Por: Sérgio Augusto de Souza Dantas(*)
Manoel
Baptista de Moraes era seu nome verdadeiro. Adotando o cangaço como modo de
vida, a fim de vingar o assassinato de seu pai, o pacato sertanejo tornou-se
“Antônio Silvino”, o mais famoso cangaceiro antes do aparecimento de Lampião. Sua
vida errante começa em fins de 1899 e se estende até a sua prisão, em novembro
de 1914.
Em fevereiro
de 1901, Antônio Silvino pisou pela primeira vez o solo potiguar. Seguido de
perto por uma tropa policial sediada na cidade paraibana de Santa Luzia, o
grupo de cangaceiros liderados por Silvino foi pego de surpresa na Fazenda
Pedreira, do Coronel Janúncio da Nóbrega, localizada no município de Caicó. O
tiroteio, apesar da curta duração, foi intenso e um dos cabras do bando tombou
mortalmente ferido próximo ao engenho da propriedade.
Uma década
escoa até que Antônio Silvino retorne ao Rio Grande do Norte. De fato, Em dias
de janeiro de 1912, o famoso cangaceiro aporta em Jardim de Piranhas, na época
uma Vila sem grande expressão econômica, mas integrada aos centros comerciais
de Caicó e Catolé do Rocha. Partindo de Jucurutu, Antônio Silvino acompanhado
com cerca de uma dúzia de homens bem armados - desceu o leito seco do rio
Piranhas. Ao entardecer, acampou com seu séquito para pernoite em um areado
próximo ao lugar Piedade.
No dia
seguinte, ainda cedo, o pequeno grupo armado adentrava a povoação seridoense.
Era dia de feira em Jardim de Piranhas. Por entre o minguado comércio do lugar,
os homens do bando se espalharam e recolheram algum dinheiro.
Silvino
manteve-se à distância, observando cuidadosamente a Vila. À primeira vista, o
lugar pareceu-lhe insalubre e abandonado. Animais vagavam soltos em meio aos
feirantes. Prédios sujos, paredes por rebocar, calçadas inacabadas, buracos nas
ruas e lixo por toda parte. O “Capitão” ficou indignado com o que viu.
Possesso, mandou chamar o Intendente e lhe reclamou com aspereza o péssimo
estado em que se encontrava a cidade nascente. Depois lhe exigiu como
absoluto senhor dos sertões - providências imediatas para a limpeza das ruas e
do casario. Em tom abusado, arengou ao chefe político:
-“Volto aqui
em um prazo de onze meses, para verificar se minhas “recomendações” foram de
fato cumpridas!”.
As exigências
de Silvino logo vieram a público, mas o sertanejo via o bandoleiro com alguma
simpatia, já que suas visitas ao rio Grande do Norte tinham invariavelmente uma
natureza pacífica.
O jornal 'O
Mossoroense', em edição de 13 de março daquele ano, publicou uma interessante
nota sobre a reação da população campesina às investidas do bandoleiro ao nosso
Estado. O artigo analisava com algum acerto o perfil daquele homem desde muito
imerso no submundo do cangaço e as causas geradoras deste:
“Porque
Antônio Silvino cavalheirescamente recebe, prodigamente presenteado pelo
sertanejo pacífico e inerme, é antes de tudo um verdadeiro expoente, a
manifestação exterior e característica de uma enorme diátese social. Ele é assim o
sintoma que gangrena o organismo social. Devemos procurar o mal na sua base,
procurando suas causas mais remotas”.
Críticas ou
comentários jornalísticos não possuíam, entretanto, o condão de concretizar uma
efetiva campanha militar com o objetivo de manter o bandoleiro longe do Rio
Grande do Norte. Antônio Silvino continuava a transitar livremente pelo Estado.
Em verdade, meses depois, estava de volta a Jardim de Piranhas para comprovar,
de perto, se suas 'ordens' haviam sido cumpridas. O cangaceiro mostrava-se
feliz na oportunidade. A pequena cidade se transformara:
casas limpas, ruas organizadas e prédios comerciais pintados.
Considerou a
mudança na paisagem da comunidade como uma 'conquista', a qual o marcou pelo
resto da vida. Não se cansava de contar e recontar a história onde quer que
fosse.
Após sua
soltura, em 1937, o velho cangaceiro passou a circular de forma amistosa pelos
locais onde estivera mais de duas décadas antes. Nos vários locais em que
esteve, repetiu com prazer o episódio ocorrido em Jardim de Piranhas.
Na cidade
pernambucana de Bom Jardim, por exemplo, onde passou alguns dias em 1939,
narrou exaustivamente o episódio. Exagerava o enredo. Contava aos circunstantes
que deu 'ordens expressas' ao Intendente para tornar a cidade agradável aos
visitantes. Usando um tom de “dono-do-mundo”, Silvino repetia:
-“Mandei
chamar o Prefeito e outras pessoas e dei-lhes um prazo para mandarem limpar e
caiar todos os edifícios. Dei-lhes onze meses para solucionar o caso. Decorrido
certo tempo, voltei à cidade e quase não reconheci. Transformação geral. Linda
e catita mesmo”.
E abria um
largo sorriso, ao recordar-se do fato pitoresco. Ao final, invariavelmente,
perguntava aos presentes: -“Não foi
melhor assim?” e tornava a sorrir.
No início da
década de 40, Antônio Silvino vem pela última vez ao Rio Grande do Norte.
Visita Serra Negra, Caicó e mais uma vez - Jardim de Piranhas, a cidade
que o marcara. Desta feita, foi hóspede da Sra. Emília Aladim de Medeiros.
Durante o tempo em que esteve na cidade, sempre era olhado com um misto de medo
e curiosidade. Diariamente, após o café-da-manhã, colocava sua cadeira na
calçada do pequeno hotel e ali passava horas contemplando o vai-e-vem das
pessoas do lugar.
Em certa
ocasião, um cidadão conhecido por Nonato, parou para uma breve conversa. Não
conhecia, decerto, o temperamento irritadiço de Antônio Silvino. Quis iniciar
uma palestra amistosa e brincou:
-“Capitão,
cadê o ouro que você ganhou dos fazendeiros”?
A resposta
grosseira soou de imediato:
-“Fiz uma
corrente e amarrei no rabo da sua mãe!”.
A vida sofrida
o fez amargo. Nos últimos meses de vida Silvino vivia calado, pensativo,
distante. A única pessoa em Jardim de Piranhas a quem dava atenção era o Doutor
Abílio Medeiros ou Dona Emília, sua hospedeira.
Certa vez relembrou - em tom
arrogante - como a cobrar antiga dívida:
-“Fiz um
grande benefício a esta terra! Passando certa vez por aqui, achei as casas
muito sujas. Fui ao Prefeito e dei um prazo para limpa-las. Pouco mais tarde
voltei e achei a cidade limpa!”.
Antônio
Silvino faleceu em 28 de julho de 1944 em Campina Grande, Paraíba.
Enquanto
cangaceiro, a muitos matou, muitas vezes de forma fria e arbitrária. Porém, foi
justo e bondoso com inúmeros sertanejos. Provavelmente ninguém jamais
conhecerá, de fato, quem foi este famoso antecessor de 'Lampião'. É possível
que suas atitudes contraditórias fiquem para sempre sem uma explicação
plausível. Sua personalidade será eternamente um paradoxo.
Fonte: Revista
Jardimemfesta 3ª Edição, setembro/2007 | Texto: Sérgio Augusto de Souza Dantas
(*) Sérgio
Augusto de Souza Dantas É Juiz de Direito em Natal e autor dos livros LAMPIÃO E
O RIO GRANDE DO NORTE A HISTÓRIA DA GRANDE JORNADA e ANTÔNIO SILVINO: O
CANGACEIRO, O HOMEM, O MITO.
http://www.jarlescavalcanti.com
EU CHEGUEI A LER UMA BLOG QUE FALA ARESPEITO DE ANTONIO SILVINO O GOVERNADOR DO SERTÃO O CANGACEIRO QUE DIZIA QUE PERTO DO FIM DA SUA VIDA ELE SEGUIL UMA IGREJA RELIGIOSA E SI CONVERTEU AI CRISTIANISMO ISSO É VERDADE OU MENTIRA ? AGUARDO RESPOSTA
ResponderExcluirAmigo Anônimo:
ResponderExcluirÉ possível que isto tenha acontecido, mas eu não tenho conhecimento.
Muito obrigado pela sua colaboração. Não deixe de nos visitar com os seus comentários. Todos serão postados, menos com palavrões e desrespeitos aos escritores e pesquisadores do cangaço.
Um abraço.
José Mendes Pereira