Por Rangel Alves
da Costa*
Nos acasos e
inusitados da vida, eis que o destino parece ter feito valer sua fama. Colocou
frente a frente, ou lado a lado, três pessoas completamente desajuizadas: um
louco, um doido e um insano. E para a dura e difícil tarefa de dialogar
compreensivamente acerca da realidade da vida. Encontro impossível de ser
descrito na sua inteireza de conversação e de pontos de vista. Mas enfim.
Encontro mais
que casual e inesperado. Todos os dias, assim que chegava o entardecer, os três
se encaminhavam para realizar tarefas cotidianas e sempre no mesmo lugar, numa
praça com árvores centenárias, estátuas imponentes por todo lugar, bancos de
madeiras para o repouso e meditação. Cruzavam-se por ali, se entreolhavam, mas
nunca se cumprimentavam ou paravam para uma palavra mais alongada. A verdade é
que cada um se mostrava desconfiado perante a presença do outro, achando estar
diante de um maluco de careta e pedra. Os motivos da andança de cada um, ainda
que inexplicáveis racionalmente, eram plenamente justificados nas suas mentes
psicologicamente afetadas.
Um levava
flores de plástico para pregar nas plantas dos canteiros desnudos e
ressequidos. Outro procurava uma estátua na praça que desejasse conversar com
ele, vez que já estava entediado com tanta falta de educação daquelas pessoas
empertigadas demais. Ora, dava boa tarde e nenhuma respondia. E o outro ficava
por ali esperando a cavalaria revolucionária chegar para tirar à força o
ditador de seu palácio. Por isso mesmo, no intuito de ajudar os rebeldes,
levava escondido um pedaço de ripa como espada e pedras no bolso, que eram suas
balas de canhão. E também um grito de vitória pronto para ser ecoado.
Assim, o louco
procurava um jardim para fazê-lo florescer artificialmente; o doido procurava
uma estátua que fosse boa de prosa; e o insano esperava ansiosamente a chegada
dos rebeldes para derrubar o tirano e salvar a pátria. Mas o encontro dos três
ocorreu quando o doido falou para a estátua, de espada erguida na mão, que
baixasse aquela arma e viesse dialogar. O insano revolucionário ouviu tais
palavras e prontamente correu ao local, gritando em direção à estátua que jamais
se rendesse às mentiras daquele agente da ditadura. E que empunhasse ainda mais
a sua espada contra toda a tirania do mundo.
Diante do
impasse e do imediato estranhamento, o doido e o insano já estavam para se
atracar, para dar início a uma briga feroz, quando o louco correu e se colocou
perigosamente entre eles. Arriscava sua integridade física e até sua vida se
metendo no meio da briga dos outros, mas fazia assim porque tinha bom coração e
tentava evitar uma verdadeira tragédia. Não só se posicionou entre eles como
puxou duas flores de plástico de um saco e estendeu-as aos desafetos.
Ao recebê-la,
o doido fez menção de oferecê-la à estátua, atitude prontamente desaprovada
pelo insano. Este gritou que a revolução não precisava de flores, mas de armas
e do sangue da tirania e seus bajuladores. E disse mais: Assim que a cavalaria
chegar por um lado e de outro despontar os canhões, não restará pedra sobre
pedra. O oprimido vai tomar o poder e pessoas como vocês, que acreditam em
estátuas de heróis e pensam que flores curam feridas, terão que se contentar em
comer o pão molhado em suor.
Então o louco
pediu para que se afastassem um do outro e mantivessem a calma, pois precisava
falar, dizer algumas palavras que pudessem acabar com aquela intriga ameaçadora
e desnecessária. Em seguida, empunhando a mais bela flor artificial que pôde
encontrar nos seus apetrechos, subiu num banco, beijou a flor, levantou-a em
direção aos céus, e começou a falar:
“Será que
vocês perderam o juízo de vez e querem ser iguais às pessoas que andam por aí
se dizendo normais? Vocês querem ser iguais a eles, espertos e inteligentes
demais, mas não pensam duas vezes para fazer as piores maldades para conseguir
o que desejam? Vocês querem perder a razão, a consciência de tudo que fazem
para se tornar como eles, uns loucos, psicopatas, verdadeiros desequilibrados
da mente? Ora, pessoas normais não agem como eles, que vivem disfarçados,
escondendo suas verdadeiras feições. Eles sorriem tão falsamente, conversam tão
mentirosamente e agem tão covardemente, que até se iludem com suas capacidades
de iludir. Agora deixem de briga e venham me ajudar a transformar essa praça num
jardim florido”.
Mas os outros
dois rejeitaram a proposta. Disseram que não iam se arriscar a ser chamados de
doidos se alguém os visse colocando flores de plástico em planta morta. Não iam
sair de onde estavam de jeito nenhum. Não sem antes a estátua resolver
conversar sobre a copa do mundo e a cavalaria e os canhões aparecerem para
tirar do poder a tirania que gasta com estádio de futebol e não com as reais
necessidades da população.
E continuaram
por ali, mas agora tentando encontrar um jeito de mandar para um hospício todos
aqueles doidos que passavam e os olhavam como se fossem malucos.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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