecida pelo Promotor Público da
Comarca de Souza, Paraíba, servindo “Ad-Hoc” em Brejo do Cruz, Paraíba, Dr.
Emílio Pires Ferreira, em 10 de fevereiro de 1927, transcrita no Jornal
“União”, da Paraíba, número 82, em 9 de abril de 1927, Sábado).
4) 4 DE
FEVEREIRO DE 1926: ataca São Miguel de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte,
sob a desculpa de combater a Coluna Prestes (fonte: Zenaide Almeida da Costa[7]):
Eram quatro
horas da tarde do dia 2 de fevereiro, quando João Grosso chegou correndo,
esbaforido. Vinha de cima da serra, na estrada da vila, de onde avistara o mar
de gente que se aproximava.
Na vila os
Revoltosos abriram algumas portas de casas comerciais, tirando delas apenas os
mantimentos necessários à sua alimentação naquele dia. Saíram à tarde, deixando
somente o medo e alguns cavalos estropiados, trocados por cavalos sadios que,
apesar de escondidos nas matas dos sítios, com os focinhos amarrados e de
cabaça para cima, foram encontrados e surrupiados. Baixaram as águas, mas como
sói acontecer, a epidemia chegou no dia seguinte muito cedo e sem aviso! Um
marginal, alcunhado de ‘Sargento Preto’, embriagado, desgarrado da Coluna e em
companhia de indivíduos da mesma estirpe, arrombou casas comerciais,
distribuindo mercadorias com pessoas que estavam regressando à vila, despejando
gêneros, tecidos, miudezas e bebidas no meio da rua. Saiu de porta em porta
chamando quem ainda não tinha se apresentado (por timidez ou honestidade) para receber
seus ‘donativos’. Abriu o cartório e em frente ao prédio, fez uma pilha de
todos os livros e documentos, despejou querosene por cima, ateou fogo.
Desapareceu depois do saque. Dois dias após[8]chegou outro grupo vestido de mescla azul,
com bonés do mesmo pano, dizendo-se ‘patriotas’. Novo saque em todas as casas
comerciais e de residência. Tomaram armas, munições, animais, o que sobrou de
víveres, provocaram brigas nas ruas.
Era o grupo de
Massilon, semelhante ao de Lampião, que imperava naquelas quebradas de serra e
nos sertões, armado, fardado, e segundo eles próprios afirmavam, autorizados
pelo Padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro, a combater a coluna prestes.
Saíram deixando a desolação, o pânico, tudo depredado, arrasado!
5) 25 DE ABRIL
DE 1926: ataca Brejo do Cruz, na Paraíba. Mata Manuel Paulino de Moraes, Dr.
Augusto Resende (Juiz Municipal), fere Dr. Minervino de Almeida, o “Joca Dutra”
Prefeito Municipal), e Severino Elias do Amaral (Telegrafista).
Autores
intelectuais (supostamente): Deputado João Agripino de Vasconcelos Maia,
residente no Sítio “Olho D’Água”, Catolé do Rocha, PB; Joaquim Saldanha
(Quincas Saldanha), residente na fazenda “Amazonas”, Brejo do Cruz, PB; Odilon
Benício Maia, residente na fazenda “Pedra Lisa”, Brejo do Cruz, PB; Plínio
Dantas Saldanha, vulgo “Marinheiro Saldanha”, residente em Jardim de Piranhas,
Caicó, Rio Grande do Norte, como mandantes[9].
Executores:
Massilon Leite[10], José Pedro[11] (vulgo Coqueiro), Peitada, João
Domingos, João Boquinha e João Cândido – vulgo Negro Cândido.
Fonte:
Denúncia oferecida pelo Promotor Público da Comarca de Souza, Paraíba, servindo
“Ad-Hoc” em Brejo do Cruz, Paraíba, Dr. Emílio Pires Ferreira, em 10 de
fevereiro de 1927, transcrita no Jornal “União”, da Paraíba, número 82, em 9 de
abril de 1927, sábado.
Assim foi o
fato: como todos os finais-de-tarde em Brejo do Cruz, no Sertão paraibano,
formou-se uma roda na frente da casa de Antônio Dutra de Almeida, no começo
daquele fatídico ano de 1926. Dr. Joca Dutra (João Minervino de Almeida),
Manoel Paulino Dutra de Morais, José Targino, Dr. Francisco Augusto de Resende
(Juiz da Cidade) eram os presentes.
As cadeiras,
dispostas dia-a-dia nos mesmos lugares, eram, pelo hábito, marcadas: recebiam
sempre os mesmos ocupantes.
Em certo
momento José Targino e Dr. Antônio Dutra de Almeida se levantam e vão tomar
água no interior da casa.
Nas cadeiras
nas quais eles estavam sentados, inexplicavelmente se sentam Manoel Paulino
Dutra de Morais e Dr. Francisco Augusto de Resende.
Escurece.
Um atirador
tomou posição a alguma distância e, de rifle, atirou nos ocupantes das duas
cadeiras que lhe tinham sido previamente assinaladas.
Dr. Francisco
Augusto de Resende tombou morto. Manoel Paulino Dutra de Morais, ferido, fez
menção de se levantar. Os outros tinham fugido.
O atirador
aproximou-se e desfechou várias peixeiradas em Manoel Paulino Dutra de Morais.
Ao terminar observou atentamente o semblante do outro morto e gritou: “matei um
inocente”.
Recolheu as
armas, montou o cavalo, picou na espora e sumiu na escuridão da noite. Fora
Massilon.
Ruinas do
Casarão de Benício Maia, século XVII ou XVIII, Belém do Brejo do Cruz
O escritor
Rodrigues de Carvalho conta-nos, acerca de Massilon, que:
No ano de
1927, Lampião deixou-se influenciar pelas insistentes e tentadoras sugestões de
um dos seus sequazes, para uma aventura criminosa bem difícil. Um assalto a
Mossoró. No grupo era ainda um novato[12], sem grande tirocínio e até bem pouco
tempo inteiramente desconhecido e estranho às lides do cangaço. Contudo, a
despeito do curto ‘estágio’ ou ‘noviciado’, esse bandido vinha portando-se como
um experimentado veterano. É que antes dessa apresentação, ele já havia
cometido vários assassinatos, alugando o braço homicida a outros facínoras
encapuzados. Daí o seu desembaraço na prática do crime. Entre as suas primeiras
vítimas como pistoleiro está o Dr. Augusto Rezende, Juiz de Direito de Brejo da
Cruz, na Paraíba, morto de emboscada[13].
Cabra
inteligente e temerariamente audacioso agia com desassombro e pleno de ambições
rapinantes. Os seus planos de salteador eram ousados, com promessa de voar a
grande altura. O que era também forte prenúncio de cedo encontrar quem lhe
quebrasse as asas...
Em outro
qualquer setor da atividade humana os seus predicados seriam, decerto, além de
inaproveitados, reprovados com desprezo. Para o meio em que se integrava,
todavia, tinha ele qualidades inapreciáveis; aquelas que o credenciavam para um
refinado facínora. Orgulhava-se de ser potiguar[14], natural da Serra do Martins ou de Luiz
Gomes. Chamava-se Massilon Leite, Antônio Leite ou Benevides Leite. Coisas de
bandido.
Dizia-se
profundo conhecedor de três ou quatro Estados do Nordeste, cujas estradas
talara em todas as direções durante anos consecutivos. Gabava-se de conhecer
palmo a palmo não apenas seu Estado natal, mas também a Paraíba, o Ceará e
parte de Pernambuco, graças ao desempenho das suas funções de motorista de
caminhão. Trabalhava no volante quando resolvera trocar de profissão. A
profissão de cangaceiro lhe pareceu muito mais lucrativa, além de livre como o
vento. Pensou também que fosse mais leve do que a de motorista de caminhão,
porém mais tarde confessava haver se enganado redondamente. Mas era tarde[15].
Raimundo
Nonato[16] lembra que Jararaca[17] dissera ter Massilon Leite
informado serem suas as mortes de Brejo do Cruz, o que corrobora o relato feito
acima.
Entretanto,
quando da morte do policial em Belém do Brejo do Cruz já era comprador/vendedor
de gado.
É o que nos
relatam seus irmãos Tercia e Zé Leite, em entrevista que o escritor gentilmente
nos cedeu, bem como o Capitão Viana.
Quando
chegamos à residência do Capitão Viana – Francisco Viana – em Macaíba, RN,
encontramos um velhinho seco de carne e temperamento, vestido com um pijama
azul claro à antiga, daqueles cujas camisas são de manga comprida, sentado em
uma cadeira de balanço e lendo a Bíblia. Recebeu-nos muito bem e logo mandou
servir café.
O Capitão
Viana tinha, na data da entrevista, noventa e três anos muito bem vividos.
Longa prole, alguns poucos bens, saúde saltando à vista, memória fantástica.
Durante a
entrevista em nenhum momento titubeou quanto às informações prestadas.
Ao tentarmos
falar acerca de sua atuação como policial em alguns casos mais escabrosos
fechou a cara e disse, abruptamente:
Isso é segredo
de polícia, não posso dizer nada.
Foi delegado,
entre outras cidades, de Apodi, Macau, Açu, Caraúbas, Nova Cruz, São Tomé, e
Areia Branca.
Pois bem, o
Capitão Viana, quando menino lá em Alto Santo, então distrito de Limoeiro do
Norte, onde nasceu em 1913, conheceu Massilon – embora de longe, só de vista,
como se diz no Sertão, mas fornece vários dados importantes acerca do
cangaceiro:
Massilon,
depois do ataque a Apodi, nunca mais voltou lá.
Em 1940,
quando fui Delegado de Apodi, já não se falava mais nele.
A história de
João Quincó é a seguinte: João Paulo Nogueira Maia, como se assinava João
Balduíno Freire – o João Quincó, era Delegado em Alto Santo e prendeu um amigo
de Massilon – marchante como ele – chamado Pedro Rogério, mas conhecido por
Pedro Cascudo.
Maltratou
muito Pedro Cascudo.
Massilon jurou
vingança e foi lhe dar uma surra. Coqueiro terminou matando João Quincó e seu
filho.
Massilon era
jagunço de Décio Hollanda, lá de Pereiro, e foi jagunço de Benedito Saldanha.
Antes de Apodi
Massilon morava com Décio Hollanda, no Pereiro, Fazenda Bálsamo.
Ele vivia de
comerciar gado, era marchante, não tem cabimento essa história de sapateiro que
o cangaceiro Bronzeado que você falou conta.
Eu sou
testemunha de tudo isso por que morei em Alto Santo até os quinze anos, quando
fui para São João do Jaguaribe.
Na época da
invasão de Apodi eu estava em Taboleiro do Norte. De lá fui para São Paulo. Em
1934 voltei para o Rio Grande do Norte e sentei praça na polícia.
Continua...
Leiam,
anteriores a este texto, em
www.honoriodemedeiros.blogspot.com,
1) O
ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ: UM MISTÉRIO QUASE CENTENÁRIO; 2) O
ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ: COMO ERA A CIDADE NA ÉPOCA DA INVASÃO; 3) O
ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ: PRIMEIRA TEORIA ACERCA DA INVASÃO (Primeira
Parte); 4) O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSÓRÓ: PRIMEIRA TEORIA ACERCA DA INVASÃO
(Segunda Parte).
[1] Para maiores informações ler, do autor,
“MASSILON (NAS VEREDAS DO CANGAÇO E OUTROS TEMAS AFINS)”; Sarau das Letras; 1ª
edição; 2012; Natal.
[2] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU
SANTO”; ALMEIDA, Fenelon; Editora Guararapes; 1981; Pernambuco; Recife.
[3] Depoimento de Valdecir Pereira Leite,
filho de Dona Aurora, irmã de Massilon, ao Autor, em 17 de dezembro de 2005.
[5] Essa morte teria sido até 1924. Sua
família foi para Luis Gomes em 1924, e Massilon os visitou ainda em Pombal
depois de ter feito o crime, segundo depoimento de Dna. Aurora.
[6] Benedito Saldanha foi Prefeito de
Apodi, Rn, em 1933, durante 6 meses e 14 dias. Consta que teria sido morto
envenenado por uma mulher com quem vivia após se separar de sua esposa, Dna.
Etelvina, que também era da família Saldanha.
[9] Até
onde se sabe, todos os autores intelectuais foram inocentados das acusações que
lhes foram feitas. Vale a pena mencionar que durante três anos
tentei, de todas as formas, conseguir os autos do Processo-Crime de onde essas
informações foram extraídas. Tentei em Brejo do Cruz e Catolé do Rocha. Nada
consegui. Quase venceram a má-vontade dos servidores dos cartórios e, até
mesmo, dos juízes. Cheguei até a entrar com um pedido formal para obter vistas
dos autos. Foi em vão. Finalmente, em um golpe de sorte e graças à ajuda de um
grande amigo, consegui a cópia do Jornal “União”, onde a Denúncia do Promotor
fora transcrita. Consta que quando chegou a notícia da absolvição, o Coronel
Quincas Saldanha comemorou em Caraúbas, RN, com uma grande festa. Ver “MASSILON
(NAS VEREDAS DO CANGAÇO E OUTROS TEMAS AFINS)”, deste autor.
[10] Já vivendo no Ceará, em Alto Santo,
sob a proteção de Benedito Saldanha, conforme Denúncia já citada e depoimento
do Capitão Viana (detalhes da entrevista um pouco à frente), em entrevista ao
Autor.
[11] Raul Fernandes diz que seu verdadeiro
nome era José Cesário, conhecido em Caraúbas. Esteve no ataque a Mossoró. Em
entrevista ao Autor, José Cosme da Silva, o “Zé de Chota”, nascido em 22 de
fevereiro de 1923 na Fazenda “Floresta”, Brejo do Cruz, PB, de propriedade do
Coronel Quincas Saldanha, e nela tendo vivido até os 18 anos de idade, lembrou
que conheceu José Pedro e Peitada, ambos “cabras” do Coronel. Peitada, disse-me
ele, morreu no Amazonas, anos depois. E José Pedro, homem de inteira confiança
do Coronel, morreu em Quixadá, CE, para onde fugira sob a proteção de Quincas
Saldanha, após matar um desafeto.
[12] Informação sem qualquer fundamento.
Massilon somente conheceu Lampião especificamente para o ataque a Mossoró e
através de Isaías Arruda.
[13] Rodrigues de Carvalho dá como fonte
Severino Procópio em sua obra “MEU DEPOIMENTO”, à página 54. Quem danado foi
Severino Procópio?
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