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sábado, 28 de junho de 2014

Preliminares de Mossoró O Ouro dos Cangaceiros para Yolanda

por Rostand Medeiros

Recentemente estava realizando um trabalho de pesquisa histórica para o SEBRAE-RN, que consistia em buscar informações sobre uma determinada cidade do interior do Rio Grande do Norte. Utilizava como uma das fontes de pesquisa uma série de fotografias que tirei das páginas já amareladas e frágeis, de velhos jornais potiguares arquivados na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

 Coronel Antonio Gurgel, filho e esposa

Buscava informações relativas ao crescimento demográfico, questões políticas, fatos relativos à história desta urbe e outros fatos. Observava as fotos atentamente, quando uma manchete me chamou a atenção. Impresso no extinto jornal “A Republica”, na edição de 8 de outubro de 1933, um domingo, temos uma matéria de página inteira, com o destacado título “A História de um Cangaceiro”. Evidentemente que parei e comecei a ler este material atentamente.

O artigo é assinado pelo respeitado advogado Otto de Brito Guerra. Este era sobrinho do coronelAntônio Gurgel do Amaral, (foto em família) o mesmo que foi capturado por membros do bando de Lampião quando este seguia comandando, em julho de 1927, um grupo de cangaceiros para o famoso ataque a Mossoró.

Diante desta privilegiada aproximação através do parentesco, o autor relata em seu artigo as diversas agruras que seu tio passou. É descrito como o parente foi capturado, do valor exigido pela sua libertação, do ataque fracassado do bando a Mossoró, do carteado que utilizava munição de fuzil como fichas e outros pontos. Muito do que Otto Guerra comenta neste artigo, foi fartamente pesquisado e divulgado ao longo dos anos, por diversos pesquisadores que se debruçaram na tentativa de conhecer mais em relação ao famoso combate na terra de Santa Luzia e a controversa figura de Virgulino Ferreira da Silva.

Conforme seguia lendo, não encontrava nenhuma informação nova sobre a permanência do coronel Gurgel em meio aos cangaceiros. Mas aí o autor comenta sobre a figura do “cabra” chamado Luís. Este jovem cangaceiro paraibano, um tipo alto, magro e moreno, era afilhado do famoso e famigerado Sabino, o violento braço direito de Lampião e por esta razão era conhecido como “Luiz Sabino”. Dizia que havia entrado no cangaço no dia que seu padrinho realizou um “trabalho” para um potentado do sertão da Paraíba e daí não parou mais.

Em um dia quente, ainda prisioneiro no Ceará, em meio às muitas cogitações sobre o seu destino, o coronel Gurgel percebeu o jovem Luís Sabino andando um pouco mais afastado do resto dos companheiros, de cabeça baixa e pensativo. Entretanto, ao procurar dialogar sobre o seu passado, o coronel Gurgel percebeu que não parecia haver uma boa receptividade por parte do jovem cangaceiro e logo ele buscou desviar o assunto. Em meio a conversa, Luís perguntou:

- O coronel tem família?

- Tenho sim, pai, mãe, filhos... E até uma netinha...

- Já têm netos?

- Tenho.

Otto Guerra escreve que Luís Sabino fitou o prisioneiro uns instantes, daí abriu uma bolsa, “dessas arredondadas, cheias de compartimentos, o couro artisticamente bordado, que o sertanejo nordestino conduz a tiracolo”. Dela tirou um papel amarelado e entregou ao espantado coronel, uma reluzente moeda de ouro, da época do império brasileiro.
- Tome coronel, quando se livrar daqui dê a sua netinha.

- Ora Luís, isso vale muito. Guarde.

- É... Já me falaram em sessenta mil réis. Porém eu sei que coisa de bandido não vale nada não... Tome.

Daí o jovem cangaceiro saiu cabisbaixo.

O coronel Gurgel relatou ao autor do artigo que o jovem cangaceiro, apesar de viver entre homens que tinham como característica comum à violência, a brutalidade e, além de tudo, ser afilhado logo de Sabino, era um membro do bando que estava sempre próximo aos prisioneiros levados, era extremamente atencioso e muitas vezes buscou de alguma forma amenizar as agruras dos cativos. Na famosa foto que registra o bando de cangaceiros de Lampião e os prisioneiros em Limoeiro do Norte, Ceará, obtida no dia 16 de junho, entre os membros listados pelo famigerado Jararaca, o cangaceiro que aparece com o número “31” grifado acima do chapéu de aba quebrada, foi apontado como sendo “L. Sabino”. Na época que listou os companheiros na famosa foto, Jararaca era então prisioneiro na cadeia de Mossoró e pouco tempo depois foi morto de maneira cruel e covarde pela polícia local.

Esta pequena história, simples, sem sangue nem disparos de fuzis, mostra um outro lado de um bandoleiro que vagava pelos sertões, em meio a um grupo que vivia do saque e do roubo. Mas que em um certo momento, teve o total desprendimento pelo vil metal e mostrou um aspecto diferente do que normalmente é apresentado em relação e estes homens, que Frederico Pernambucano de Mello chamou de “Guerreiros do Sol”. E todo este fato contado através de uma reportagem escrita a setenta e seis anos atrás, por um dos mais respeitados juristas potiguares.

Entretanto...

Sabemos pela descrição feita pelo próprio Antônio Gurgel do Amaral, em seu famoso diário, onde ele narra os vários dias de sofrimento junto a Lampião e seus homens, que o mesmo criou certos laços de amizade com o cangaceiro conhecido como “Pinga Fogo”. Gurgel descreve-o como um “rapaz de 24 anos, alvo, muito simpático, maneiroso”. Terminantemente não se encontra nenhuma linha sobre Luís Sabino.


Sabemos igualmente que no livro do conceituado médico Raul Fernandes, “A marcha de Lampião – Assalto a Mossoró”, na página 264, da 3ª edição, através de um relato da senhora Yolanda Guedes, (a criança na foto acima) dita neta do coronel Gurgel, que informou ter o seu avô recebido do próprio Lampião não uma, mas duas moedas de ouro de libra esterlina e lhes deu as moedas de presente. Foi uma suprema deferência, feita não por um cangaceiro qualquer, mas pelo próprio chefe caolho, que gentilmente regalou a netinha do seu sofrido sequestrado com estas duas reluzentes lembranças. Ademais as duas brilhantes peças metálicas nem eram da extinta realeza tupiniquim, mas da suntuosa casa real Britânica.

Raul Fernandes afirma que Yolanda Guedes lhe concedeu estas informações em uma entrevista ocorrida no Rio de Janeiro, em 1971. Mas daí vem outra questão...

E agora, em quem acreditar?

Raul Fernandes e Otto de Brito Guerra, já falecidos, eram naturais de Mossoró, oriundos de famílias tradicionais, foram consagrados professores nas suas respectivas áreas na UFRN, pesquisadores, escritores e durante suas vidas desenvolveram muitas outras atividades interessantes. Se para estes dois iluminares das letras potiguares, homens consagrados no meio intelectual da terra de Felipe Camarão, contemporâneos ao ataque de Lampião a Mossoró, existe uma pequena divergência ao contarem sobre a história da “visita” do “Rei do Cangaço” ao nosso estado, imaginemos então os que buscam conhecer mais deste assunto oitenta e dois anos depois dos fatos.

Otto de Brito Guerra - In Memorial do Ministério Público do RN

Na verdade, tudo que envolve este tema, tão calcado em referências orais, onde em determinados momentos, vítimas e perseguidores, apaixonadamente se engalfinharam para fazer prevalecer suas versões dos acontecimentos, escrever sobre o cangaço é sempre um terreno escorregadio e perigoso para quem o adentra.

E ainda temos a figura dos ditos “intelectuais” tão desejosos dos holofotes, das adulações baratas, das bajulações desmedidas, que escrevem livros que foram produzidos praticamente sem nenhuma pesquisa de campo. Ou ainda dos autores que se digladiam em querelas bobas e estéreis, sobre temas tão pequenos e inúteis, como o que acabei de aqui relatar, em um afã de superioridade desnecessária.

Eu tenho a minha hipótese para o caso das moedas; o coronel Gurgel era uma pessoa tão especial, tão interessante, que não recebeu nem uma e nem duas moedas de ouro dos cangaceiros, mas três. Uma de Luís Sabino e duas de Lampião, uma brasileira e duas inglesas. Daí, se esta hipótese for correta, talvez o coronel Gurgel seja o primeiro caso de um sequestrado que, ao invés de pagar o resgate pela sua liberdade, voltou para casa ganhando presentes na forma de moedas de ouro dos seus algozes.

De repente, cada um pode criar a sua versão.....

Um abraço a todos,
Rostand Medeiros

Rostand Medeiros é historiógrafo e pesquisador do cangaço 
http://tokdehistoria.com.br/

http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/o-ouro-dos-cangaceiros-para-yolanda.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo10:30:00

    Caro Historiador Rostand Medeiros: O meu bom dia.
    O senhor pode notar que mesmo sendo cangaceiro, restava na mente e no coração do jovem Luis Sabino uma centelha de sentimento e bondade: "Leve esta moeda e, quando o senhor sair daqui, dê a sua netinha".
    Abraços Mendes e Historiador Medeiros,
    Antonio Oliveira - Serrinha

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