*Texto
de Claudio Bojunga para o jornal “O Estado de São Paulo" – 31/07/73
Um velho entrevado, torto, de 73 anos, tossindo, mal vestido, deve estar muito doente. Só os olhos são ágeis como os olhos de um menino: correm em torno da mesa, encara rapidamente as pessoas para depois se fixar na janela à esquerda, na porta aberta à direita; os olhos de Zabelê, mais de 40 anos depois, conservam a vigilância dos tempos do cangaço. E como se, a qualquer momento, um macaco fosse pular à sua frente ou às suas costas para enchê-lo de bala.
Zabelê, ou Isaias Vieira, um homem totalmente apavorado. É um exemplo dos
cangaceiros que, depois da luta, ficaram por aqui mesmo, no Nordeste. Há muitos
em todo o sertão, de Alagoas ao Ceará, todos escondidos sob nomes falsos. E
eles sabem que não temem fantasmas. A vingança, no sertão, é elaborada com
paciência chinesa. É possível, perfeitamente possível que, a qualquer momento,
amanhã talvez, um outro velho entrevado descarregue seu revólver sobre o velho
Zabelê. Afinal, Zabelê nem sabe quantos matou em um ano de cangaço. Era
coiteiro de Lampião desde 1923, na região do Pajeú, até que o coito se tornou
evidente demais, e perigoso. Olhando de um lado para outro enquanto fala, o
velho conta:
- Lampião: tá
descoberto que eu compro coisinha procê. Tô enroscado. Se não sentá praça vou
acabar entre as pernas do tenente.
Lampião pensou
um pouco. Não era qualquer coiteiro que podia “sentar praça” no cangaço. Zabelê
insistiu:
- Tô
desmantelado. Sou pai de família, tó desmantelado.
-Desmantelado
você já nasceu.
E dito isso,
Lampião aceitava um novo “soldado”. Porque era preciso estar mesmo muito
“desmantelado” na vida para topar a parada. Zabelê tinha mulher, quatro filhos
e muito azar.
Começou a
brigar em 1926 e um ano depois estava preso. Participou de um combate
importante, o de Serra Grande, naquele mesmo sertão. Como todo ex-cangaceiro,
diz que, naquela batalha, morreram uns 30 macacos. Cangaceiro, nenhum. O mesmo
truque usado pelos policiais da época. Vários dizem que em Serra Grande
morreram um ou dois soldados. O coronel Higino José Belarmino, famoso entre
outras coisas por não mentir, nem que a verdade possa “prejudicar” a imagem da
Volante, diz que morreram dez soldados em Serra Grande. Cangaceiros, ele não
sabe, ninguém sabe.
Isaias Vieira, o primeiro “Zabelê” cumpriu longa pena na penitenciária do Recife. Esta foto é de 29 de dezembro de 1928, quando ainda se encontrava preso. Foto do Acervo Lampião Aceso, não compõe a matéria original.
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2014/02/zabele.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Isaias Vieira, o primeiro “Zabelê” cumpriu longa pena na penitenciária do Recife. Esta foto é de 29 de dezembro de 1928, quando ainda se encontrava preso. Foto do Acervo Lampião Aceso, não compõe a matéria original.
Os cangaceiros
sempre carregavam os seus mortos e feridos e os eternizavam, batizando um cabra
novo com o nome do preso ou do morto: assim, este que apavorado conversa com a
gente, é o primeiro Zabelê de uma série. Um toque de misticismo, nem tanto para
confundir a polícia, mas o povo. O cangaceiro não morre. Zabelê está preso?
Como, olha ele aqui.
Apesar do pavor,
Zabelê I ainda ousa revelar, com seu raciocínio lógico de sertanejo, que tudo
não se resume a troca de tiros entre grupos ou requintes de crueldade. Até
Zabelê, personagem de mínima importância dentro daquela fase da História do
Brasil, sabe o que significa corrupção.
-Todo mundo
ajeitava. O senhor pode ser naquela época o presidente da nação, ajeitava
também. Naquela época só quem não ajeitava era Deus que não aparecia.
Ele quer dizer
que grande parte das armas do cangaço foi vendida pela própria polícia que
importantes políticos da época, hoje venerandos e com estátua (algumas
equestres) no meio das praças, estiveram envolvidos gravemente, pairando sua
honra sobre os tiroteios que eles próprios manipulavam.
Zabelê:
apavorado, velho, doente, pobre e atualizadíssimo.
*Créditos para
Antônio Corrêa Sobrinho
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2014/02/zabele.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Esse Zabelê meu caro Mendes, é um outro que existiu antes do Zabelê que era tio do saudoso escritor Alcino Alves Costa, não é isso?! Certamente sim.
ResponderExcluirAntonio Oliveira
Antonio Oliveira:
ResponderExcluirEste não é o Zabelê tio do escritor Alcino Alves Costa. O tio de Alcino seu nome de batismo era Manoel Marques da Silva, e recebera no bando de Lampião o apelido de Zabelê. E segundo Rangel Alves, era filho único de Antônio Marques da Silva e Maria Madalena de Santana, a Mãe Véia. Suas irmãs, em número de oito, eram Emeliana, Conceição, Osana, Isabel, Rosinha, Mãezinha, Mariquinha e Cordélia. Ele desapareceu de uma vez, nunca mais fora visto.
Ok caro Mendes: Muito bem explicado nem só para mim como para outros leitores que, como eu, estão no início da estrada da história do cangaço. Sei que aqueles que pesquisam a saga do cangaço há muitos anos (como é o seu caso), têm conhecimento do assunto, mas, nem todos têm uma larga experiência.
ResponderExcluirPortanto, só posso dizer: Muito grato pelo cuidado de dirimir as nossas dúvidas, pois, professor (principalmente da língua portuguesa), é para colaborar com os companheiros.
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Bahia