Por Pedro Carlos
Virgulino
Ferreira, o Lampião, havia alcançado o ápice da sua saga sanguinolenta pelo
interior do Nordeste pelos idos de 1927. Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe
e Ceará conheciam a sua fama de bandoleiro. Homem frio e bandido contumaz, o
Capitão Lampião, foi convencido por
Massilon de invadir a "meca"
nordestina da época, Mossoró, terra de comércio forte, com lojas sortidas,
grandes armazéns de mercadorias, prensas de algodão, fábricas, cinemas, mansões
senhoriais, caminhões e automóveis. Mossoró, apesar de ser a maior cidade a ser
atacada até então pelo bando, não pôs medo aos facínoras, embora Lampião
tivesse ficado reticente a princípio.
O cangaceiro
não tinha motivos para invadir o Rio Grande do Norte. Aqui nunca havia sido
molestado nem havia qualquer tipo de perseguição contra ele e os seus. Por
várias vezes, ele havia de dizer aos seus comandados que só entraria no Estado
em necessidade de viagem e isso mesmo sem precisar mexer com ninguém. A
realidade foi outra. Lampião usou o marketing do medo para a sua mais ousada
aventura: invadir Mossoró.
Massilon, Lampião e Sabino
Massilon
Leite, que tinha o seu próprio grupo de cangaceiros, juntou-se a Lampião pelas
bandas do Ceará. Sabino, outro cangaceiro destemido, também fazia parte
do bando que queria saquear Mossoró. A ânsia era tanta, que contam os
historiadores Raul Fernandes (autor do livro A Marcha de Lampião) e Raimundo
Nonato (autor do livro Lampião em Mossoró) 400 quilômetros foram percorridos em
apenas quatro dias e meio. De Luiz Gomes - primeiro município a ser invadido -
até Mossoró, deixou-se um rastro de destruição, mortes e medo. Chegava à
cidade tudo aquilo que Lampião mais soube fazer: amedrontar todos os que
ouvissem o seu nome.
Em Luiz Gomes,
Virgulino e seus seguidores fizeram dois reféns: a mulher do coronel José Lopes
da Costa, Maria José, de 63 anos, e Joaquim Moreira, outro ancião. De lá até
chegar a Mossoró, Lampião ainda destruiu boa parte de Apodi, tocando fogo em
várias lojas e atacando residências. Foi até a comunidade do Gavião (hoje
Umarizal) e ainda invadiu Itaú.
Antes de
chegar à zona urbana, ele ainda cometeria atrocidades na comunidade de São
Sebastião (município de Governador Dix-sept Rosado hoje), há cerca de 40
quilômetros do centro de Mossoró. Virgulino Ferreira chegara à noite com um
único intuito: alastrar o medo e a incerteza diante da sua chegada. O local era
estratégico.
O coronel
Antônio Gurgel, feito refém quando viajava à comunidade de Pedra de Abelha
(hoje município de Felipe Guerra) para ir apanhar a sua esposa, acompanhou tudo
aquilo e registrou no seu diário, publicado pelo jornal A Notícia, do Rio de
Janeiro. Segundo ele, no dia 12 de junho de 1927, por volta da meia-noite, os
homens de Lampião chegaram a São Sebastião: "Quando chegamos a S.
Sebastião era quase meia-noite. O grupo dirigiu-se à Estação da Estrada de
Ferro, onde inutilizaram tudo que lhes caiu nas mãos. Arrebentaram as portas
dos armazéns vizinhos, incendiaram dois automóveis ali encontrados; finalmente
o grupo passou pela Vila, onde felizmente não cometeu desatino algum".
Mas a
realidade seria diferente no dia seguinte, 13 de junho de 1927, ainda de acordo
com o diário. "Às 5h30 o grupo levantou acampamento, rumo de Mossoró.
Então, à luz do dia, pude ver, horrorizado, aquele bando de demônios entregues
aos maiores desatinos, quebrando portas,
espaldeirando quem encontravam,
exigindo dinheiro, roubando tudo, numa fúria diabólica. A palavra de ordem era
matar e roubar!".
O ataque era
um aviso para Mossoró, ali perto. O bando iria entrar na cidade para fazer o mesmo.
Tomaria a cidade, saquearia o comércio, limparia os cofres do Banco do Brasil.
As notícias a respeito da prosperidade de Mossoró ganhavam as ruas e praças de
todo o Nordeste. E não havia um homem de Lampião sequer que não pensasse em
enriquecer às custas dos mossoroenses.
A ganância era
tanta, que o comedimento inicial de capitão Virgulino foi substituído pelo
desejo de por as mãos nas riquezas de Mossoró. Estava diante dele a mais ousada
empreitada de guerra. Lampião não iria colocar em jogo apenas as vidas dos seus
comparsas, mas colocaria na mesa o maior dos recados dos governos nordestinos.
Não existiria, a partir da queda de Mossoró, outro lugar que não pudesse ser
invadido por Lampião.
O coronel
Antônio Gurgel teve papel importante neste fato histórico. Lampião queria que
ele fizesse o pedido de 500 contos de réis para evitar o ataque à cidade.
Gurgel ponderou que não tinha muita amizade com o prefeito Rodolfo Fernandes e
este poderia não considerar a missiva. Foi então, que surgiu a idéia que se transformou
num dos mais importantes documentos históricos de Mossoró: as duas cartas em
que o Rei do Cangaço pediria dinheiro para não atacar a cidade.
Em Mossoró, o
prefeito Rodolfo Fernandes lutou para convencer as autoridades estaduais do
perigo iminente. O primeiro sinal positivo deu-lhe o direito a criar a guarda
municipal com poderes de rechaçar qualquer ameaça contra a cidade. E assim ele
o fez: com fuzis arrecadados pela Associação Comercial, comprados pela
prefeitura e outros enviados pelo Governo do Estado, transformou Mossoró numa
grande trincheira.
Mesmo sem
conhecimento bélico, Rodolfo Fernandes montou a estratégia vencedora:
distribuiu em pontos altos da cidade os principais focos de resistência e
estabeleceu algumas metas. A primeira delas seria evitar que os bandidos
alcançassem o centro da cidade. E assim o fez. Transformaram-se em trincheira:
a própria casa de Rodolfo Fernandes (hoje o Palácio da Resistência, sede do
poder público municipal), a torre da Igreja de São Vicente (a mesma que está
até hoje erguida no centro da cidade), a casa de Afonso Freire, o Ginásio
Santa Luzia (hoje sede do Banco do Brasil no centro da cidade), o telégrafo, a
torre da Matriz e a empresa F. Marcelino & C.
Ás 16h do dia
13 de junho de 1927, Mossoró vivia uma tarde chuvosa. Dia de Santo Antônio, dia
de ir a missa, mas a cidade não tinha ninguém em suas ruas. O coronel Vicente
Sabóia já havia sido alertado da presença dos cangaceiros em São Sebastião e
comandou a bem sucedida operação de evacuação da cidade. Os mossoroenses que
não se entrincheiraram foram para casas de parentes e amigos na zona rural ou
até mesmo em outros estados. Em meio ao céu nublado, começou a cortar naquele
escuro de fim de tarde o relampejo das balas dos cangaceiros.
Lampião
vendera ao prefeito Rodolfo Fernandes a imagem de que iria atacar Mossoró com
150 homens, muito bem armados e com sede de vingança pela sua insurgência. O
prefeito não se intimidou e montou uma guarda com cerca de 90 homens. Capitão
Virgulino apostou no seu marketing do medo, que traduzia as suas atrocidades
muitas vezes maiores do que as cometidas. O prefeito Rodolfo Fernandes apostava
na valentia do povo mossoroense e na estratégia montada em que o campo visual
para o ataque seria excelente.
Há
divergências quanto ao tempo dos combates. Alguns historiadores, como Raimundo
Nonato da Silva, apontam para uma batalha de quatro horas. Em seus depoimentos
aos jornais da época, inclusive este O Mossoroense, a ex-refém Maria José Lopes
e o bandido Jararaca falaram em pouco mais de uma hora. Em seu diário, o
coronel Antônio Gurgel também citou um período curto "de cerca de uma
hora".
Em meio ao
combate, Mossoró saiu vencedora e com dois troféus de destaque: os bandidos
Colchete e Jararaca, ambos do grupo que entrara na cidade cantando os versos da
canção paraibana "Mulher Rendeira..." Conta o historiador Raul
Fernandes, que é filho do prefeito Rodolfo Fernandes, em seu livro a Marcha de
Lampião, que os versos eram entoados da seguinte forma: "Ô mulhé
rendeira!/ Ô mulhé rendá/ Me ensina a fazê renda/ Qu'eu te ensino a
guerreá..."
Pelo jeito,
quem ensinou a guerrear foi o povo de Mossoró.
http://www2.uol.com.br/omossoroense/170307/conteudo/pedro.htm
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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