Por: Honório de Medeiros(*)
Quarta
teoria: o ataque a Mossoró resultou de um plano político (sétima
parte)
A oposição
chegara ao cúmulo de tentar levar o Coronel Rodolpho Fernandes, um homem sério,
respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta:
As
advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas
pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso,
por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade (...).
Raul Fernandes
confirma:
Adversários
políticos e maledicentes desfrutavam, com vantagem, o receio do
Prefeito.
Apesar dessa
situação política tensa na qual vivia naquele momento, em 1927, o Prefeito, o
futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade
crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens
faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu
legado político, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do
Estado.
Mesmo assim o
Coronel Rodolpho Fernandes não descuidava de tudo quanto lhe dizia respeito.
Conhecia bem os meandros da política interiorana. Não saía de sua lembrança a
forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder
naquela cidade[1], mandando embora, definitivamente, seu
maior líder político, à época, o Coronel Joaquim Correia.
Coronel
Joaquim Correia
As histórias
acerca de feitos do cangaço corriam de boca-em-boca pelas feiras, praças e ruas
de Mossoró, sempre envolvendo coronéis e tendo disputas políticas como
pano-de-fundo, principalmente aquelas oriundas do Cariri cearense no qual, não
fazia muito tempo, Pe. Cícero e Floro Bartolomeu tinham liderado a deposição do
Governador do Estado do Ceará, pela força das armas.
Notícias
vindas do Acre, por sua vez, davam conta das aventuras de seu parente, o
Coronel Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho
Fernandes, nessa mesma época Prefeito de Pau dos Ferros, repletas de violência,
como a batalha da qual participara, enquanto um dos líderes, em Sena Madureira,
à frente de trezentos homens fortemente armados[2].
Coronel
Childerico Fernandes, o "Guerreiro do Yaco"
O Coronel
Chico Pinto também lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam
redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato, alguns anos
depois, na campanha do Partido Popular contra o Interventor Mário Câmara.
As estripulias
de Massilon em Brejo do Cruz e região, agindo a mando de pessoas que também
tinham interesses políticos em Apodi[3] e região; as histórias oriundas do
Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das
armas; as desavenças com José Augusto Bezerra de Medeiros; os embates com a
dura oposição que lhe era feita em Mossoró, tudo isso lhe trazia profunda
preocupação.
Assim lhe
pareceram particularmente preocupantes as informações que pessoas a si ligadas
por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar por aqueles dias do começo
do ano de 1927. É como nos conta seu filho Raul Fernandes, em trecho já
citado:
Na última
quinzena de abril, de 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro
Liberato, de Pombal[4], escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes
sobre a pretensão dos chefes de bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da
Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa
empreitada.
Raul Fernandes
diz mais a frente, em nota ao texto:
Ouvi de meu
pai referências à missiva.
Desde alguns
meses, é certo, soprava dos sertões um vento de intranquilidade, de sobressalto
e permanente insegurança.
Escritor
Raimundo Nonato, festejado autor de "Lampião em Mossoró" e
"Jesuíno Brilhante"
Quem agenciava
essa empreitada? A mando de quem? Com qual objetivo oculto?
O Coronel
Rodolpho Fernandes sabia mais do que deixava transparecer, naquele momento, aos
que lhe eram próximos.
Não falou a
seus filhos acerca de tudo quanto estava por trás desse agenciamento que
acontecia no Sertão paraibano e cearense; tampouco disse qualquer coisa a esse
respeito, que tenha sido registrado para a história, a seus interlocutores nas
reuniões onde expôs a possibilidade de invasão da cidade por Lampião e os
convocou para sua defesa.
Pressentia,
entretanto, o Coronel, que o ataque à cidade, se viesse a acontecer, ocultava
outro plano, um plano dentro do plano, cujo objetivo era ele.
Que outra
explicação podia ser dada, se não essa, analisando-se os fatos depois de
acontecidos, para a excessiva concentração de forças defensoras no entorno de
sua residência, quando era sabido que ele, individualmente, jamais teria,
consigo, dinheiro suficiente para qualquer resgate que valesse a empreitada do
ataque a Mossoró?
Enquanto isso
os planos dos seus inimigos iam, aos poucos, tomando corpo.
Não seria
possível a eliminação pura e simples de Rodolpho Fernandes, com base na
jagunçada. Seria um escândalo de proporções nacionais, e, na medida em que
centrado exclusivamente na sua pessoa, alvo de uma forte e exaustiva
investigação.
Mossoró, como
visto, rivalizava com Natal em tamanho e importância. Era o escoadouro natural
para onde desaguavam comerciantes do sertão paraibano, do Ceará[6], e de outras cidades do Rio Grande do
Norte. Além disso, ficava a meio caminho entre Natal e Fortaleza e era quase
litorânea, com porto importante para o recebimento e escoamento de pessoas e
mercadorias. Uma cidade rica e próspera.
A não ser que
fosse possível embutir o projeto de eliminação de Rodolpho Fernandes em outro
projeto maior, que funcionaria como cortina de fumaça: invadia-se Apodi[7], para caracterizar a presença do cangaço no
Rio Grande do Norte, e, a seguir, invadia-se Mossoró, saqueava-se o que se
pudesse saquear e, enquanto o ataque acontecia, um grupo especialmente
escolhido atacava a casa do Prefeito de Mossoró e o assassinava, conduzindo a
opinião pública à ideia de que tudo quanto acontecera fora consequência da
existência do cangaço.
Para executar
essa estratégia, entretanto, era necessária a presença de muitos cangaceiros na
invasão. E para ser possível a teoria de que a invasão de Mossoró por Lampião
ocultava o projeto de matar o Coronel Rodolpho Fernandes, era preciso que essa
trama tivesse sido anterior à entrada, nela, do Rei do Cangaço, do Coronel
Isaías Arruda, mas não, obviamente, de Massilon Leite[8].
Em entrevista
ao Autor[9], datada de 12 de maio de 2011, o
pesquisador Marcos Pinto informa o seguinte:
Cresci
ouvindo meu avô paterno ARISTIDES FERREIRA PINTO
(18.04.1907 / 19.09.1975) narrar, de forma minuciosa,
no alpendre de sua fazenda, a saga
do seu irmão Cel. FRANCISCO FERREIRA PINTO
(17.04.1895 / 02.05.1934), sempre relatando trechos
da carta escrita pelo mesmo, e enviada para
o seu parente RODOLFO FERNANDES,
por emissário especial, após o célebre ataque
à Apodi, por uma parte do bando do famigerado Lampião,
comandados pelo célebre cangaceiro Massilon Benevides,
fato ocorrido à 10 de Maio de 1927.
Lembro-me que
o meu avô fez o relato sempre observando ter ouvido inúmeras vezes do seu
perseguido irmão, em que dentre o intrincado de particularidades da missiva
informando o Rodolfo, destacava:
Que fora
informado por pessoa de acentuada estima e confiança, de que fora armado um
complô com fito único de exterminá-los fisicamente, engendrado pelo quarteto
sinistro composto por Jerônimo Rosado, Felipe Guerra, seu cunhado Tilon Gurgel,
que por sua vez arregimentou a participação do seu genro Décio Holanda;
O alerta a
Rodolfo para a necessidade e cuidados de chefe de estado maior em só
arregimentar pessoas de sua mais íntima amizade e confiança, de preferência
parentes;
Que o complô
tinha como objetivo abrir lacunas nos executivos de Apodi e Mossoró,
proporcionando a assunção de Tilon Gurgel em Apodi, e o retorno de Jerônimo
Rosado ao comando do executivo mossoroense, em Presidência da Intendência
municipal (Equivalente ao de Prefeito) já ocupara para o período 1917-1919,
tendo como Vice-Presidente da Intendência (equivalente ao cargo de
Vice-Prefeito) o Dr. Antônio Soares Júnior, genro de Felipe
Guerra;
Antes de
adentrar na resposta, faço a observação de que o grande e profícuo historiador
VINGT-UN ROSADO enfatizou, em um dos seus livros em que aborda a atuação de seu
irmão Dix-Sept como governador do RN, a importância do mesmo ter ratificado o
intrínseco vínculo de amizade existente entre seu pai (Jerônimo Rosado) e o Dr.
Felipe Guerra, com a nomeação do Dr. OTO GUERRA para o pomposo cargo de
Procurador Geral do Estado.
Acredito que o sutil afastamento do VINGT-UN em relação a minha pessoa dera
se em decorrência de um artigo que
escrevi em um jornal de Mossoró,
com o sugestivo título "FORJARAM FATOS NA HISTÓRIA
DE MOSSORÓ" em
que desmitifiquei fatos supostamente históricos elencados por VINGT-UN sobre o "MOTIM DAS MULHERES" e sob o verdadeiro motivo que
fez com que o então governador DIX-SEPT ROSADO encetasse a viagem ao Rio
de Janeiro, então Capital da República, ou seja, que
a viagem dera-se em
atendimento a um telegrama enviado pelo Presidente Getúlio Vargas,
que pretendia aparar arestas existentes
entre DIX-SEPT e o CAFÉ FILHO,
então Vice-Presidente da república. Ressalte-se que o
Dr. VINGT-UN nunca
deixou de saudar-me quando nos encontrávamos. Em
que cofre estará escondida a carta do Cel.
Francisco Pinto? Terá sido
incinerada pelo Dr. Aldo Fernandes,
genro de Jerônimo Rosado ? Por que deram sumiço a essa prova,
que paira apenas como
uma referência metafórica a um segredo?
Os interesses políticos e pessoais que uniam JERÔNIMO ROSADO,
FELIPE GUERRA e seu cunhado TILON
GURGEL, somado à intrínseca participação do
seu genro Décio Holanda,
conduz à certeza de que
havia um consórcio em
confidências íntimas e profundas. Delas se poderá até deduzir que,
nos episódios dos 10 de
Maio de 1927 e de 13 de
Junho do mesmo ano, Jerônimo e Felipe Guerra atuaram como espécies de mentores com acentuadas ascendências.
As perspectivas
de sucesso das nefastas empreitadas alegravam perversamente os
seus espíritos. Em sentido adverso
a eles, os desígnios divinos
anularam tamanha virulência em matéria
de inveja e cobiça. Nuances
que anularam seus princípios de homens
públicos e anulam suas individualidades. Foram pródigos em
protagonizarem distorções de caráter. A
ânsia pelo poder fez com que
perdessem inteiramente o contato com a realidade.
O PLANO DENTRO
DO PLANO
Há indícios
que isso seja possível? Há. Basta que nos lembremos dos interesses políticos
existentes em descartar o Coronel Rodolpho Fernandes de sua liderança no Oeste
e Alto Oeste Potiguar. E basta que nos lembremos das relações de Massilon com
os Coronéis Quincas e Benedito Saldanha.
A comprovação
desses interesses é o menosprezo e a agressividade com a qual o Prefeito é
tratado quando expõe a possibilidade de invasão da cidade; outra é o permanente
trabalho de intriga contra si realizado junto a José Augusto Bezerra de
Medeiros, Governador do Estado, já relatado; outra, ainda, é o apoio político e
pessoal por ele dado ao Coronel Chico Pinto, em Apodi.
Cabe lembrar,
também, que o Prefeito de Pau dos Ferros, em 1927, o Coronel Adolpho Fernandes,
pai de Alfredo Fernandes, primo e dono do palacete vizinho ao do Coronel
Rodolpho Fernandes, e um dos seus principais suportes financeiros na compra das
armas para a resistência mossoroense, era adversário político ferrenho de José
Augusto Bezerra de Medeiros.
Alfredo
Fernandes, muito rico, parente próximo de Rodolpho Fernandes, contribuiu
financeiramente para a aquisição de armas para a resistência a Lampião em
Fortaleza, onde morava
José Augusto
Bezerra de Medeiros depusera os Maranhão do poder e, assim, lançaram na
oposição, em Pau dos Ferros, seus aliados (dos Maranhão) naquela Região.
Aliados que tinham recebido todo o apoio de Ferreira Chaves, o último da
oligarquia Maranhão a governar o Estado, para promover a tomada, em anos
passados, pela força das armas, do poder do qual dispunha seu adversário, o
Coronel Joaquim Correia.
Mágoas
antigas, mal curadas, essas e muitas outras, redundaram no descaso proposital,
QUIÇÁ COSTURADO POLITICAMENTE PELOS QUE TINHAM INTERESSE no fim do poder
político dos Fernandes, com que José Augusto Bezerra de Medeiros recebeu o
pedido de socorro que o Coronel Rodolpho Fernandes lhe enviou, como nos conta
Raul Fernandes[10]:
Apelaram ao
Governador do Estado. (...) ‘Desiludidos de qualquer providência do Governo
Estadual’, os mossoroenses compreenderam que teriam de contar com os próprios
recursos.
Se houve,
portanto, um plano dentro do plano, então a estratégia foi a seguinte: as
verdadeiras causas do assassinato do Coronel Rodolpho Fernandes ficariam
ocultas sob o pó que o ataque cangaceiro a Mossoró levantaria; e a estranheza
de um ataque de cangaceiros diretamente a Mossoró não seria percebida, pois,
antes, fora banalizada por outro ataque, este a Apodi, claro que em menores
proporções, para não chamar muita atenção.
Ora, com o
ataque a Apodi matavam-se dois coelhos com uma cajadada só: introduzia-se o
cangaço no Rio Grande do Norte, criando-se a necessária “cortina de fumaça”,
desmoralizava-se o Coronel Chico Pinto e sua liderança, bem como se eliminava a
estranheza de um ataque cangaceiro direto a Mossoró, uma cidade grande e quase
litorânea de um Estado até então livre da praga do cangaço.
CONTINUA...
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DO TEMA.
[2] Ver “DICIONÁRIO DAS BATALHAS
BRASILEIRAS”; DONATO, Hernâni; verbete “SENA MADUREIRA”, bem como “O GUERREIRO
DO YACO”, FERNANDES, Calazans.
[4] Cidade paraibana onde nasceu Jerônimo
Rosado. Pertence à mesma área de Brejo do Cruz, PB, cidade na qual eram
influentes as famílias Maia e Saldanha.
[7] O maquiavelismo, aqui, do qual Massilon
seria o executor, teria sido no sentido de que ele sabia que o Coronel Chico
Pinto não seria morto, porque sua morte teria tal repercussão que
inviabilizaria o “plano dentro do plano”, mas, disso, não sabiam as lideranças
menores apodienses envolvidas, caso contrário haveria perda de prestígio
político por parte de quem estava manipulando as ações por trás dos cordéis e
precisava continuar dominando o cenário político em Apodi e Região.
[8] Como explicado acima, a chegada
inesperada de Lampião em Aurora, CE, pode ter precipitado a execução da
estratégia cujos desdobramentos foram anunciados ao Coronel Rodolpho Fernandes
pela carta de Argemiro Liberato. Existem, também, relatos de uma famosa carta
enviada pelo Coronel Chico Pinto ao Coronel Rodolpho Fernandes informando-lhe
acerca do próximo ataque a Mossoró. Dá notícia desta carta o jornal “CORREIO DO
POVO” (NONATO, Raimundo; “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; Sexta edição; Coleção
Mossoroense; 2005; Mossoró).
[10] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; Editora
universitária; Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1981; 2ª edição;
Natal, RN.
(*) Mestre em Direito; Professor de Filosofia do Direito da Universidade Potiguar (Unp); Assessor Jurídico do Estado do Rio Grande do Norte; Advogado (Direito Público); Ensaísta.
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2012/11/os-misterios-do-ataque-de-lampiao_28.html
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