Escrito por: Marco Haurélio
Chicó
(Selton Mello) do filme
de Guel Arraes, inspirado no livro de Ariano Suassuna
O famoso Chicó
é um mentiroso de mão cheia, contador de causos como ninguém, ele foi o
escolhido para celebrarmos, hoje, o dia da mentira. Agora, quando você contar
aquela história de pescador e alguém ficar perguntando, querendo entender,
responda: "não sei, só sei que foi assim!" que tá resolvido.
Leia
trecho do cordel "Presepadas de Chicó e astúcias de João Grilo" do
escritor Marco Haurélio.
Chicó
contava vantagem,
Mas
o povo não ligava,
Toda
noite para ouvi-lo
A
multidão se ajuntava,
Porém
não tinha sequer
Um
que nele acreditava.
João
Grilo dizia sempre:
—
Chicó, tenha mais cuidado,
Pois
a sua língua grande
Pode
deixá-lo enrascado
Se
um dia se deparar
Com
algum cabra malvado.
Chicó
dizia: — Qual nada!
Nunca
me meto em engano:
Já
irriguei o deserto
Com
as águas do oceano,
Mandei
fazer uma ponte
Ligando
Marte a Urano!
Já
matei onça de tapa
E
leão com pontapés,
Já
tirei água de pedra,
Como
um dia fez Moisés,
Em
casa tenho uma árvore
Que
produz contos de réis!
João
Grilo disse: — Chicó,
Nem
mesmo lá em Pequim
Um
pé-de-pau dá dinheiro
Ou
a água do mar tem fim.
Chicó
respondeu: - Não sei;
Eu
só sei que foi assim...
Porém,
meu amigo João,
Agora
vou lhe contar
Uma
história verdadeira,
Dessas
de se admirar,
Que
mesmo o cabra incrédulo
É
forçado a acreditar:
No
sertão do Ceará
Vi
três matutos correndo
Atrás
de uma tartaruga –
Parece
que inda estou vendo –
Mas
vou descrever os três
Pra
você ficar sabendo.
Cada
um deles levava
Consigo
uma carrapeta.
Mas
o primeiro era mudo
O
segundo era perneta;
Já
o terceiro era cego,
O
quarto surdo e maneta.
E
foi o cego quem viu
A
tartaruga matreira.
O
mudo falou pra ele:
—
Acabou-se a brincadeira!
Depois
gritou o perneta,
Que
se danou na carreira.
Mas
quem pegou a bichinha
Foi
o sujeito cotó,
Vendeu-a
para um mendigo,
Ficou
mais rico que Jó.
É
a mais pura verdade,
Quem
lhe garante é Chicó.
Mas
isso, João, não é nada,
Já
fiz coisa mais incrível
Que,
se lhe contar, você
Pensará
ser impossível.
Pra
você pode até ser,
Mas
não pra alguém do meu nível.
Eu
tenho um grande criame
De
abelhas no meu quintal.
Tentei
contar as colmeias –
Confesso
que passei mal –
Pois
nem em quinhentos anos
Descobriria
o total.
Porém
contei as abelhas,
Que
passavam de um trilhão!
Vendo
que faltava uma,
Quase
perdi a razão
Mas
para minha alegria,
Vi
o seu rastro... no chão.
Entrei
mata adentro e vi
Minha
abelhinha caída,
Com
duas raposas velhas
Numa
batalha renhida.
Saquei
de grande peixeira,
Pra
defender minha vida.
Rumei
a peixeira nelas,
Que
saíram em disparada;
A
peixeira se perdeu
Dentro
da mata fechada.
Então,
matutei um jeito
De
sair desta embrulhada.
Logo
peguei o meu binga,
Fogo
na mata botei,
E
desta forma, as raposas
Pra
bem longe afugentei.
Quando
o fogo se apagou,
Minha
peixeira encontrei.
Porém
sobrou só o cabo,
O
ferro foi derretido.
Corri
até o ferreiro,
Contei
o acontecido:
E
pedi que refizesse
O
ferro, que foi perdido.
Mas
ele se confundiu
Por
ter cabeça de vento
E
me fez um anzol reto
Pra
eu pescar ao relento.
Joguei
o danado n’água,
Puxei
e veio... um jumento!
Veio
com bruaca e tudo,
Então
nele me montei.
Os
quartos da abelhinha
Fujona,
avante encontrei.
Quando
espremi, dez mil litros
De
mel bem puro tirei!
Porém
não tinha os barris.
E
estando no mato só,
Resolvi
armazenar
Todo
o mel no fiofó
Do
meu jeguinho, contudo,
Confesso:
fiquei com dó.
Passado
algum tempo houve
No
sertão grande secura;
Nas
costas do meu jumento
Cresceu
grande matadura,
De
tanto carregar peso
Em
sua jornada dura.
O
jumento carregava
Bastante
mercadoria
E,
para minha surpresa,
Presenciei,
certo dia,
Germinando
em suas costas
Feijão,
milho e melancia.
Então,
peguei o machado
E
dei um golpe no centro
Da
melancia, porém
O
machado caiu dentro.
Olhei
o buraco e disse:
—
É aqui mesmo que eu entro!
Lá
dentro da melancia
Avistei
em disparada
Um
vaqueiro procurando
A
sua enorme boiada.
Pedi
seu adjutório:
Ele
me deu uma escada.
Para
subir os degraus
Foi
terrível o escarcéu,
Pois
saí da melancia
E
fui bater lá no céu.
Lá
Maria Madalena
Me
ocultou em seu véu.
Acabei
voltando à Terra
Cavalgando
num corisco,
Que
caiu em Xique-xique,
Nas
bandas do São Francisco,
Mas
aprendi a lição –
Hoje
sou um cabra arisco.
Postado
por Tuíca do Cordel
http://luzdefifo.blogspot.com.br
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