Publicado em 24/07/2013 por Rostand Medeiros
Morreu nesta
quarta-feira o último cangaceiro do bando de Lampião, Manoel Dantas Loiola, de
97 anos, mais conhecido como Candeeiro. Ele faleceu na madrugada de hoje no
Hospital Memorial de Arcoverde onde estava internado desde a semana passada,
após sofrer um derrame.
Na semana
passada, quando me encontrava no Sertão do Pajeú, na boa companhia dos amigos
André Vasconcelos, de Triunfo, o poeta Alexandre Morais, de Afogado da
Ingazeira e Álvaro Severo, de Serra Talhada, soubemos que ele estava bastante
doente e fiz minha oração como cristão, desejando a sua melhora. Quando soube
da notícia, na mesma hora me lembrei do encontro que tive com o cangaceiro
Candeeiro.
Manoel Dantas
Loiola, o Seu Né, o antigo cangaceiro Candeeiro e sua esposa, Dona Linda, na
tranquilidade do seu lar
Foi no dia 23
de outubro de 1999, há quase quatorze anos, quando discretamente comecei a sair
por este sertão afora em busca de sua história, de sua gente, de sua cultura e
de sua gênese.
Naquele dia,
em um distrito da cidade pernambucana de Buíque, eu conheci na verdade “Seu
Né”. Foi através do depoimento de Manoel Dantas Loiola, o Seu Né, o antigo
cangaceiro Candeeiro, que comecei a compreender que o entendimento do tema
cangaço jamais se resume na tola pergunta “-Foram os cangaceiros heróis, ou
bandidos?”, que muitos insistem em fazer e eu tolamente também me fazia.
Lembro-me
quando chegamos ao seu comércio e ele me olhou de um jeito inquisitivo, até
mesmo duro. Mas depois de um primeiro contato, percebi estar diante de uma
pessoa muito tranquila e discreta. Não quis conversar sobre o cangaço na sua
casa comercial, mas em sua residência, onde fomos magistralmente bem recebidos
por ele e sua esposa, Dona Linda.
Com ele fiz a
minha primeira entrevista com alguém envolvido em um fato histórico da minha
região. A conversa fluiu franca e aberta e o rolo de fita K7 parecia pouco para
tanto papo.
Muito bem
recebido pelo antigo membro do bando de Lampião
Em um dado
momento do nosso diálogo, sem maiores pretensões, sapequei a seguinte questão
“-Mas Seu Né, o Senhor se considerava um bandido?”.
Nessa hora
percebi que tinha passado uma linha meio complicada das memórias daquele homem.
Deu para ver que sua mulher ficou nitidamente tensa. Primeiramente ele me olhou
primeiramente de um jeito inquisitivo e depois relaxou. Vai ver que percebeu
que a minha pergunta não tinha malícia. Mas foi a segurança de sua resposta,
sem nenhuma grosseria, que eu jamais esqueci…
“-Eu nunca fui
bandido, fui cangaceiro!”.
Aquela resposta
criou em mim um desejo enorme de entender porque aquele homem tinha aquele
pensamento, tinha aquela identidade. Desse dia em diante eu compreendi
que, não apenas a história do cangaço, mas praticamente muitos aspectos ligados
a história do Nordeste do Brasil é bem mais complexa do que podemos
imaginar. E você só obtém respostas se cair em campo, elas não caem do céu
e na vida real o “CRTL-C & CRTL-V” é uma piada.
As palavras de
candeeiro conseguiram abrir em mim uma dimensão que não percebia. Até então a
ideia que tinha era que os cangaceiros eram tão somente marginais, foras da
lei. Para corroborar esta minha ideia, bastava olhar uma das antigas fotos dos
grupos de cangaceiros e ver alguns crimes saltavam aos olhos; ali estava bem
caracterizado o bando, ou formação de quadrilha e o uso de armas restritas as
Forças Federais (como não sou da área de Direito posso errar na informação do
crime).
Pois bem,
depois de ouvir a firme diretiva do ex-cangaceiro Candeeiro, comecei a perceber
que ali havia uma forte ideia de identidade. De uma identidade própria,
estranha, exclusiva e dela o Seu Né, pelo menos naquela fase de sua vida, muito
se orgulhava. Talvez seu orgulho fosse o mesmo que um militar sente de sua
farda, de sua patente e de suas medalhas. Comecei a ver que se os tais
“Guerreiros do Sol” eram só bandidos, porque a roupa tão marcante? A mesma
roupa que alcançaria uma inigualável e única característica.
Segundo os
jornais afirmam o Seu Manoel Loiola ingressou no bando de Lampião em
1937, mas afirmava que foi por acidente. Trabalhava em uma fazenda em Alagoas
quando um grupo de homens ligados ao famoso bandido chegou ao local. Pouco
tempo depois, a propriedade ficou cercada por uma volante e ele preferiu seguir
com os bandidos para não ser morto.
Segundo o meu
amigo José Mendes, de Mossoró, este é Cadeeiro nos tempos do cangaço-
http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2011/04/porque-reuniao-no-coito-do-angico.html
Ele me
comentou que entre o momento que entrou no cangaço, até a morte de Lampião,
aqueles foram momentos inesquecíveis de sua vida.
Os jornais
comentam que Candeeiro afirmou que nos quase dois anos que ficou no bando tinha
a função de entregar as cartas escritas por Lampião, exigindo dinheiro de
grandes fazendeiros e comerciantes. Sempre retornava com o pedido atendido.
Estava na Grota do Angico, quando da morte de Lampião e Maria Bonita e figurou
entre os que conseguiram escapar. No dia do ataque, já estava acordado e se
preparava para urinar quando começou o tiroteio. Candeeiro recebeu um balaço no
braço, que deixou uma cicatriz e por esta razão sempre andava de camisa de
manga longa. Mesmo ferido no braço direito, conseguiu escapar do cerco. Dias
depois, com a promessa de não ser morto, entregou-se em Jeremoabo, na Bahia,
com o braço na tipoia. Com ele estavam outros 16 cangaceiros e cumpriu dois
anos na prisão.
Por este
sertão afora em busca de sua história, de sua gente, de sua cultura e de sua
gênese
Aquele
encontro em outubro de 1999 foi extremamente estimulante para que eu
continuasse saindo por aí, ao longo destes anos percorrendo os caminhos
empoeirados atrás da história da minha região. Lembro-me que depois daquele
encontro eu já estive em locais como Canudos, locais da passagem da Coluna
Prestes, combate do Rio Formoso, Juazeiro do Padim Cícero, Pau da Colher,
Caldeirão, os fanáticos da Serra do João do Vale, Missa do Vaqueiro,
palmilhando o caminho de Lampião no Rio Grande do Norte, o cangaço e a guerra
na região de Princesa, as fortalezas do nosso litoral nordestino e até o tema
da Segunda Guerra Mundial, que é tão importante na história da minha amada
cidade Natal.
Nessa ideia de
conhecer a história da minha região, da qual tenho enorme orgulho de ser
natural, o meu desejo é sempre buscar algo mais. E tudo começou com Seu Né.
Requiescant in
pace cangaceiro…
P.S.
- Bem, sei que alguns poucos daqueles que pesquisam sobre este tema podem
até considerar ridículo tantas linhas para falar de um único encontro com este
cangaceiro, que não era uma pessoa de ponta dentro do processo estratégico do
bando de Lampião e por alguém que não esteve com tantos protagonistas que
vararam as caatingas de chapéu de couro de aba quebrada e arma na mão. Tudo
bem, mas pelo menos eu consegui extrair do contato com este ser humano algo que
se tornou não apenas uma notinha de rodapé em algum trabalho inútil.
Publicado no blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço: Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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